sábado, 28 de agosto de 2021

Cabul, Afeganistão (Resultado de vinte anos de uma intervenção falhada: um inferno pior do que o anterior?)

 


"Um ataque terrorista numa das entradas do aeroporto de Cabul, no Afeganistão, na quinta-feira, fez pelo menos 108 mortos, entre 95 civis afegãos e 13 militares dos Estados Unidos. O ataque coordenado envolveu dois bombistas suicidas e homens armados que dispararam sobre a multidão que tentava fugir do país através do aeroporto.

O atentado já foi reivindicado pelo ISIS-K, um braço do Estado Islâmico, conhecido por ser o grupo muçulmano mais violento a operar na região, e os Estados Unidos já prometeram retaliar.
Mas que grupo é este e o que podemos esperar dele?

Este ramo do Estado Islâmico remonta ao final de 2014, quando o grupo ocupava grande parte da Síria e do Iraque, e opera como uma filial do grupo terrorista na região de Khorasan, que engloba o Afeganistão e no Paquistão.
 
Um vídeo de 2015, mostra o então líder do grupo, Hafiz Saeed Khan, a jurar lealdade para com Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do Estado Islâmico.



Há muito que os serviços secretos ocidentais sabiam dos planos deste grupo para atacar as forças americanas envolvidas nas operações de evacuação do Afeganistão. Segundo a estação de rádio norte-americana NPR, esse facto terá sido um dos motivos por detrás da insistência do presidente Joe Biden em limitar a duração da retirada das forças norte-americanas no país.

O ISIS-K instalou-se na zona devido à falta de controlo das tropas americanas em território afegão e foram-se infiltrando no território”, explicou à TVI Maria João Tomás, especialista em assuntos do Médio Oriente.

Qual é o objetivo do ISIS-K?

As motivações do grupo terrorista são semelhantes às do Estado Islâmico no Médio Oriente, ou seja, procurar a instauração de um califado islâmico na região.
Com a saída das forças ocidentais do país, o grupo vê agora uma oportunidade de ocupar o vazio e expandir a sua base de apoio.


Para atingir este objetivo, o grupo recruta jihadistas afegãos e paquistaneses que pertenceram aos talibãs, que acreditam que o grupo terrorista traiu a causa islâmica ao negociar com o Ocidente, ao invés de continuar a jihad.

São talibãs insatisfeitos, que não concordam com este acordo com os Estados Unidos e consideram os talibãs como apóstatas. Há muitos talibãs no ISIS-K, o que traz uma dupla vantagem: não só conhecem as táticas dos talibãs e a forma como estão organizados, mas também conhecem muito bem o Afeganistão”, sublinha a especialista.

Vários especialistas em assuntos do Médio Oriente sublinham que existem várias diferenças ideológicas entre os dois grupos, com o autoproclamado Estado Islâmico a acusar os talibãs de sustentarem a sua legitimidade numa estreita minoria étnica, ao invés da lei islâmica.
 
O ISIS-K está contra os infiéis. Estão contra aqueles que estão a permitir as negociações com os Estados Unidos. O Estado Islâmico veio à revelia dos talibãs fazer este ataque com dois bombistas suicidas”, explica Filipe Caetano, editor de Internacional da TVI.


O que podemos esperar?

Apesar de as forças norte-americanas estimarem que 75% dos membros do ISIS-K foram mortos, o grupo continua a ser um dos principais responsáveis por algumas das piores atrocidades levadas a cabo no país, como ataques a escolas femininas e hospitais.
Em 2019, por exemplo, mataram 63 e feriram 180 com um ataque à bomba num salão de festas, onde se celebrava um casamento.
 
Outro dos atos terroristas mais conhecidos do grupo fundamentalista foi um atentado numa maternidade, que matou dezenas de mães e grávidas simplesmente por serem xiitas.
 
Durante os primeiros quatro meses de 2021, a missão de assistência da ONU no Afeganistão registou 77 ataques levados a cabo pelo grupo.
É um grupo fundamentalista que não tem respeito nenhum pela vida humana. Espera-se o pior daqui para frente”, frisa Maria João Tomás.


Atualmente, acredita-se que o grupo tenha cerca de dois mil membros presentes na região sob as ordens de Shahab al Muhajir e, com a saída das forças ocidentais, teme-se que venha a aproveitar o “vazio” para criar instabilidade e ganhar influência na região.

Há quem lembre o facto de o Afeganistão ser o maior produtor de ópio do mundo e que poderá tentar apoderar-se de uma parte deste lucrativo negócio que atualmente é controlado pelos talibãs.

O ISIS não é só uma organização terrorista. Como pudemos ver na Síria, o ISIS traficava tudo o que podia. Não nos podemos esquecer que o Afeganistão é o maior produtor de ópio do mundo e não nos podemos esquecer que quem detém esse monopólio são os talibãs”, destaca a analista."
 
Texto: João Guerreiro Rodrigues – TVI 24 (Lisboa – Portugal)

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Outra vez "Summertime" ... (George Gershwin)


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... mas desta feita pela voz do grande Paul Robeson (Estados Unidos, 1898-1976):


Saiba mais sobre Paul Robeson - aqui...
... e sobre George Gershwin - aqui

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Afeganistão - Os talibãs e as mulheres...

 


Ainda a propósito das promessas que os talibãs vêm fazendo publicamente quanto à sua disposição de respeitarem os direitos dos cidadãos afegãos (rever aqui), convém lembrar o que tem sido a sua prática, particularmente no que se refere às mulheres.

Passem uma vista de olhos pela lista abaixo, estejam com atenção aos próximos tempos e vão seguindo a evolução de comportamento destes espantosos vencedores dos norte-americanos… Alguém acredita verdadeiramente que os lobos se tornaram vegetarianos?


O QUE OS TALIBÃS TÊM IMPOSTO ÀS MULHERES


1 - Completa proibição do trabalho feminino fora de casa, com eventual excepção, em determinadas e rígidas condições, de algumas médicas e enfermeiras;

2 - Completa proibição de qualquer tipo de actividade das mulheres fora de casa, a não ser acompanhadas pelo pai, marido ou irmão;

3 - Proibição de fazerem qualquer negócio com comerciantes masculinos;

4 - Proibição de serem tratadas por médicos masculinos;

5 - Proibição de estudarem em escolas, universidades ou qualquer tipo de instituição de ensino;

6 - Obrigatoriedade de usar burka, cobrindo-as da cabeça aos pés;

7 - Açoites, espancamentos e abusos verbais contra as mulheres que não se vistam de acordo com as regras talibã ou contra as mulheres que não andem acompanhadas pelo seu pai, marido ou irmão;

8 - Proibição de rir em voz alta (nenhum estranho deve ouvir a voz de uma mulher);

9 - Proibição de usar sapatos de salto alto, que podem provocar som ao andar (nenhum homem pode ouvir os passos de uma mulher);

10 - Proibição de entrar num táxi sem o seu pai, marido ou irmão;

11 - Proibição de aparecerem na rádio, televisão ou reuniões públicas de qualquer tipo;

12 - Proibição de praticar desporto ou entrar em qualquer clube desportivo;

13 - Proibição de andar de bicicleta ou motorizada;

14 - Proibição de usar indumentárias de cores vistosas (segundo os talibãs, "cores sexualmente atractivas");

15 - Proibição de se reunirem para festividades ou eventos com propósitos recreativos;

16 - Açoites em público contra as mulheres que não ocultem os tornozelos;

17 - Apedrejamento público, até à morte, de mulheres acusadas de manter relações sexuais fora do casamento;

18 - Proibição do uso de maquilhagem;

19 - Proibição de falar ou estender a mão a homens que não sejam o pai, marido ou irmão;

20 - Proibição de lavar roupa em rios e lugares públicos;

21 – Proibição de nomes de ruas que incluam a palavra 'mulher';

22 - Proibição de assomarem às janelas e varandas dos seus apartamentos ou casas;

23 - Opacidade obrigatória de todas as janelas, para que as mulheres não possam ser vistas de fora nas suas casas;

24 - Proibição de os alfaiates tirarem medidas às mulheres e de coserem roupa feminina;

25 - Proibição de entrarem em casas de banho públicas;

26 - Proibição de partilharem um autocarro com homens;

27 - Proibição de usar calças, mesmo por baixo da burka;

28 - Proibição de se tirarem fotografias ou de se filmarem mulheres;

29 - Proibição de publicar imagens de mulheres em revistas e livros.



segunda-feira, 23 de agosto de 2021

"Summertime" - (George Gershwin -- 1898-1937)

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Interpretado por Ella Fitzgerald e Louis Armstrong.
Sublime…



George Gershwin
Fotografado no ano em que faleceu (1937).
Saiba mais sobre ele aqui.

sábado, 21 de agosto de 2021

Não se peça a Deus o que nem Ele consegue fazer (sem que o pedinte cumpra a sua parte)...




Baltasar era homem piedoso e bom, de fé profunda e inabalável em Deus e em toda a Sua corte celestial. Rezava diariamente com fervor, nunca pedindo nada à Entidade Superior: a vida corria-lhe tão de feição – nos negócios, no amor, em tudo o resto – que não precisava de pedir: rezava só para agradecer aquilo que quotidianamente recebia.

Porém, um dia, a sua vida sofreu uma torção violenta e tudo lhe passou a correr mal. O sócio principal nos negócios praticou um desfalque e fugiu para o estrangeiro, deixando as empresas crivadas de dívidas, irremediavelmente falidas. A mulher, até ali esposa amantíssima e dedicada (supunha ele) fugiu também (com o tal sócio) e levou com ela a filha que era a menina dos olhos de Baltasar.

Caído em desgraça, ele fez tudo quanto estava ao seu alcance para recuperar a situação anterior, pelo menos em termos materiais. Mas tudo foi baldado: tinha os credores à perna, implacáveis, reclamando patrimónios, ameaçando com tribunais e até com vinganças físicas.



Baltasar tinha continuado a rezar todos os dias, e, como de costume, jamais pedia nada a Deus. Mas as coisas não melhoravam. Até que teve a ideia de rogar pela primeira vez a salvação divina: rojando-se nas lajes do templo, começou a pedir a Deus que o contemplasse com o primeiro prémio da lotaria, soma que decerto lhe proporcionaria a resolução dos seus problemas financeiros.

Passou a seguir com ansiedade os sorteios semanais. Mas nunca - nunca! - se viu premiado. Ao fim de alguns meses, desiludido e triste, resolveu queixar-se numa das idas ao templo. Estava muito zangado com Deus. Sozinho, ajoelhado, fez ecoar em voz alta, pelas lajes e pelas paredes graníticas, num tom dramático, toda a revolta que o consumia.

Como era possível que Deus – Deus a quem ele tanto rezara, Deus a quem ele sempre procurara servir da melhor forma que sabia – como era possível que Ele não lhe escutasse os apelos? Era a primeira vez que pedia alguma coisa, e logo Deus lhe falhara em toda a linha. Não teria Deus afinal tanto poder como Lhe era atribuído pelos sacerdotes, pelos crentes, pela Madre Teresa de Calcutá e pelos filmes de Hollywood? Nem um miserável primeiro prémio de lotaria Ele conseguia arranjar para um crente tão exemplar?

Ficaram a ecoar no templo as últimas e desesperadas perguntas do infeliz. Até que, quando ele, quase já sem fé, se aprestava para retornar ao casebre onde presentemente vivia, lhe chegou aos ouvidos, vinda das sombras, uma voz grave, profunda e um tanto indignada – a própria voz de Deus: Baltasar, ó homem, por amor de Mim, dá-me ao menos uma chance: começa por comprar o bilhete de lotaria!



quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Guitarra Portuguesa - Fresca, sentimental, versátil e universal...



... tão versátil e universal que convive às mil maravilhas com instrumentos de toda parte - até com os mais exóticos, como os da China; ou com grupos, mais próximos e familiares, de violas e outras guitarras; ou, ainda, com as mais sofisticadas composições orquestrais.

Como se demonstra, no vídeo abaixo, com três guitarristas excepcionais:

- na abertura, temos Custódio Castelo acompanhado pela Orquestra Chinesa de Macau;

- depois (a partir de 2'- 40'') surgem Marta Pereira da Costa (que já conhecemos daqui) e a Orquestra Clássica do Centro;

- finalmente, a partir de 8'- 15'', Artur Caldeira com a Orquestra Portuguesa de Guitarras e Bandolins.

(Vídeo de portuscale pt)

terça-feira, 17 de agosto de 2021

Cabul, Afeganistão - Talibãs: o triunfante regresso do terror e das trevas...

 



Após um acordo precipitadamente engendrado pelo tolo e incompetente Donald Trump – acordo que Joe Biden não quis, ou não pôde, reverter -, não seria especialmente difícil prever o que acaba de suceder: a entrada vitoriosa na capital afegã – Cabul – dos fanáticos e extremistas bandos talibãs, de péssima e sanguinária memória.

Trump negociou unilateralmente - e estupidamente - com o inimigo, não querendo saber das alianças ocidentais que os Estados Unidos tinham conseguido arregimentar para mais esta aventura bélica, e ainda menos cuidando da trágica situação em que ficam os aliados locais que acreditaram neles e no modelo de vida que lhes foi trazido.

Os Estados Unidos - sobretudo eles - saem desprestigiados, vencidos e humilhados do Afeganistão, reeditando páginas sombrias da sua história, como as que protagonizaram no Vietnam, na Síria ou no Iraque.



Há vinte anos, a invasão do Afeganistão e a consequente expulsão dos talibãs foi levada a cabo após o mortífero atentado de 11 de Setembro de 2001, em New York, e sob pretexto, geralmente tido como credível, de que ali se acoitavam ninhos de terroristas islâmicos dispostos a levar o inferno e as chacinas ao odiado mundo dos “infiéis”. Ali - e nas vizinhanças cúmplices, como o Paquistão, não sendo por acaso que Osama bin Laden foi liquidado pelo comando americano numa localidade paquistanesa.

Vinte anos volvidos, ocorre perguntar o que andaram os Estados Unidos a fazer, mais os seus aliados, durante tão largo período. Gastaram mais de um trilião de dólares (em grande parte desviados para os meandros da corrupção) e acabaram por limitar-se a criar um exército de ficção, de regimentos fantoches (alguns só existentes no papel) incapazes de fazer frente à ameaça. Como se viu nas últimas semanas.


E agora?
O perigo da “exportação” terrorista e dos atentados selváticos no ocidente terá sido eliminado ou, ao menos, decisivamente atenuado? As populações, durante anos aliviadas do jugo da intolerância, serão doravante poupadas a actos de vingança, aos apedrejamentos, ao chicote da religião disciplinadora?
Os ingénuos querem crer que sim, fiados nas promessas mais ou menos vagas dos cabecilhas talibãs ou dos seus porta-vozes de circunstância…

Todavia, uma coisa é o que vem sendo proclamado e prometido - para que a retomada das alavancas do poder decorra com um mínimo de perturbação e obstáculos; e outra, muito diversa, é a que tem sido de facto testemunhada nas localidades em que o poder jihadista se instalou de armas na mão.

Há relatos indesmentíveis de violências físicas, de mulheres expulsas dos seus empregos, de raparigas banidas dos estabelecimentos de ensino que frequentavam. Seria de esperar outra coisa?


Desejando veementemente o oposto, prevemos que o terrorismo internacional não tardará a dar notícias de origem afegã.

E os direitos apesar de tudo reconquistados nas últimas duas décadas pelos cidadãos daquele país vão ser obviamente postos em causa e espezinhados. Sobretudo os das cidadãs: as meninas e as mulheres vão conhecer de perto – ou reencontrar, no caso das mais velhas – o horrendo e odioso fanatismo islâmico, liderado por homens ignorantes e obscurantistas que lidam muito mal com a liberdade e a exuberância física do ser feminino.

Lidam tão mal que, sendo elas, tal como eles, uma criação de Deus (ou de Alá), entendem aqueles imbecis que só escondendo-as em casa, emparedadas em vida, ou amputando-lhes parte do seu corpo, as podem tornar aceitáveis, completas e limpas.
Como se o Deus em que acreditam e invocam, e que veneram como sábio e infalível, se tivesse enganado na Sua obra de criação, lançando ao mundo milhões e milhões de criaturas defeituosas. Metade da Humanidade...

Alguém disse recentemente que os afegãos têm o direito de governar o seu país como melhor entenderem. Ao que um desmancha-prazeres logo ripostou: E as afegãs, não terão esse direito?

Acreditar agora nas promessas dos vitoriosos talibãs faz lembrar aquela fábula do lobo admitido como empregado num curral de ovelhas - para as tosquiar -, depois de o terem feito jurar, a patas juntas, que se tinha tornado num fervoroso e irreversível vegetariano…


As faces inquietantes do novo (ou velho?) poder...


segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Os Patinadores (Avercamp e Waldteufel)

 

Paisagem de Inverno com Patinadores
Hendrick Avercamp (1585-1634) aqui

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Valsa dos Patinadores
Émile Waldteufel (1837-1915) - aqui

sábado, 14 de agosto de 2021

Sóror Mariana Alcoforado - Paixão verídica ou fictícia de uma freira portuguesa? [REPOSIÇÃO]

 

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Sóror Mariana Alcoforado (1640-1723) foi uma freira clarissa portuguesa, do Convento de Nossa Senhora da Conceição, em Beja.

É-lhe atribuída a autoria de cinco cartas de amor dirigidas a Noell Bouton de Chamilly, conde de Saint-Léger, marquês de Chamilly, oficial francês que lutou em solo português, contra os Espanhóis, na longa Guerra da Restauração (conflito que os Portugueses sustentaram contra os seus vizinhos ibéricos, após terem recuperado destes, em 1640, a independência perdida no ano de 1580).

Conta-se que Mariana Alcoforado terá visto Chamilly, pela primeira vez, a partir do terraço ou de uma janela do convento de Beja de onde assistia às manobras do exército.
O episódio, se autêntico, terá ocorrido entre 1667 e 1668 – e aí se terá iniciado uma controversa ligação amorosa.

Chamilly abandonou Portugal a pretexto da enfermidade de um irmão, prometendo à sua apaixonada freira que a mandaria buscar. Falsa promessa, pelos vistos. Na longa e baldada espera, Mariana escreveu ao oficial francês as cinco cartas, que reflectem a dramática evolução dos seus sentimentos: esperança, incerteza e, finalmente, a convicção do abandono.

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As Cartas Portuguesas, publicadas em francês no ano de 1669 (Les Lettres Portugaises, Paris, Claude Barbin), são cinco curtas missivas de amor. Transparece nelas o amor incondicional e exacerbado da jovem Mariana, que afirma sofrer horrores com a distância do amado.

As cartas vão aos poucos perdendo o tom da esperança e transformam-se em pedidos lancinantes de notícias. Patenteia-se a solidão de Mariana, a intensidade dos seus sentimentos, a vontade de reter Chamilly a seu lado.
Ao que parece, o destinatário não correspondeu em grau idêntico.

O êxito literário das Lettres Portugaises foi enorme, e a figura trágica de Mariana Alcoforado tornou-se num símbolo do amor-paixão e tema literário universal.

O nome da freira ficou conhecido desde que o erudito Boissonade aceitou como verdadeira uma nota manuscrita no seu exemplar da primeira edução.
Traduzo do francês: “A religiosa que escreveu estas cartas chamava-se Mariana Alcoforado, religiosa em Beja, entre a Extremadura e a Andaluzia. O cavaleiro a quem as cartas foram escritas era o conde de Chamilly, dito então conde de Saint-Léger”.

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A autoria das cartas tem sido muito contestada. Rousseau, por exemplo, negava-lhes autenticidade. Em Portugal, Alexandre Herculano e Camilo Castelo Branco seguiram-lhe as pisadas. Há quem as atribua a Lavergne de Guilleragues, apresentado desde início como simples tradutor das mesmas (do português para o francês).

Há, porém, quem defenda convictamente a veracidade das mesmas, como, por exemplo, Luciano Cordeiro, num estudo muito interessante que dedicou ao assunto.

O célebre Júlio Dantas, que escreveu uma peça teatral inspirada no caso (Sóror Mariana) e que a isso ficou a dever, em grande parte, o ferocíssimo ataque que Almada Negreiros lhe dirigiu no conhecido Manifesto Anti-Dantas, achava as duas hipóteses possíveis (a verdade ou a falsidade do caso amoroso).

Sobre esta polémica vale a pena transcrever umas palavras do próprio Júlio Dantas na introdução da 4.ª edição da sua obra (Editora Portugal-Brasil, Lisboa, 1915).

Ele dirige-se a uma senhora que se terá manifestado indignada perante a versão dos amores fornecida na referida peça teatral e que sustentava a impossibilidade da sua ocorrência para lá dos muros de um convento.
É mentira! É mentira!”, terá ela bradado em altas vozes durante a primeira representação da peça.


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Eis como Júlio Dantas respondeu à senhora:
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“ (...) Tenho pena de não poder mostrar-lhe os documentos inéditos cuja cópia aqui está, diante de mim.

Se soubesse, minha senhora, o que foram durante dois séculos os conventos de freiras de Portugal, v. ex.ª repetiria, decerto, a frase amarga do Duque de Saint-Simon a respeito duma casa de capuchas da Bretanha: «religiosa que de lá sai, é porque quer ser uma mulher honesta».
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Mentir — para quê?
Sossegue. Tranquilize o seu espírito, minha senhora.

Houve, evidentemente, um facto de amor, desconhecido e vago, de que as cinco Cartas foram a consequência literária. A minha peça é apenas a dramatização conjectural desse facto.
Nada se sabe ao certo.
Tudo pode ser verdade.
Tudo pode ser mentira.
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Em volta do fait divers de Sóror Mariana, precisamente porque se ignora tudo, são legítimas todas as tentativas lógicas de interpretação.
A minha é má?
Dê-me a sua.
Prometo-lhe remodelar a peça — e fazê-la representar outra vez.

Já agora, minha ilustre inimiga, confesso-lhe que me move uma ambição: quero que as suas pequenas mãos me aplaudam, para que eu possa ter, minha senhora, a honra de lhas beijar — menos literariamente.”

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Soneto (Luís de Camões)


 
A formosura desta fresca serra,
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;

o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do sol e dos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;

enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos oferece,
me está (se não te vejo) magoando.

Sem ti, tudo m'enoja e m'aborrece;
sem ti, perpetuamente estou passando
nas maiores alegrias, maior tristeza.


Luís Vaz de Camões (Portugal) - 1524(?) - 1580
(Saiba mais sobre o maior dos poetas portugueses - aqui)

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

A campeã Patrícia Mamona e os Portugueses - Há quase 900 anos que eles são assim...

 



A portuguesa Patrícia Mamona, que conquistou recentemente, nos Jogos Olímpicos de Tóquio, a medalha de prata no triplo-salto feminino (marca de 15,01 metros), proclamou, ainda ofegante e emocionada, na euforia do seu feito, que os Portugueses, "sendo pequenos, são capazes de fazer grandes coisas".

O que disse esta jovem campeã, "alfacinha" de gema (nasceu em Lisboa, freguesia de S. Jorge de Arroios), é verdade insofismável e historicamente documentável.
Entre luzes e sombras (mais as primeiras do que as segundas), os lusos abalançaram-se desde sempre - desde há quase novecentos anos... - a cometimentos antevistos como "impossíveis".

De triunfo em triunfo, de desengano em desengano, de drama em drama, lá foram galgando através dos séculos as barreiras do desconhecido e do imprevisto, pagando frequentemente com lágrimas, sangue e lutos (lágrimas, sangue e lutos europeus, africanos, asiáticos, americanos...) a ascensão a patamares de superação para muitos impensáveis.

Para os cépticos, aí estão a comprová-lo as fronteiras e os espaços que deixaram delimitados quando terminou a grande aventura - limites fronteiriços que, antes de eles chegarem, não só não estavam lá, como não eram sequer sonhados por ninguém.

Como no Brasil (8.510.296 km2), em Angola (1.246.700) e em Moçambique (801.590), ou seja, uma área de cerca de dez milhões e meio de quilómetros quadrados, superior à dos Estados Unidos da América ou à da China.
Fora o resto, que é muito, disperso por todos os cantos do mundo...

Entretanto, Portugal (Continente e arquipélagos da Madeira e dos Açores) continua a singrar tranquilamente o seu destino, regressado aos limites geográficos que a História lhe concedeu (e que mal chegam a 93.000 km2)...


Patrícia Mamona, vice-campeã olímpica,
com a bandeira do seu país


terça-feira, 10 de agosto de 2021

Sucessos musicais de outrora - JÚLIA BARROSO ("Adeus")

 

Júlia Barroso (1930-1996)
 (Saiba mais sobre ela aqui)



Meu amor na vida
sem vida eu vivo aqui
Desde que à partida, meu Zé, fiquei sem ti
Bem peço aos retratos "Socorro!"
São mudos, ingratos: vem tu, se não morro!

Nem mesmo a saudade me traz consolação
Quero a verdade, não quero uma ilusão
Na alma ainda me dói, meiga a tua voz
Quando o barco foi tão mau pr'a nós

Adeus,
não afastes os teus olhos dos meus
Até quando ao longe a bruma a pairar
me consuma entre as ondas do mar e os céus,
 
Adeus,
não afastes os teus olhos dos meus
Dá-lhes carinhos,
que partem ceguinhos de amor pelos teus

Sei que tu existes e sei também, meu Zé
Que há palavras tristes e que uma delas é
a que me tortura: distância
Nem sei se há mais dura na minha ignorância

Há palavras belas, mas quase as esqueci
Véu, noivado, estrelas, altar e outras p'ra aí
Quando as ouvirei todas?
Sol, Jesus...
Hoje apenas sei estas sem luz

Adeus,
Quem sabe alma querida,
adeus,
se é por toda a vida?

Adeus,
não afastes os teus olhos dos meus
Dá-lhes carinhos
Que partem ceguinhos de amor pelos teus.