Pequenas e grandes histórias da História e mensagens mais ou menos amenas sobre vidas, causas, culturas, quotidianos, pensamentos, experiências, mundo...
Amelia Mary Earhart nasceu em Atchison (Kansas, Estados Unidos da América) no dia 24 de Julho de 1897 e foi dada como desaparecida no oceano Pacífico a poucos dias de completar 40 anos de idade (2 de Julho de 1937).
Foi uma notável pioneira da aviação norte-americana, tendo sido a primeira mulher-piloto a atravessar os Estados Unidos num voo sem escalas, a primeira a voar do Havai à Califórnia e - seu feito mais memorável - a primeira a atravessar o Atlântico num voo solitário (1932).
Amelia já tinha efectuado a viagem transatlântica em 1928, mas fizera-o na companhia de dois outros pilotos. Quando a viagem terminou, ela exprimiu toda a sua insatisfação, dizendo que os companheiros haviam feito todo o trabalho de pilotagem. Eu fui só bagagem, como um saco de batatas, resumiu. Mas logo acrescentou, com o seu espírito de lutadora: Talvez um dia eu tente fazê-lo sozinha.
E foi o que fez, aos 34 anos. Partiu de Harbour Grace (Terra Nova) na manhã de 20 de Maio de 1932. Após um voo muito difícil de 14 horas e 56 minutos, em que enfrentou ventos fortíssimos, gelo e problemas mecânicos, aterrou numa pastagem em Culmore (norte de Derry, Irlanda do Norte). Um fazendeiro, espantado, perguntou-lhe: Você veio de longe? Amelia respondeu-lhe, com toda a simplicidade: Vim da América.
Amelia Earhart foi, desde muito jovem, convicta defensora dos direitos das mulheres e da sua capacidade para levarem a cabo qualquer das tarefas usualmente atribuídas aos homens. Numa carta que deixou ao marido, George Putnam, antes de partir para aquela que seria a sua derradeira viagem, escreveu: Fica sabendo que estou consciente dos riscos que vou enfrentar. Mas as mulheres devem tentar as mesmas coisas que os homens já tentaram. Se eles fracassaram, isso deve constituir um desafio para nós.
O seu feminismo manifestava-se de diversas formas - por exemplo, na sua recusa de usar o apelido do marido. Quando alguma imprensa insistiu em tratá-la como Sra. Putnam, ela troçou e fez logo saber que o marido devia passar a ser referido como Sr. Earhart.
No dia do seu casamento (1931), fez chegar às mãos do noivo uma carta em que estabelecia minuciosamente a perfeita equivalência de direitos e de responsabilidades do casal que estavam prestes a formar...
Durante a primeira parte do ano de 1937, Amelia preparou-se para aquilo que esperava viesse a ser a grande façanha da sua vida: voar 46 000 quilómetros à volta do mundo.
No dia 1 de Junho, acompanhada pelo navegador Fred Noonan, ela descolou no seu avião Lockheed Electra para cumprir a primeira etapa da viagem: seguiram de Miami até Porto Rico. Depois, em sucessivas etapas, desceram pela costa nordeste da América do Sul e, inflectindo para leste, voaram para atravessar a África pelo ponto de maior largura.
Contornando o Golfo Pérsico, Amelia e Noonan tomaram o rumo de Carachi e de Calcutá, passando depois por Rangun, Banguecoque, Singapura, Java, Port Darwin (norte da Austrália) e, finalmente, Papuásia-Nova Guiné.
Nessa altura tinham já percorrido mais de 35 000 quilómetros, ou seja, cerca de 80% do total previsto. Amelia Earhart sabia que a próxima etapa, voando para leste da Nova Guiné, seria a de maior dificuldade.
Mesmo desfazendo-se de tudo o que não era essencial a bordo - a fim de libertar espaço para mais combustível -, a margem de segurança era mínima. Mas ela resolveu prosseguir, escolhendo como próximo local de reabastecimento um minúsculo atol coralífero, com cerca de 2 quilómetros quadrados, perdido na imensidão do Pacífico central: Howland Island (Ilha Howland), mais ou menos a meio caminho entre o Havai e a Austrália.
Tomada a decisão, o Lockheed Electra levantou voo para percorrer os cerca de 4 000 quilómetros da etapa. Como pontos de referência ao longo desta parte da sua rota, Amelia Earhart contava naquelas águas com a presença do Itasca, navio da Marinha norte-americana, que navegava na companhia de mais três embarcações.
Às 7h42m da manhã de 2 de Julho, o Itasca recebeu uma curta e inquietante mensagem proveniente do Lockheed Electra de Amelia Earhart:
KHAQQ chama Itasca. Devemos estar perto de vocês mas não conseguimos ver-vos, o nível de combustível está a ficar muito baixo. Temos para meia hora e não se avista terra.
Cerca de um quarto de hora após esta comunicação, Amelia transmitiu que não conseguia captar as mensagens do Itasca. Às 8h43m emitiu outra mensagem, fornecendo apenas a posição do avião. Depois disso, não voltou a comunicar.
Consciente da gravidade da situação, o comandante do Itasca ordenou que fosse alterada a mistura de combustível do navio, por forma a que as chaminés expelissem uma fumaça escura que talvez pudesse guiar o Lockheed Electra. Mas os céus continuaram vazios, sem qualquer sinal do avião, e, à medida que as horas se foram escoando sem novidade, todos se convenceram de que os aviadores se tinham perdido.
O presidente norte-americano, Franklin Roosevelt, mandou que fossem imediatamente despachados para a zona nove navios de guerra e 66 aviões. A sua missão consistia em procurar a aeronave perdida numa superfície de 250 000 milhas quadradas de oceano. Mas todas as buscas foram baldadas: nem sinais do avião nem dos seus tripulantes.
Apesar das teorias que foram surgindo ao longo dos anos sobre o desaparecimento do Lockheed Electra (algumas delirantemente fantasiosas), é hoje incontestável que Amelia Earhart simplesmente se perdeu durante o voo e que, sem pontos de referência à vista e com o combustível esgotado, se despenhou no mar.
Foi ali, nas águas alterosas do imenso Pacífico, que ela ficou sepultada com o seu último e grande sonho - o sonho que por muito pouco não chegou a concretizar.
Amelia Earhart aos 35 anos
Com o tempo, Amelia acabou por transformar-se num ícone, presente em livros, filmes, bandas desenhadas e documentários especulativos sobre o seu trágico fim. Inúmeras canções foram compostas em sua homenagem. Algumas delas abordam precisamente aquele dia fatídico de Julho, como a que se apresenta a seguir (O Último Voo de Amelia Earhart):
Na entrevista abaixo,
Amelia explica o seu voo transatlântico:
O filme seguinte mostra as derradeiras imagens captadas com Amelia Earhart e o navegador Fred Noonan (embarque no Lockheed Electra e descolagem para o voo fatal):
Se quiser saber mais pormenores sobre a vida fascinante de Amelia Earhart, cliqueaqui.
... surpreendentemente exibido, como podem ver no filme abaixo, por um cachorro franzino e coxo.
Às vezes a coragem não tem limites e irrompe de onde menos se espera - sendo essa, ao fim e ao cabo, através dos tempos, a genuína essência dos heróis e o pilar da liberdade dos povos.
Quanto à poderosa e arrogante dupla de leões que se vê no filme, parece não ter percebido, até à data, o que lhe aconteceu.
Diz-se por aí que continuam com os crânios cheios de pontos de interrogação...
Transpondo isto para o domínio dos humanos, dir-se-ia que é assim que começam as resistências, os combates e as vitórias que fazem progredir o mundo.
Começam exactamente quando aqueles a quem se deseja impor submissões cabisbaixas e eternas decidem revoltar-se contra o poder ditatorial e assassino dos opressores e os condenam à derrota.
Passando por cima de todas as prudências, de todos os medos e de todas as repressões…
"Estão a falar de mim?"
— Ты говоришь обо мне?
...............
Viva a Ucrânia Livre e Independente!
да здравствует украина Свободный и независимый!
Derrubem, prendam e julguem Putin!
Снять, арестовать и судить Путина!
Take down, arrest and judge Putin!
... удивительно показана, как вы можете видеть в фильме
ниже, тощей, хромой собакой.
Порой мужество не имеет границ и прорывается там, где его
меньше всего ждут, — ведь это существо, прошедшее сквозь века, подлинная
сущность героев и столп народной свободы.
Что касается мощной и высокомерной пары львов, показанных в
фильме, они, кажется, до сих пор не осознали, что с ними произошло.
Говорят, что их черепа до сих пор полны вопросительных
знаков...
Перенося это на область людей, можно сказать, что именно так
начинаются сопротивления, битвы и победы, которые способствуют мировому
прогрессу.
Они начинаются именно тогда, когда те, кому хотят навязать
унылое и вечное подчинение, решают восстать против диктаторской и убийственной
власти угнетателей и обрекают их на поражение.
Преодолевая всю осторожность, все страхи и все подавления...
Na passada 3.ª feira, 19 de Outubro, deram entrada no Panteão Nacional de Lisboa, em justíssima homenagem, os restos mortais do antigo diplomata português Aristides de Sousa Mendes.
Nascido em Cabanas de Viriato (distrito de Viseu), Sousa Mendes era, em 1940, cônsul de Portugal em Bordéus.
Com o avanço e o triunfo das tropas alemãs em França, milhares de refugiados, maioritariamente judeus, acorreram àquela cidade e procuraram obter vistos de saída que lhes permitissem escapar à perseguição das hordas nazis.
Nesse tempo, Portugal era governado por Salazar, que havia declarado a neutralidade do país face ao conflito em curso. Sousa Mendes estava assim proibido de conceder vistos de entrada em Portugal.
A consciência do diplomata e os seus valores humanitários acabaram por impor-se. Consciente de que arriscava a carreira e a tranquilidade familiar, Sousa Mendes desobedeceu ao ditador português e concedeu, por sua iniciativa, milhares de vistos que salvaram outras tantas vidas e possibilitariam, no futuro, a constituição de famílias que, sem ele, nunca teriam existido.
Salazar não perdoaria o gesto sublime - que, para ele, não passara de um acto de intolerável rebeldia.
Aristides de Sousa Mendes acabaria exonerado e perseguido, sendo praticamente impedido de ganhar a vida em Portugal. Morreria pobre e só, num hospital de Lisboa.
Em Israel, há muito sabiam do que lhe era devido. Por isso o consideraram Justo entre as nações e plantaram árvores em sua memória.
Em Portugal, o reconhecimento do seu gesto ímpar foi chegando com maior lentidão, vários anos depois da revolução de Abril de 1974.
A homenagem agora prestada, com a transladação para o Panteão Nacional, chega 67 anos depois da sua morte...
Saiba mais sobre este homem admirável, que honrou Portugal e se tornou expoente dos melhores e mais puros valores universais - aqui.
Panteão Nacional (Lisboa) A nova e justa casa de Aristides de Sousa Mendes
A cerimónia da transladação foi acompanhada por intervenções do coro do Teatro de S. Carlos, que interpretou vários excertos do Requiemde Gabriel Fauré. Um deles foi o In Paradisum, que aqui lembramos:
Hidden Figures (em Portugal: ElementosSecretos; no Brasil: Estrelas Além do Tempo) é um filme norte-americano de 2016 baseado em factos verídicos. Nele se testemunha a gloriosa mas dramática experiência profissional, na NASA de há cerca de sessenta anos, das mulheres negras e mestiças pertencentes - graças às suas habilitações académicas (engenharia, física, matemática) - aos quadros especializados daquele organismo.
No início da década de 1960, em plena Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética disputavam a supremacia na corrida espacial. A sociedade americana achava-se mergulhada numa profunda crise racial, onde negros e brancos conviviam (?), em inúmeras situações, num odioso e humilhante "apartheid", o qual se estendia aos próprios corredores da NASA. Aqui, as especialistas negras e mestiças, tão ou mais competentes do que muitos dos seus colegas brancos, viam-se forçadas a trabalhar separadas destes e eram alvo de frequentes discriminações.
O filme aborda, principalmente, a extraordinária carreira de Katherine Johnson, recentemente falecida, aos 101 anos, e cuja vida vale a pena conhecer melhor (ver aqui).
Katherine (magistralmente interpretada por Taraji P. Henson) coexistia, nesses dias de difícil afirmação profissional e de penosa ascensão na hierarquia da NASA, com as suas amigas, também especialistas, Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe).
De salientar, para além das anteriores, as excelentes interpretações de Kevin Costner e de Kirsten Dunst. E, igualmente, a de Mahershla Ali (que vimos aqui), no papel de Jim Johnson, o marido de Katherine.
Katherine Johnson trabalhando na NASA (1966). Em baixo: condecorada, em 2015, pelo Presidente Barack Obama.
A portuguesa Patrícia Mamona, que conquistou recentemente, nos Jogos Olímpicos de Tóquio, a medalha de prata no triplo-salto feminino (marca de 15,01 metros), proclamou, ainda ofegante e emocionada, na euforia do seu feito, que os Portugueses, "sendo pequenos, são capazes de fazer grandes coisas".
O que disse esta jovem campeã, "alfacinha" de gema (nasceu em Lisboa, freguesia de S. Jorge de Arroios), é verdade insofismável e historicamente documentável.
Entre luzes e sombras (mais as primeiras do que as segundas), os lusos abalançaram-se desde sempre - desde há quase novecentos anos... - a cometimentos antevistos como "impossíveis".
De triunfo em triunfo, de desengano em desengano, de drama em drama, lá foram galgando através dos séculos as barreiras do desconhecido e do imprevisto, pagando frequentemente com lágrimas, sangue e lutos (lágrimas, sangue e lutos europeus, africanos, asiáticos, americanos...) a ascensão a patamares de superação para muitos impensáveis.
Para os cépticos, aí estão a comprová-lo as fronteiras e os espaços que deixaram delimitados quando terminou a grande aventura - limites fronteiriços que, antes de eles chegarem, não só não estavam lá, como não eram sequer sonhados por ninguém.
Como no Brasil (8.510.296 km2), em Angola (1.246.700) e em Moçambique (801.590), ou seja, uma área de cerca de dez milhões e meio de quilómetros quadrados, superior à dos Estados Unidos da América ou à da China.
Fora o resto, que é muito, disperso por todos os cantos do mundo...
Entretanto, Portugal (Continente e arquipélagos da Madeira e dos Açores) continua a singrar tranquilamente o seu destino, regressado aos limites geográficos que a História lhe concedeu (e que mal chegam a 93.000 km2)...
Patrícia Mamona, vice-campeã olímpica, com a bandeira do seu país
... e, entretanto, espreitando o episódio a partir do Além em que repousa há séculos, o grande Condestável, D. Nuno Álvares Pereira (1360-1431), deve ter-se sentido muito orgulhoso pela proeza deste seu pequeno mas admirável descendente...
O Noah
Em 16 de Junho passado, quarta-feira, entre as cinco e as oito da manhã, o pequeno Noah, de dois anos e meio – filho de Rita Caupers de Bragança e de
Leandro Fans –, desapareceu da casa dos pais, situada na pequena aldeia
portuguesa de Proença-a-Velha, distrito de Castelo Branco, território de matos,
florestas, riachos, socalcos e poços. Com ele se sumiu Melina, sua fidelíssima
cadela.
O
desaparecimento do menino mergulhou em angustiada espera a
família e o país inteiro. Buscas porfiadas nas redondezas, levadas a
cabo por militares, polícias, voluntários civis, drones e cães treinados, não
produziram resultados. E assim, com uma noite de permeio, se foram escoando cerca de trinta e seis horas
de agonia. Ninguém augurava nada de bom acerca do
destino do bebé, a penar ao relento, sem comida nem água.
Na
comunicação social aventavam-se as hipóteses do costume, começando por rapto e culminando
num fim trágico da criança. Ficou logo patente que nenhum dos jornalistas e
opinantes conhecia bem o Noah e, sobretudo, a sua têmpera de rapazinho criado no
campo em relativa e saudável liberdade, sem grandes receios do escuro, dos
matos e dos papões.
O Noah e a sua amiga Melina
Pensa-se
que ele saiu de casa, pé ante pé, naquela madrugada ou manhã, enquanto a mãe e a irmã ainda dormiam. O seu objectivo era reunir-se ao pai nuns
terrenos agrícolas próximos, como já fizera em outras ocasiões. Não o
encontrando no sítio do costume, o Noah, seguido pela fiel Melina, resolveu
partir à sua procura.
Infelizmente, e como, antes dele, aconteceu a tantos
exploradores e aventureiros com muito mais responsabilidades e meios de viagem
(Magalhães, Colombo…), o menino foi dar a territórios menos conhecidos e
acabou por perder o rumo - tal como aqueles navegantes o tinham perdido em
alto mar…
A
primeira pista prometedora resultou da descoberta da cadela Melina, ao fim da
tarde de 16 de Junho, perto de uma sebe, como se se mantivesse ali à espera do
pequeno protegido. E as buscas convergiram para aquela zona. Depois foram sendo
achadas peças de roupa de que o menino se foi desfazendo. E uma bota.
Entretanto, os “especialistas” afiançavam, com ar crescentemente suspeitoso, que era
impossível à criança livrar-se de tudo aquilo sem ajuda de “alguém” (decididamente,
eles não conheciam minimamente o Noah…). E veio a noite. E cresceu a angústia. O que seria
feito do bebé naquelas trevas?
Na
manhã seguinte, outras pistas demonstravam que o valente Noah se mantinha em
movimento. Num carreiro de lama ficaram gravadas umas pegadas minúsculas - minúsculas mas resolutas, um pé
calçado, outro descalço.
Pegadas do Noah. Um pé descalço, outro calçado...
A
Polícia estava já ciente de que não houvera rapto, antes um desaparecimento
espontâneo. Os agentes tinham começado a perceber quem era o Noah e aquilo de que ele era capaz. Sabiam já que ele tivera que atravessar dois
riachos, de águas baixas para um adulto, mas autênticos e desafiadores Amazonas
para um pequeno viajante de dois anos e meio.
Daí, talvez, que ele tivesse
resolvido despir as vestimentas encharcadas e incómodas. Ficou em pelota, é verdade, mas ficou confortável, com os movimentos mais leves e desembaraçados. E, provavelmente,
terá bebido água das correntezas, assim se livrando de uma desidratação eventualmente fatal.
Mas
por que razão se separara dele a cadela Melina? Os investigadores explicaram:
detido pela sebe de uma propriedade, o Noah – magnífico exemplo de bebé
sapiens - descortinou uma estreita passagem e, de corpinho miúdo e ágil,
conseguiu enfiar-se por ela e prosseguir viagem.
A Melina, sempre fiel, tentou passar
também, mas, muito mais encorpada do que o seu protegido, não o pôde fazer. Mas que
tentou, tentou, pois deixou tufos de pêlo agarrados à sebe que, para seu
desespero, ficou a separá-la do Noah.
Em busca do Noah. À frente, o pai, Leandro, com a cadela Melina.
Perto
das oito da noite de quinta-feira, dia 17 de Junho (faz hoje um mês), chegou a notícia que aliviou, alegrou
e comoveu o país: o Noah tinha sido, finalmente, encontrado. Mas julgam que ele se achava caído, rastejante, rendido ao pavor e à desdita de se saber só e
desprotegido? Qual quê! Em pelota, tal como veio ao mundo, o valentíssimo Noah continuava em acção firme - de antes quebrar do que torcer -, buscando obstinadamente o caminho de casa e dos
afectos familiares – com a mesma persistência e coragem de Fernão de Magalhães quando
procurava a fugidia passagem que o conduziria do Atlântico ao Pacífico….
Apenas com uns
arranhões, o Noah acabaria ao colo do pai, falador, perguntador – e triunfante.
O ponto em que foi encontrado dista, em linha recta, cerca de quatro quilómetros da
sua residência. Porém, levando em linha de conta que ele não pôde marchar a
direito – pois teve que contornar obstáculos e perigos diversos -, os investigadores
calculam que terá percorrido, ao longo das 36 horas de aventura, pelo menos
o dobro daquela distância…
Final felicíssimo da aventura, para descanso e júbilo de todos nós: o pequeno-grande Noah ao colo do pai.
Os
comentadores do caso procuraram explicar, das mais variadas maneiras, a coragem e a capacidade de iniciativa e resistência da criança. Os mais certos serão,
provavelmente, os que as atribuem ao modo como tem sido criado – menino do
campo e da natureza, não uma criaturinha urbana e medrosa.
Outros deixam as coisas à magnanimidade de Deus-Pai e da Divina Providência. E
repetem, como diziam os de antigamente: ao menino e ao borracho põe Deus a mão por
baixo…
Há finalmente os que procuram nos ascendentes do Noah – ou seja, nos genes das gerações que lhe deram origem – a explicação de tudo. Os jornais, as rádios e as televisões
noticiaram – acertadamente – que ele tem como bisavô materno um fidalgo
escritor, Nuno de Bragança, personagem de vida aventurosa e pendores revolucionários.
Se
se quisesse ir por aí, ter-se-ia muito por onde escolher. Na verdade, pelo lado
de sua mãe, os antepassados do Noah constituem uma multidão de ilustres e de notáveis, uns mais façanhudos e apreciáveis do que outros, mas quase todos
estreitamente ligados à História de Portugal.
Surgem, na extensa galeria de ascendentes do Noah,
vários marqueses (por exemplo, os de Valença, de Alegrete, de Penalva e de
Castelo Rodrigo); os duques de Lafões; e uma profusão de condes (de Vimioso, de
Vila Maior, dos Arcos, de Cantanhede). Descende, também, de alcaides famosos,
dos senhores da Azambuja, de um Marechal de Portugal. Entre muitos e muitos
outros.
Nuno Álvares Pereira, condestável de Portugal (um dos distantes avós do Noah)
As
tábuas genealógicas respeitantes ao Noah são indesmentíveis - qualquer um as pode consultar - e levam-nos
bastante mais longe. Notem bem: ele descende do nosso primeiro rei, D. Afonso
Henriques, e, portanto, através deste, dos antigos monarcas de Leão e Castela.
D. Pedro I e D. Inês de Castro – os dos amores desafortunados – são também seus avós
distantes.
E, cereja no topo deste bolo genealógico, são igualmente seus
antepassados o mestre de Avis (rei D. João I) e o famoso condestável deste, D.
Nuno Álvares Pereira, os grandes triunfadores de Aljubarrota, em 1385 (aqui).
Mas será que toda esta cavalgada histórica de espíritos e de genes tem alguma coisa a ver com a
aventura bem-sucedida do bebé-herói? Vá-se lá saber… Nós preferimos
pensar que o Noah se salvou porque… é o Noah – o feliz resultado da educação e da
preparação para a vida que os familiares lhe têm proporcionado ao longo dos seus dois
anos e meio.
É claro que, depois do susto, haverá doravante, com toda a certeza, mais alguma cautela no tocante a portas deixadas abertas e sem guarda com o Noah do lado de dentro. Porque não devem restar dúvidas a ninguém: ele,
tal como o seu distante avô - o intrépido Condestável -, não é criatura que receie ou recuse
uma boa aventura, por mais arriscada que seja.
D.
Noah - ficou mais do que provado - é verdadeiramente digno de D. Nuno…
O Barco!
Meu coração não aguenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não!...
Navegar é preciso
Viver não é preciso...(2x)
O Barco!
Noite no teu, tão bonito
Sorriso solto perdido
Horizonte, madrugada
O riso, o arco da madrugada
O porto, nada!...
Navegar é preciso
Viver não é preciso (2x)
O Barco!
O automóvel brilhante
O trilho solto, o barulho
Do meu dente em tua veia
O sangue, o charco, barulho lento
O porto, silêncio!...
Navegar é preciso
Viver não é preciso...(6x)
1.ª Parte --> aqui 2.ª Parte -->aqui 3.ª Parte -->aqui
Primeiro avistamento da Polinésia
"Na noite de 29 para 30 de Julho, nova e estranha atmosfera pairava sobre a "Kon-Tiki". Era talvez o alarido ensurdecedor das aves marítimas sobre nós, como para mostrar que, breve, teríamos novidades.
A algazarra das aves era vibrante e terrestre, depois do surdo rangido de cordas sem vida, única coisa que ouvíramos, além do estridor do mar, durante os três meses de navegação.
Às seis horas, Bengt desceu da ponta do mastro, acordou Herman e deitou-se. Quando Herman marinhou pelo mastro rangedor e oscilante, o dia começava a raiar. Dez minutos depois tornava a descer pela escada de corda e puxava-me pela perna: Saia e venha ver a sua ilha!
Tinha o rosto radiante. Pus-me em pé de um salto, no que fui imitado por Bengt, que ainda não pegara no sono. Um atrás do outro, amontoámo-nos no lugar mais alto que pudemos atingir, no ponto em que os mastros se cruzavam.
Terra! Uma ilha! Devorámo-la avidamente com os olhos e acordámos os outros, que, estremunhados, saíram de roldão e olharam para todos os lados como se pensassem que a proa da jangada ia já abicar a uma praia. Barulhentas aves marinhas formavam uma ponte, através do céu, na direcção da ilha distante, que tomava a cor do ouro com a aproximação do sol e a plena luz do dia.
No entanto, na nossa posição actual, o vento não nos permitia colocar a jangada no rumo da ilha. A região que ficava em redor do arquipélago de Tuamotu estava cheia de fortes correntes oceânicas que se ramificavam em vários sentidos e nos impediam o acesso a terra.
Às seis e meia, o sol emergiu do mar e subiu directamente, como acontece nos trópicos. A ilha ficava distante algumas milhas marítimas e, de longe, parecia uma faixa de floresta que se estendia no horizonte. Pelos nossos mapas, tratava-se da ilha de Puka-puka, posto avançado do arquipélago de Tuamotu.
Todos nos sentimos cheios de uma satisfação plena e tranquila por havermos, de facto, alcançado a Polinésia, mas a essa satisfação vinha misturar-se ligeiro e momentâneo desencantamento pela irremediável situação de apenas podermos ver a ilha, que permanecia como uma miragem, enquanto prosseguíamos o nosso longo cruzeiro para oeste.
A ilha começara agora a diminuir e a ficar à nossa retaguarda, de modo que recebíamos dela ligeiros sopros de aragem. Durante uns quinze minutos, eu e Herman, agarrados à ponta do mastro, deixámos o cheiro quente de folhagem e verdura coar-se pelas nossas narinas.
Aquilo era a Polinésia, aquele rico cheiro de terra seca após noventa e três dias de água salgada e no meio das ondas.
Às oito e meia, Puka-puka afundou-se no mar atrás de nós, mas até às onze horas pudemos ver uma esgarçada lista azul acima do horizonte, a leste. Depois, também isto desapareceu, e uma nuvem alta, elevando-se quase imóvel para o céu, era o único indício que se tinha da situação de Puka-puka.
Desembarque na ilha deserta de Raroia (Polinésia)
(7 de Agosto de 1947)
No extremo sul estava uma ilha comprida, toda coberta de coqueiros. E logo acima de nós, ao norte, ficava outra ilha de coqueiros, mas consideravelmente menor. Achava-se no interior do recife, com os cimos das palmeiras erguendo-se para o céu e com as praias de areia alvíssima estendendo-se até se perderem na plácida lagoa. A ilha toda parecia um verde açafate de flores, um pedacinho onde se concentrara o Paraíso.
Foi essa ilha que escolhemos.
A "Kon-Tiki" permanecia à distância, no recife, recebendo o esguicho das ondas. Era uma embarcação naufragada, mas era-o com muita honra. Tudo o que estivera por cima do convés achava-se esfacelado, mas os nove troncos de madeira de balsa da floresta de Quivedo, no Equador, estavam intactos. Tinham-nos salvado a vida.
A carga que o mar tomara para si fora pouca, e não se perdeu nenhuma da que havíamos depositado no interior da cabina.
Relanceei um último olhar pela "Kon-Tiki". Fui andando a vau até à ilha. A certa distância lobriguei Knut, dirigindo-se também para terra e transportando sob o braço uma miniatura da "Kon-Tiki" que fizera, com muito trabalho, durante a viagem.
Pouco depois passámos por Bengt. Com um galo na testa e água salgada a gotejar da barba, vinha curvado, arrastando um caixote que oscilava diante dele cada vez que, lá de fora, os vagalhões enviavam uma corrente para o interior da lagoa. Com orgulho, levantou a tampa. Era o caixote da cozinha, e dentro dele iam o "Primus" e demais utensílios em boa ordem.
Nunca esquecerei a caminhada, através do recife, em demanda da ilha paradisíaca, que se fazia maior à medida que nos aproximávamos. Quando alcancei a praia cheia de sol, tirei os sapatos e pus os pés, nus, sobre a areia quente e seca. Causou-me um prazer intenso ver cada vestígio deixado por mim na arenosa praia virgem que ia dar aos coqueiros. Não tardou que me achasse debaixo deles e fui assim andando na direcção do centro da ilha.
Cocos verdes pendiam dos ramos e algumas moitas densas encobriam flores alvíssimas de perfume tão suave e sedutor que quase me sentia desfalecer. No interior da ilha, duas andorinhas do mar, mansíssimas, voavam quase sobre os meus ombros. Eram tão brancas e leves como farrapos de nuvens. Pequenos lagartos passavam rápidos perto dos meus pés, e os habitantes mais importantes da ilha eram grandes caranguejos bernardos eremitas, vermelhos cor de sangue, que se moviam pesadamente em todas as direcções.
Sentia-me verdadeiramente esmagado. Caí de joelhos e enterrei os dedos na areia quente e seca.
A viagem estava terminada."
O fim da viagem. Caminhando pelo recife em direcção à ilha de Raroia.
Os seis expedicionários, depois de recuperarem a "Kon-Tiki"
A rota de 8000 kms da "Kon-Tiki", entre Callao (Peru) e Raroia (Polinésia)
NOTA
As fotos a preto e branco foram tiradas pelos expedicionários. Algumas foram obtidas do exterior da jangada, a partir do bote de borracha auxiliar.
As fotos coloridas foram extraídas do filme norueguês "Kon-Tiki", realizado em 2012 por Joachim Ronning e Espen Sandberg. O actor Pal Sverre Valheim Hagen interpretou o papel de Thor Heyerdahl. Existe edição portuguesa do filme.