quarta-feira, 30 de abril de 2008

Velha Poesia Árabe na Península Ibérica (IX) - (Al-Mutamid) - Separação


Só eu sei quanto me dói a separação!
Na minha nostalgia fico desterrado
à míngua de encontrar consolação.

À pena, no papel, escrever não é possível
sem que a lágrima desenhe, caindo teimosa,
linhas de amor na página aberta.

Se o meu grande orgulho não obstasse,
iria ver-te à noite: orvalho apaixonado
de visita às pétalas da rosa.

(Al-Mutamid)

sexta-feira, 25 de abril de 2008

(Fernando Ferreira de Loanda) - Ode Para Bartolomeu Dias

 

Ah, Bartolomeu Dias,
marinheiro sem mulheres,
sem cais,
tanto suaste para divisar o Índico
além da tempestade e da fábula,
tanto quiseste ver-te senhor do Oriente,
plantar as quinas e a cruz muito além do teu sonho,
tantas estrelas seguiste,
louco e lúcido,
e outros tantos alfarrábios e adivinhos consultaste,
fundindo o real ao fantástico -
- e os poetas não falaram de ti, o proficiente,
nem dos teus sonhos,
nem dos fantasmas que evocaste,
embora sulcasses a cortina que envolvia
as palavras e o abismo.


Pensavas servir a pátria
e serviste a muitas,
Bartolomeu Dias da minha infância,
símbolo da minha raça,
fremes e estuas no meu peito,
e te apegas às minhas veias
para alevantar ao vento as velas
e me arrastar ao Índico.


Ah, Bartolomeu Dias,
meu Ulisses lusíada,
eu te sagrarei na pedra,
com a palavra e ante Deus!
Do outrora te lançarei ao porvir,
e não há tempestade
que te abata mais uma vez.

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(1) - Fernando Ferreira de Loanda nasceu em 1924 (em Luanda, Angola). Naturalizado brasileiro, foi jornalista e poeta. Faleceu em 2002, no Rio de Janeiro.

(2) - Bartolomeu Dias, célebre navegador português, que dobrou, numa viagem ocorrida em 1487-1488, o extremo sul da África (Cabo das Tormentas ou da Boa Esperança), na busca lusitana da passagem para a Índia.
Nasceu em data incerta (por volta de 1450) e faleceu em 1500, em consequência do naufrágio da nau que capitaneava e que seguia integrada na armada de Pedro Álvares Cabral, descobridor do Brasil.

sábado, 19 de abril de 2008

Série de TV "Os Tudors" - Uma Delirante Fantasia "Histórica"


Deram entrada na Torre, em DVD, "The Tudors", série pretendidamente histórica centrada no reinado de Henrique VIII de Inglaterra (que a RTP passou outro dia). Apesar do apuro estético e de alguns desempenhos marcantes (como o de Sam Neill, num notável cardeal Wolsey), é trabalho a ver com grande reserva, pois arromba com frequência e militante ligeireza a autenticidade dos factos.

A história europeia em geral, e a lusitana em particular, saem bastante malferidas da cinéfila aventura. Num dos delirantes episódios, por exemplo, servem-nos um D. Manuel I de pesadelo, caquéctico e lúbrico, gulosamente matrimoniado com uma princesa inglesa que jamais existiu.

Após alguns deslizes de irreprimível sensualidade, a real menina vê-se perdida e desventurada numa corte portuguesa exibida como lúgubre e sórdida. Após peripécias várias, historicamente insustentáveis, a bela acaba por assassinar o pobre velho, asfixiando-o com uma almofada durante o sono indefeso - partindo, enfim liberta do horroroso cativeiro conjugal, para novos e trepidantes deslizes.

Nada disto faz o menor sentido, nada disto aconteceu, nada disto foi fado da história portuguesa...
Maria José Nogueira Pinto indignou-se, mui justamente, com a malévola trapalhada e publicou no Diário de Notícias de anteontem, 17 de Abril, o protesto que se segue.
A Torre saúda e subscreve.

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Os Pés do Rei

Acomodei-me no meu sofá para ver "The Tudors", um drama histórico televisivo sobre a vida de Henrique VIII de Inglaterra.
A série prometia, tinha sido difundida pelas televisões de vários países (em Portugal pela RTP) e tivera honras de Emmys e Globos de Ouro. E eu, que pertenço a uma geração que aprendeu História sem audiovisuais, vejo neste género de produção televisiva um modo entretido de relembrar episódios históricos com ganhos de familiaridade com os personagens que a simples leitura, por definição, não propicia.

Qual não é, pois, o meu espanto quando um tal personagem denominado "Princess Margaret", supostamente irmã de Henrique VIII, é dada em casamento ao Rei de Portugal, (D. Manuel I ?).
Sabendo que este nosso Rei se casara três vezes, pensei que a princesa inglesa me tinha escapado, uma falha de memória, sei lá! Inquieta, mas com a curiosidade aguçada, aguardei com expectativa as cenas relativas ao casamento, a entrada em cena da corte portuguesa num período áureo da nossa História.

Vi, então, como a princesa choramingava porque D. Manuel era um velho corcunda, implorando ao irmão que a troco de tão grande sacrifício lhe desse liberdade para escolher segundo marido quando enviuvasse, o que, esperava, ocorreria rapidamente.

Após uma imagem de rara beleza do Tejo e da Ribeira das Naus, seguiu-se uma sucessão de cenas de verdadeiro horror. D. Manuel era um gnomo marreca e saltitante, desdentado e de olhar lúbrico, baboso, falando um português mal amanhado. A corte, um conjunto de velhotas vestidas de negro, clérigos encapuçados, homens feios e sujos. As cerimónias pareciam ter como cenário uma espécie de barracão e as músicas eram espanholas (Falla?).
O casamento consumou-se no que poderia ser um quartinho do Castelo de S. Jorge, com uma data de basbaques de mau aspecto rodeando o tálamo conjugal e aplaudindo grosseiramente.

No dia seguinte - assim prossegue a série - a princesa Margarida, após lançar um olhar nostálgico à sua nau, prestes a partir do Tejo, não está com meias medidas e assassina o nosso Rei, sufocando-o com uma almofada. A última imagem com que o realizador arruma o episódio português é um grande plano dos reais pés, sujíssimos, explicitando que nem para o casamento este se dera ao trabalho de ablações mínimas.

A indignação venceu qualquer inércia que ainda restasse para confirmar a desconformidade de tão burlesca narrativa com a realidade dos factos.
D. Manuel casou três vezes, com duas filhas dos Reis Católicos, Isabel e Maria e, pela segunda vez viúvo, casou novamente, com D. Leonor, irmã de Carlos V. Todas eram excelentes partidos, demonstrando bem a importância, à época, de Portugal e do seu Rei.

Entre a consulta à História de Barcelos e o recurso à Internet foi possível constatar a existência de muitos outros erros grosseiros.
De facto, a "Princess Margaret" nunca existiu e é um personagem composto a partir das duas irmãs Tudor de Henrique VIII; o rei português de então era D. João III, de vinte anos de idade; não existiu nenhum Papa Alexandre desde 1503; o cardeal Wolsey não foi preso nem se suicidou e Thomas Tallis não consta que fosse bissexual.
Até na escolha dos adereços se repetem os erros, ridículos, tal como a utilização de um mosquete por Henrique VIII, arma que só foi inventada em 1630, ou seja um século mais tarde.

Posto isto, coloco duas questões.

A primeira tem a ver com este, ou qualquer outro, drama histórico televisivo. Embora se possa e deva esperar algum tempero fantasioso da narrativa, não é suposto que tal fantasia deturpe a História, alterando os seus factos, a sua cronologia, a sua geografia ou a identidade das suas figuras. Perdida a dimensão de relato histórico, o que resta passa de ficção a embuste.

A segunda tem a ver com a nossa reputação nacional e quem é suposto defendê-la.
Num país onde já não se ensina História, o canal estatal difundiu, que eu saiba sem qualquer reparo, uma versão vergonhosa e falsa do nosso passado colectivo.
Se a Internet não mente, todos os que se sentiram atingidos foram reagindo e rectificando, excepto nós.
Porque será?

(Maria José Nogueira Pinto, no Diário de Notícias de 17 de Abril de 2008)

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Velha Poesia Árabe na Península Ibérica (VIII) - (Al Mutamid) - Amor Rebelde


Sua beleza fez-se juíza do meu coração,
mas nem por isso foi justa na sua decisão:
morro por ela apesar da sua injusta rebeldia,
meu Deus! não a julgues pela sua tirania!

sábado, 12 de abril de 2008

Velha Poesia Árabe na Península Ibérica (VII) - (Al Mutamid) - Alma Prisioneira

Sinto-me triste com a tua ausência
e ébrio por ti com o vinho da paixão.
Anseiam meu sangue e meu coração
querendo beijar-te e abraçar-te.

Não me queixo!
Para quê ocultares-te?
Juraram minhas pálpebras não se fecharem
até que o nosso reencontro se consume.

Vem, amor, confia e não temas:
bem sabes que a minha alma em fogo
é prisioneira das tuas algemas.

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Al Mutamid, poeta do "Al Andaluz" (parte da Península Ibérica ocupada pelos Árabes), nasceu em Beja em 1040 (sul de Portugal) e morreu em Marrocos, em 1095.
Considerado um dos maiores poetas muçulmanos.
Foi rei de Sevilha, depois de ter sido califa de Silves.