Sitting Bull (Tatanka Yotanka - Touro Sentado) |
A relutância dos Sioux em se desfazerem das terras atribuídas pelo governo exasperava os agentes incumbidos de convencê-los, os quais utilizavam, por vezes, processos pouco dignos. Foi o que sucedeu com uma comissão liderada por Newton Edmunds: em gritante violação dos tratados, este mandou recolher "assinaturas" de crianças com sete anos de idade (quando só índios adultos, do sexo masculino, poderiam assinar).
A vinda de Sitting Bull para a Grande Reserva (agência de Standing Rock) complicou ainda mais a tarefa dos negociadores brancos. Nalgumas reuniões, ele foi desconsiderado pelos comissários de Washington, vendo-se praticamente impedido de falar. Mas o líder sioux não precisava de grandes discursos para orientar os seus: todos sabiam que ele se opunha à cedência das terras, e o respeito que infundia chegava para que a esmagadora maioria lhe seguisse o exemplo. Mesmo quando se conseguiam algumas assinaturas nas outras agências da Grande Reserva (Pine Ridge, Rosebud, Riacho Crow, Lower Brulé e Rio Cheyenne), o processo emperrava invariavelmente em Standing Rock, onde Sitting Bull habitava. Por isso, e para desespero das autoridades, não se atingia nunca o número mínimo de assinaturas para que as terras pudessem ser alienadas (três quartos da população adulta masculina).
Nos finais da década de 1880, os comissários, frustrados, regressaram a Washington e sugeriram duas coisas aos seus superiores: que se ignorasse o tratado de 1868 e que se ficasse com as terras independentemente do consentimento dos índios.
É sabido que o governo americano se achava já na disposição de adoptar essa conduta. No entanto, para dissimular a violação do acordo, decidiu-se efectuar a última tentativa para dar uma certa aparência de legalidade ao roubo que se preparava. Deste modo, os índios passaram a ser individualmente abordados e pressionados: se não assinassem, aceitando a divisão da reserva e a venda das terras, acabariam por ficar sem estas e não receberiam qualquer compensação. Atemorizados, alguns índios concordaram em assinar. As ameaças intensificaram-se. Por fim, nem o prestígio de Sitting Bull foi suficiente para deter as manobras do terror e os americanos alcançaram o que há tanto tempo ambicionavam.
O historiador Dee Brown sintetizou o desenlace deste processo infame: "Estava tudo acabado. A Grande Reserva Sioux fora dilacerada em pequenas ilhas, em redor das quais correria a torrente da migração branca. Antes de Sitting Bull sair do local, um jornalista perguntou-lhe como é que os índios se sentiam ao perder as suas terras. Índios!, gritou Sitting Bull. Já não há mais índios, só eu!"
Dança dos Fantasmas |
Em Outubro de 1890, cerca de um ano depois da divisão e da perda de terras da Grande Reserva, Sitting Bull foi visitado por um sioux da agência de Rio Cheyenne - Urso Saltador -, há pouco regressado de uma peregrinação que o tinha levado, em longuíssima viagem, do Dakota até ao Nevada. Aqui, nas imediações do lago Walker, Urso Saltador travara conhecimento com um índio da tribo dos Paiutes - Wovoka -, fundador de um estranho mas aliciante movimento - a religião da Dança dos Fantasmas. Era dessa experiência que ele vinha dar conta a Sitting Bull.
A Dança dos Fantasmas era uma espécie de repetição de um fenómeno semelhante, ocorrido vinte anos antes, por inspiração de outro índio paiute. Mas Wovoka apresentava novidades de carácter doutrinário e ritualista, atestadas por uma revelação assombrosa: ele anunciava-se como o próprio Jesus Cristo ressuscitado, ou seja, ele era o autêntico Messias. Tal como vinha na Bíblia dos brancos, também Wovoka difundia princípios com que a maioria destes não hesitaria em concordar: Não devem ferir ninguém, nem fazer mal a qualquer pessoa. Não devem lutar. Façam sempre o bem.
Preconizando portanto a não-violência e o amor fraternal, o movimento assentava - para além da espantosa identificação do seu fundador - em óbvia inspiração cristã. O que se exigia dos seguidores era, somente, que cantassem e executassem a Dança dos Fantasmas, tal como a ensinava Wovoka.
Até este ponto, a religião da Dança dos Fantasmas poderia parecer inofensiva aos olhos de qualquer pessoa - mesmo aos dos colonos e soldados que não cessavam de invadir as terras índias. Mas Wovoka acrescentava algo que rapidamente se espalhou muito para além do espaço da sua tribo: era anunciado para os próximos meses - exactamente para a Primavera de 1891 - uma espécie de Juízo Final: a terra seria coberta por um novo solo, e, sob essa camada regeneradora, ficariam soterrados, e para sempre eliminados, todos os brancos.
Quanto aos índios, os que tivessem executado a Dança dos Fantasmas ficariam suspensos no ar, furtando-se assim ao terrível destino dos seus inimigos. Depois desceriam outra vez à terra renovada, onde os esperariam enormes manadas de búfalos, correntezas de água límpida e pradarias verdejantes. E, mais importante do que tudo isso, encontrar-se-iam de novo com os seus antepassados, mortos ou não em combate com os brancos: eles seriam miraculosamente ressuscitados pelo "Messias Wovoka"!
Quanto aos índios, os que tivessem executado a Dança dos Fantasmas ficariam suspensos no ar, furtando-se assim ao terrível destino dos seus inimigos. Depois desceriam outra vez à terra renovada, onde os esperariam enormes manadas de búfalos, correntezas de água límpida e pradarias verdejantes. E, mais importante do que tudo isso, encontrar-se-iam de novo com os seus antepassados, mortos ou não em combate com os brancos: eles seriam miraculosamente ressuscitados pelo "Messias Wovoka"!
Morte de Sitting Bull |
Sitting Bull ouviu com muita atenção o que lhe contou Urso Saltador. Ao princípio ficou céptico, pois não acreditava que índios mortos pudessem regressar à vida. Mas sabia que as profecias de Wovoka corriam há meses entre os sioux da Grande Reserva e que muitos criam nelas. Sabia também que, nalgumas agências, os soldados haviam sido convocados para impedir pela força que os Sioux praticassem a Dança dos Fantasmas.
Catherine (ou Caroline) Weldon, a amiga e conselheira de Sitting Bull, intuiu o perigo que aquele movimento representava para o povo índio e, em particular, para o seu líder. Ela temia que as autoridades norte-americanas pudessem usar a Dança dos Fantasmas como pretexto para novas represálias e, sobretudo, para se desembaraçarem definitivamente do líder sioux. E preveniu-o acerca disso.
Sitting Bull sentiu-se numa situação complicada. Por um lado compreendia o fundamento daqueles receios; mas, por outro, não desejava colocar-se, como um obstáculo, entre o seu povo e a réstia de esperança criada pelas profecias de Wovoka. Por isso, e indo contra os conselhos de Catherine, não viu inconveniente em que Urso Saltador ensinasse a Dança dos Fantasmas na agência de Standing Rock. Ele pensava que já faltava pouco tempo para se saber onde estava a verdade: bastaria esperar até à Primavera seguinte.
A rápida e trágica evolução dos acontecimentos viria a dar razão a Catherine Weldon. As autoridades, desprezando a base "cristã" da mensagem de Wovoka, viram um perigo potencial naquela agitação, pois a Dança dos Fantasmas era agora executada em toda a Grande Reserva. Então, decidiram actuar com firmeza. Na agência de Standing Rock começaram por expulsar Urso Saltador e, depois, pediram a identificação dos "fomentadores" do movimento. Foi apressadamente redigida uma lista de denúncias e, como seria de esperar, o nome de Sitting Bull sobressaía nela.
A 12 de Dezembro de 1890 foi emitida a ordem de detenção do líder sioux. Pouco antes da aurora do dia 15, cerca de 40 polícias índios cercaram a cabana onde ele dormia, enquanto um esquadrão de cavalaria regular se mantinha de prevenção a alguma distância.
O comandante da força entrou na cabana e deu voz de prisão a Sitting Bull. Ainda mal desperto, o líder dispôs-se a segui-lo. Cá fora, um grupo de sioux opôs-se à prisão do seu chefe e gerou-se confusão. Ouviram-se disparos de armas de fogo. Uma das balas da polícia atingiu Sitting Bull na cabeça e deu-lhe morte imediata. A luta prosseguiu, e só a intervenção da cavalaria americana evitou que a força policial fosse completamente massacrada.
Para os que odiavam os índios, e, em particular, o grande chefe sioux, a derrota de Little Bighorn tinha começado - apenas começado - a ser vingada.
Notícia da morte do líder sioux na imprensa americana |
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(Conclui em 7 de Dezembro de 2019 - 4.ª Parte)
1.ª Parte - ver aqui
2.ª Parte - ver aqui