sábado, 30 de novembro de 2019

O drama dos índios norte-americanos: de Sitting Bull ao massacre de Wounded Knee (3.ª Parte)


Sitting Bull (Tatanka Yotanka - Touro Sentado)

A relutância dos Sioux em se desfazerem das terras atribuídas pelo governo exasperava os agentes incumbidos de convencê-los, os quais utilizavam, por vezes, processos pouco dignos. Foi o que sucedeu com uma comissão liderada por Newton Edmunds: em gritante violação dos tratados, este mandou recolher "assinaturas" de crianças com sete anos de idade (quando só índios adultos, do sexo masculino, poderiam assinar).

A vinda de Sitting Bull para a Grande Reserva (agência de Standing Rock) complicou ainda mais a tarefa dos negociadores brancos. Nalgumas reuniões, ele foi desconsiderado pelos comissários de Washington, vendo-se praticamente impedido de falar. Mas o líder sioux não precisava de grandes discursos para orientar os seus: todos sabiam que ele se opunha à cedência das terras, e o respeito que infundia chegava para que a esmagadora maioria lhe seguisse o exemplo. Mesmo quando se conseguiam algumas assinaturas nas outras agências da Grande Reserva (Pine Ridge, Rosebud, Riacho Crow, Lower Brulé e Rio Cheyenne), o processo emperrava invariavelmente em Standing Rock, onde Sitting Bull habitava. Por isso, e para desespero das autoridades, não se atingia nunca o número mínimo de assinaturas para que as terras pudessem ser alienadas (três quartos da população adulta masculina).

Nos finais da década de 1880, os comissários, frustrados, regressaram a Washington e sugeriram duas coisas aos seus superiores: que se ignorasse o tratado de 1868 e que se ficasse com as terras independentemente do consentimento dos índios.
É sabido que o governo americano se achava já na disposição de adoptar essa conduta. No entanto, para dissimular a violação do acordo, decidiu-se efectuar a última tentativa para dar uma certa aparência de legalidade ao roubo que se preparava. Deste modo, os índios passaram a ser individualmente abordados e pressionados: se não assinassem, aceitando a divisão da reserva e a venda das terras, acabariam por ficar sem estas e não receberiam qualquer compensação. Atemorizados, alguns índios concordaram em assinar. As ameaças intensificaram-se. Por fim, nem o prestígio de Sitting Bull foi suficiente para deter as manobras do terror e os americanos alcançaram o que há tanto tempo ambicionavam.

O historiador Dee Brown sintetizou o desenlace deste processo infame: "Estava tudo acabado. A Grande Reserva Sioux fora dilacerada em pequenas ilhas, em redor das quais correria a torrente da migração branca. Antes de Sitting Bull sair do local, um jornalista perguntou-lhe como é que os índios se sentiam ao perder as suas terras. Índios!, gritou Sitting Bull. Já não há mais índios, só eu!"

Dança dos Fantasmas

Em Outubro de 1890, cerca de um ano depois da divisão e da perda de terras da Grande Reserva, Sitting Bull foi visitado por um sioux da agência de Rio Cheyenne - Urso Saltador -, há pouco regressado de uma peregrinação que o tinha levado, em longuíssima viagem, do Dakota até ao Nevada. Aqui, nas imediações do lago Walker, Urso Saltador travara conhecimento com um índio da tribo dos Paiutes - Wovoka -, fundador de um estranho mas aliciante movimento - a religião da Dança dos Fantasmas. Era dessa experiência que ele vinha dar conta a Sitting Bull.

A Dança dos Fantasmas era uma espécie de repetição de um fenómeno semelhante, ocorrido vinte anos antes, por inspiração de outro índio paiute. Mas Wovoka apresentava novidades de carácter doutrinário e ritualista, atestadas por uma revelação assombrosa: ele anunciava-se como o próprio Jesus Cristo ressuscitado, ou seja, ele era o autêntico Messias. Tal como vinha na Bíblia dos brancos, também Wovoka difundia princípios com que a maioria destes não hesitaria em concordar: Não devem ferir ninguém, nem fazer mal a qualquer pessoa. Não devem lutar. Façam sempre o bem.
Preconizando portanto a não-violência e o amor fraternal, o movimento assentava - para além da espantosa identificação do seu fundador - em óbvia inspiração cristã. O que se exigia dos seguidores era, somente, que cantassem e executassem a Dança dos Fantasmas, tal como a ensinava Wovoka.

Até este ponto, a religião da Dança dos Fantasmas poderia parecer inofensiva aos olhos de qualquer pessoa - mesmo aos dos colonos e soldados que não cessavam de invadir as terras índias. Mas Wovoka acrescentava algo que rapidamente se espalhou muito para além do espaço da sua tribo: era anunciado para os próximos meses - exactamente para a Primavera de 1891 - uma espécie de Juízo Final: a terra seria coberta por um novo solo, e, sob essa camada regeneradora, ficariam soterrados, e para sempre eliminados, todos os brancos.

Quanto aos índios, os que tivessem executado a Dança dos Fantasmas ficariam suspensos no ar, furtando-se assim ao terrível destino dos seus inimigos. Depois desceriam outra vez à terra renovada, onde os esperariam enormes manadas de búfalos, correntezas de água límpida e pradarias verdejantes. E, mais importante do que tudo isso, encontrar-se-iam de novo com os seus antepassados, mortos ou não em combate com os brancos: eles seriam miraculosamente ressuscitados pelo "Messias Wovoka"!

Morte de Sitting Bull

Sitting Bull ouviu com muita atenção o que lhe contou Urso Saltador. Ao princípio ficou céptico, pois não acreditava que índios mortos pudessem regressar à vida. Mas sabia que as profecias de Wovoka corriam há meses entre os sioux da Grande Reserva e que muitos criam nelas. Sabia também que, nalgumas agências, os soldados haviam sido convocados para impedir pela força que os Sioux praticassem a Dança dos Fantasmas.

Catherine (ou Caroline) Weldon, a amiga e conselheira de Sitting Bull, intuiu o perigo que aquele movimento representava para o povo índio e, em particular, para o seu líder. Ela temia que as autoridades norte-americanas pudessem usar a Dança dos Fantasmas como pretexto para novas represálias e, sobretudo, para se desembaraçarem definitivamente do líder sioux. E preveniu-o acerca disso.
Sitting Bull sentiu-se numa situação complicada. Por um lado compreendia o fundamento daqueles receios; mas, por outro,  não desejava colocar-se, como um obstáculo, entre o seu povo e a réstia de esperança criada pelas profecias de Wovoka. Por isso, e indo contra os conselhos de Catherine, não viu inconveniente em que Urso Saltador ensinasse a Dança dos Fantasmas na agência de Standing Rock. Ele pensava que já faltava pouco tempo para se saber onde estava a verdade: bastaria esperar até à Primavera seguinte.

A rápida e trágica evolução dos acontecimentos viria a dar razão a Catherine Weldon. As autoridades, desprezando a base "cristã" da mensagem de Wovoka, viram um perigo potencial naquela agitação, pois a Dança dos Fantasmas era agora executada em toda a Grande Reserva. Então, decidiram actuar com firmeza. Na agência de Standing Rock começaram por expulsar Urso Saltador e, depois, pediram a identificação dos "fomentadores" do movimento. Foi apressadamente redigida uma lista de denúncias e, como seria de esperar, o nome de Sitting Bull sobressaía nela.

A 12 de Dezembro de 1890 foi emitida a ordem de detenção do líder sioux. Pouco antes da aurora do dia 15, cerca de 40 polícias índios cercaram a cabana onde ele dormia, enquanto um esquadrão de cavalaria regular se mantinha de prevenção a alguma distância.
O comandante da força entrou na cabana e deu voz de prisão a Sitting Bull. Ainda mal desperto, o líder dispôs-se a segui-lo. Cá fora, um grupo de sioux opôs-se à prisão do seu chefe e gerou-se confusão. Ouviram-se disparos de armas de fogo. Uma das balas da polícia atingiu Sitting Bull na cabeça e deu-lhe morte imediata. A luta prosseguiu, e só a intervenção da cavalaria americana evitou que a força policial fosse completamente massacrada.
Para os que odiavam os índios, e, em particular, o grande chefe sioux, a derrota de Little Bighorn tinha começado - apenas começado - a ser vingada.


Notícia da morte do líder sioux na imprensa americana


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(Conclui em 7 de Dezembro de 2019 - 4.ª Parte)

1.ª Parte - ver aqui
 2.ª Parte - ver aqui

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Brigão Brasileiro... (Stanislaw Ponte Preta)






O negócio aconteceu num café.
Tinha uma porção de sujeitos, sentados nesse café, tomando umas e outras.
Havia brasileiros, portugueses, franceses, argelinos, alemães, o diabo.

De repente, um alemão forte pra cachorro levantou e gritou que não via homem pra ele ali dentro. Houve a surpresa inicial, motivada pela provocação, e logo um turco, tão forte como o alemão, levantou-se de lá e perguntou:
Isso é comigo?
Pode ser com você também — respondeu o alemão.
Aí então o turco avançou para o alemão e levou uma traulitada tão segura que caiu no chão.

Vai daí o alemão repetiu que não havia homem ali dentro pra ele.
Queimou-se então um português que era maior ainda do que o turco. Queimou-se e não conversou. Partiu para cima do alemão e não teve outra sorte. Levou um murro debaixo dos queixos e caiu sem sentidos.

O alemão limpou as mãos, deu mais um gole no chope e fez ver aos presentes que o que dizia era certo. Não havia homem para ele ali naquele café.
Levantou-se então um inglês troncudo pra cachorro e também entrou bem.
E depois do inglês foi a vez de um francês, depois de um norueguês etc. etc.

Até que, lá do canto do café levantou-se um brasileiro magrinho, cheio de picardia para perguntar, como os outros:
Isso é comigo?
O alemão voltou a dizer que podia ser.
Então o brasileiro deu um sorriso cheio de bossa e veio vindo gingando assim pro lado do alemão.
Parou perto, balançou o corpo e... pimba! O alemão deu-lhe uma porrada na cabeça com tanta força que quase desmonta o brasileiro.

Como, minha senhora?
Qual é o fim da história?
Pois a história termina aí, madame. Termina aí que é pros brasileiros perderem essa mania de pisar macio e pensar que são mais malandros do que os outros.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Norman Rockwell - Um testemunho da vida americana

Auto-retrato de Norman Rockwell (1894-1978)

Norman Rockwell foi um pintor e desenhador dos Estados Unidos, tornado famoso sobretudo pelas capas que produziu para o Saturday Evening Post durante mais de 40 anos.
Ilustrou, de forma genial, o quotidiano norte-americano nas pequenas cidades. Os seus desenhos, meticulosos e de espantosa expressividade, traduzem, de forma tocante, os grandes e pequenos dramas do dia-a-dia das comunidades observadas.
Os quadros de Rockwell dispensam explicações ou legendas: cada uma das ilustrações encerra, só por si, a sugestão de um acontecimento ou história de fácil e imediata percepção.
Pode saber um pouco mais em Norman Rockwell.





































































































































































































































quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Morte e Vida Severina - João Cabral de Melo Neto (Brasil)




O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.

 Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?

Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda
em que eu vivia.


 Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também
porque o sangue que usamos
tem pouca tinta.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte Severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.

Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.






João Cabral de Melo Neto foi um dos maiores poetas brasileiros. Nasceu em 1920 e faleceu em 1999.
Neste longo poema (sua obra-prima), de que se apresentam acima apenas os primeiros versos, ele aborda a situação do retirante (migrante), sua morte social e miséria.
Morte e Vida Severina retrata a trajetória de Severino, que deixa o sertão nordestino em direção ao litoral, buscando melhores condições de vida.
Severino encontra no caminho outros nordestinos que, como ele, passam pelas privações impostas ao sertão.
Entre outros factos dramáticos, ele testemunha o enterro de um homem assassinado a mando de latifundiários.
Assiste a muitas mortes e, de tanto vaguear, termina descobrindo que é justamente ela, a morte, a maior empregadora do sertão. É a ela que devem os empregos, do médico ao coveiro, da rezadeira ao farmacêutico… (adaptado daqui).

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Confirmado: o Flamengo de Jorge Jesus é, também, Campeão do Brasil!


Após a conquista da América do Sul (ver postagem anterior), confirma-se a vitória no Brasileirão. Com a derrota do Palmeiras frente ao Grêmio (1-2), o Flamengo é já campeão do Brasil (embora faltem 4 jornadas para o termo da prova). A vantagem de 13 pontos sobre Santos e Palmeiras permite ao Mengão celebrar de imediato o triunfo. É obra!

domingo, 24 de novembro de 2019

O Flamengo de Jorge Jesus ganha a Taça Libertadores!


A Libertadores equivale, na América do Sul, à Liga dos Campeões, na Europa. A relevância do feito é evidente, sobretudo para um time, o Flamengo, que não triunfava na prova há 38 anos. E que está à beira de vencer o dificílimo Campeonato do Brasil (faltam-lhe apenas dois pontos).
Portugal vibrou, quase inteiramente, com a proeza - porque o Mengão já era muito popular por cá, mesmo antes de Jorge Jesus fazer as malas para o Brasil. Imaginem agora, com ele no Rio de Janeiro e no Maracanã...


Mais do que justa a vitória de 2-1 sobre o River Plate, da Argentina. Não foi sorte, não: foi o triunfo da crença, da perseverança, da certeza de que um jogo de futebol dura sempre mais do que 45 minutos. Tem, pelo menos, 90 - e mais uns pozinhos que podem ser decisivos. E, ontem, foram...
Os argentinos consumiram quase toda a 1.ª parte a tentar impedir o futebol do Flamengo. Corriam desalmadamente, cortavam linhas de passe, utilizavam a dureza (por vezes abusiva, com a complacência da arbitragem) e não permitiam que os jogadores do Mengão pensassem o jogo. Um sufoco. Mas era cada vez mais óbvio que "aquilo" não poderia durar a partida inteira, a menos que os argentinos viessem munidos de pulmões de aço. Não vieram. E só admira que os golpes do Gabigol chegassem tão em cima da hora: há muito se pressentia que o River estava claudicando fisicamente. Isso foi claro no primeiro tento e claríssimo no segundo. Neste último, os centrais (zagueiros) argentinos já não podiam, como se diz em Portugal, com uma gata pelo rabo. Não sei o que teria sucedido se houvesse lugar a prolongamento, mas suspeito que teria sido ainda pior para o River...


Jorge Jesus, que já havia triunfado brilhantemente no maior clube de Portugal, o Benfica, está agora a vencer no maior time brasileiro. Isto não obstante as dúvidas que alguns  comentadores precipitados (e, ao que parece, desatentos ou desactualizados) sobre ele expressaram ao princípio.
Jesus transportou para o Brasil a originalidade e a imprevisibilidade táctica do melhor futebol europeu. Levou, sobretudo, a dinâmica e a intensidade de jogo que, por exemplo, escassearam à selecção brasileira no Mundial de 2014. Ele pode contribuir, à sua maneira, para a evolução do futebol brasileiro, atendendo sobretudo à extraordinária qualidade e abundância de futebolistas naquele país. Pode ser pelo menos tão importante como o foi em Portugal, na década de 1950, um treinador brasileiro, Otto Glória, que mexeu profundamente com o futebol do Benfica e, com isso, revolucionou o próprio futebol português. Que nunca mais foi o mesmo - mudando para muito melhor...

sábado, 23 de novembro de 2019

O drama dos índios norte-americanos: de Sitting Bull ao massacre de Wounded Knee (2.ª Parte)

Sitting Bull ao lado de William F. Cody ("Buffalo Bill")

Após quatro anos de exílio no Canadá, Sitting Bull, o grande líder sioux, ficou preso em Forte Randall por mais de um ano. Mas, apesar da longa ausência, não tinha sido esquecido - nem pelo seu povo, nem pelos brancos, que o acusavam de ter sido o "matador de Custer". Durante o período de reclusão recebeu a visita dos chefes índios que viviam na Grande Reserva Sioux, entretanto criada pelas autoridades americanas: todos demonstraram júbilo por tornarem a vê-lo, honrando-o e desejando-lhe boa sorte. Muitos aproveitaram para lhe pedir conselhos sobre os problemas que os afectavam na Grande Reserva.
Também a imprensa dos Estados Unidos contribuiu para aumentar exponencialmente a fama do líder: jornalistas deslocavam-se propositadamente a Forte Randall para o entrevistarem, e as suas palavras eram sofregamente devoradas pelos leitores brancos.

Em 1884, já depois da sua admissão em Standing Rock, na Grande Reserva Sioux, o governo americano promoveu uma viagem de Sitting Bull por quinze cidades americanas - talvez uma forma de provar que o formidável inimigo de outrora estava definitivamente vencido e era agora inofensivo. O sucesso das suas apresentações ao público foi tão grande, que William F. Cody, o renomado "Buffalo Bill", o convidou para integrar o seu Show do Oeste Selvagem. Obtida a concordância das autoridades, o chefe sioux juntou-se ao Show  no Verão de 1885 e com ele percorreu os Estados Unidos e o Canadá.
As aparições de Sitting Bull suscitavam um misto de sentimentos - assombro, fascínio e, também, hostilidade, porque o fantasma de Custer pairava teimosamente em seu redor. Por vezes, o chefe era acolhido com vaias e apupos. Todavia, era normalmente aplaudido no termo das exibições, e os espectadores ofereciam-lhe moedas para obterem as suas fotografias assinadas (ele aprendera a desenhar o seu nome - em inglês - com as letras dos brancos).

Cartaz do Show do Oeste Selvagem


As moedas, ao que se conta, ficavam pouco tempo na posse de Sitting Bull. Com efeito, ele pudera testemunhar chocantes desigualdades sociais entre os habitantes das urbes americanas. A ostentação luxuosa de alguns contrastava violentamente com a miséria de muitos, e isso impressionava o líder sioux, acostumado à generosa solidariedade das comunidades índias.
Certo dia, conversando com Annie Oakley, uma das maiores estrelas do Show (exímia atiradora), Sitting Bull confessou-lhe que não conseguia compreender a revoltante indiferença dos brancos para com os seus pobres. E rematou: O homem branco sabe como fazer tudo… mas não sabe como distribuir o que faz.
Por consequência, a maioria das moedas recebidas no Show passava rapidamente das mãos de Sitting Bull para as dos meninos andrajosos e famintos que, atraídos pela sua fama, apareciam a rodeá-lo em todos os locais por onde passava.

No fim da digressão com o Show do Oeste Selvagem, Sitting Bull retornou à agência de Standing Rock, na Grande Reserva, trazendo dois presentes de despedida de Buffalo Bill: um enorme chapéu branco e um cavalo treinado para se sentar e para mover uma das patas quando ouvia disparos de armas de fogo. Mas Buffalo Bill ficara tão agradado com o desempenho do líder sioux, que, dois anos mais tarde, o convidou para acompanhar o Show numa viagem pela Europa. Sitting Bull recusou, dizendo que a sua presença se tornara indispensável em Standing Rock: os brancos - explicou - estavam a tentar reapoderar-se das terras da Grande Reserva que ainda se achavam na posse dos Sioux.

Catherine (ou Caroline) Weldon (1844-1921)

Não obstante os acordos celebrados, as tentativas de recuperação das terras dos índios haviam começado logo depois da constituição das reservas, quando foi descoberto o valor das mesmas. No caso dos Sioux, após o esbulho dos seus territórios do Rio Powder e das Black Hills, o que sobejou foi uma extensão de cerca de 90 000 km2 - área considerável, mas que, segundo os técnicos, era praticamente desprovida de valor.
À medida que reconsideravam o juízo inicial e o que tinha ficado acordado, as autoridades (sempre pressionadas pelos rancheiros, garimpeiros, colonos e companhias de caminhos-de-ferro) procuravam levar os índios a assinar novos papéis - desta vez para se desfazerem das terras em que viviam.

Ainda durante o seu tempo de reclusão em Forte Randall, Sitting Bull fora consultado por vários chefes sobre a venda das terras que lhes era proposta. O líder aconselhara-os sempre a não se desfazerem do que possuíam - e possuíam legalmente. Manteve a atitude e o conselho após dar entrada em Standing Rock, o que, devido ao imenso prestígio de que gozava entre o seu povo, se tornou um sério obstáculo para os agentes encarregados do negócio.

A partir de 1888, o governo intensificou esforços para reassumir a posse das terras. Uma comissão enviada de Washington propôs aos índios a divisão da Grande Reserva em seis reservas menores e a venda de 36 000 km2 (mais de um terço da superfície total) ao preço de 50 centavos de dólar por acre. A ideia era entregar essa vasta área - constituída pelas melhores terras da reserva - aos colonos vindos do Leste do país.
Aconselhados por Sitting Bull, os chefes rejeitaram a oferta e os comissários não conseguiram o número de assinaturas necessário. Uma nova comissão surgiu, oferecendo um dólar e meio por acre. As recusas continuaram, pelo que os comissários passaram a recorrer à intimidação: se os índios continuassem renitentes - disseram -, o governo acabaria por ficar com as terras a troco de nada.

Por altura destes acontecimentos, Sitting Bull recebeu a visita de uma viúva de New York, pintora e filiada na Associação Nacional de Defesa dos Índios. Chamava-se Catherine Weldon (nalgumas fontes é identificada como Caroline Weldon).
Ela viajou até Standing Rock com o pretexto de pintar um retrato do famoso líder sioux, mas, com o tempo, acabou por transformar-se em conselheira e secretária deste, participando activamente na resistência ao roubo das terras. Como seria de esperar, isso valeu-lhe a feroz hostilidade da comunidade branca: foi insultada, caluniada e, até, fisicamente agredida.

Sitting Bull retratado por Catherine Weldon (1890)
(Historic Arkansas Museum - Little Rock - Arkansas)

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Nota: Em 2017, Susanna White realizou um filme sobre o encontro e convivência de Sitting Bull (interpretado por Michael Greyeyes) com Catherine Weldon (Jessica Chastain).
O título da película é Mulher Que Segue à Frente (nome que os Sioux davam a Catherine).
Apesar de algumas imprecisões históricas, trata-se de uma obra interessante, de grande beleza pictórica e excelentes desempenhos dos dois actores mencionados.
Veja o trailer do filme:


Continua em 30 de Novembro de 2019 (3.ª Parte - aqui)

1.ª Parte - ver aqui