segunda-feira, 30 de novembro de 2020

O CORO ("Boychoir") - Um filme que vale a pena ver...

 


...quanto mais não seja pela fabulosa interpretação de Dustin Hoffman (mestre Carvelle), muito bem acompanhado pela rapaziada do coro, com Garrett Wareing (Stet) à cabeça... E, também, pelo desempenho da seguríssima e sempre convincente Kathy Bates (a directora da escola de música).

A história da difícil mas potencialmente frutuosa relação de um mestre perfeccionista e exigente (aparentemente distante e misantropo) com um garoto rebelde, socialmente desenquadrado devido à morte da mãe e ao abandono do pai, mas possuidor de um talento apenas encontrável nas criaturas estelares.
Só podia dar no que deu...
Realização de François Girard.

I - Trailer:


II - O Messias (Aleluia):




sábado, 28 de novembro de 2020

Nos tempos de D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal - A Morte de Gonçalo Mendes da Maia, o "Lidador" (1170)

 



No ano de 711, tropas muçulmanas do Norte de África, comandadas pelo berbere Tárique, deram início à invasão da Península Ibérica, destroçando em pouco tempo os exércitos visigodos que se lhes opuseram.
O domínio islâmico da Península manteve-se durante quase oito séculos, embora o território abrangido se fosse reduzindo ao longo dos séculos por força do processo da reconquista cristã.

Quando Tárique chegou, Portugal ainda não existia. Mas, desde o momento em que se firmou como nação independente a partir do pequeno Condado Portucalense, não mais deixou de ambicionar a dilatação das suas fronteiras. Participando no esforço da reconquista, como faziam Leão, Castela e Aragão, o país foi adquirindo a forma que tem hoje em pouco mais de cem anos, terminando a sua expansão no Algarve, a sul, no ano de 1249. [Pode relembrar as datas mais relevantes da independência de Portugal - aqui]

O episódio que hoje publicamos, com base na adaptação de um escrito de Alexandre Herculano(*), situa-se em 1170 e insere-se no referido processo de reconquista territorial. Decorre numa zona fronteiriça então precária, nas imediações de Beja, cidade actualmente pertencente ao Alentejo português.

Nele se narra a morte em combate de um dos grandes guerreiros de Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal: Gonçalo Mendes da Maia, denominado o Lidador.

(*) Alexandre Herculano - Lendas e Narrativas - Tomo II.
O texto foi actualizado, reordenado e adaptado na Torre da História Ibérica.
As quatro ilustrações que se seguem aos mapas resultam de trabalhos de banda desenhada de Eduardo Teixeira Coelho e Raul Correia.
A ultima pintura é da autoria de Roque Gameiro.


Expansão territorial portuguesa a partir do Condado Portucalense.


"Num dia do mês de Julho, duas horas depois da alvorada, no ano de 1170, tudo estava em grande silêncio dentro da cerca de Beja, no Alentejo. Batia o sol nas pedras esbranquiçadas dos muros e torres que defendiam a cidade. Ao longe, pelas imensas campinas vizinhas, ondeavam as searas maduras, cultivadas por mãos de muçulmanos para os seus novos senhores cristãos.

Nestas terras disputadas, a cruz impusera-se outra vez ao crescente; os topos das mesquitas convertiam-se em campanários de igrejas e a voz do almoadém era substituída pela toada dos sinos que chamavam à oração. Era esta a resposta dada pela raça goda aos filhos de África e do Oriente que diziam, mostrando os alfanges: “é nossa a terra de Espanha”. O dito árabe foi desmentido; mas a resposta gastou oito séculos a escrever-se.

Nesta luta de vinte gerações andavam lidando as gentes do Alentejo. O servo mouro olhava todos os dias para o horizonte, a sul, onde se viam as serranias do Algarve: de lá esperava ele a salvação ou, ao menos, a vingança. E este ameno dia de Julho devia ser um desses momentos por que suspirava o muçulmano: Almoleimar, o famoso guerreiro mouro, subira com os seus cavaleiros às terras de de Beja.

Como era Portugal um pouco antes deste episódio.
Beja foi conquistada aos mouros em 1162.

Nesse dia, em que Gonçalo Mendes da Maia, o velho fronteiro de Beja -  conhecido por O Lidador -, cumpria os noventa e cinco anos de idade, trinta fidalgos portugueses corriam à rédea solta por essas mesmas campinas de Beja. Trinta, não mais, eram eles, mas andavam por trezentos os homens de armas, os escudeiros e os pajens que os acompanhavam.

Entre todos avultava em robustez e grandeza de membros o Lidador, cujas barbas brancas lhe ondeavam, como flocos de neve, sobre o peitoral da cota de armas; a seu lado, cavalgava também o valente Lourenço Viegas, a quem, pelos espantosos golpes da sua espada, chamavam o Espadeiro.

Ao largo, muito ao largo dos muros de Beja, vai a atrevida cavalgada à procura de mouros; mas, por enquanto, não se avistam senão os topos pardo-azulados das serras do Algarve, que parecem fugir tanto quanto os cavaleiros avançam. Nem um pendão mourisco, nem um albornoz branco alvejam ao longe.

Os espiões cristãos seguem na frente da linha dos cavaleiros, correm, cruzam para um e outro lado, embrenham-se nos matos e transpõem-nos em breve. A terra que pisam é já dos mouros. Tinha passado meia hora.

Por mandado do velho fronteiro de Beja, um guerreiro acercou-se à rédea solta de um bosque extenso que surgia à direita. Pouco, porém, progrediu: uma flecha despedida dos bosques sibilou no ar. O homem gritou por Jesus: a flecha tinha-se-lhe embebido no lado. O cavalo parou de repente, e ele, erguendo os braços ao ar, com as mãos abertas, caiu de bruços, tombando no chão.



"A cavalo! a cavalo!" — bradou a uma voz toda a companhia do Lidador. Uma gritaria medonha soou ao mesmo tempo, vinda do pinhal da direita. “Alá! Almoleimar!” — era o que diziam os gritos.

Enfileirados em extensa linha, os cavaleiros muçulmanos saíram do escuro arvoredo que os encobria. O seu número excedia cinco vezes o dos soldados da cruz. As suas armaduras lisas e polidas contrastavam com a rudeza das dos cristãos, apenas defendidos por pesadas cervilheiras de ferro e por grossas cotas de malha do mesmo metal. Mas as lanças destes eram mais robustas e as suas espadas mais volumosas do que as cimitarras mouriscas.

Como longa fita de muitas cores, a extensa e profunda linha dos cavaleiros mouros sobressaía na veiga entre as searas que cobriam o campo. Diante deles, os trinta cavaleiros portugueses, com os seus trezentos acompanhantes, esperavam o brado de atacar, num combate de um contra dez.

As armas estavam preparadas:  o Lidador bradara por Santiago, e o nome de Alá soara num só grito por toda a fileira mourisca. Chocaram-se as hostes finalmente, como duas muralhas sacudidas por violento terramoto. As lanças, batendo em cheio nos escudos, tiravam deles um som profundo, que se misturava com o estalar das que voavam despedaçadas. Do primeiro encontro muitos cavaleiros vieram ao chão, de um lado e do outro.


Gonçalo Mendes da Maia avistou de súbito o terrível Almoleimar. As lanças dos dois contendores haviam-se feito em pedaços no choque inicial, pelo que o alfange do mouro se cruzou com a espada toledana do fronteiro de Beja.

Cerrando os dentes com força, o chefe mouro descarregou um golpe tremendo sobre o seu adversário. O Lidador recebeu-o no escudo, onde o alfange se embebeu por inteiro, e procurou ferir Almoleimar entre o fraldão e a couraça; mas a pancada falhou, e a espada desceu pelo coxote do mouro, que já desencravara o alfange.

Almoleimar atingiu a cervilheira de Gonçalo da Maia com violência. O velho fronteiro vacilou, deu um gemido, e os braços ficaram-lhe pendentes. A sua espada teria caído no chão se não estivesse presa ao punho do cavaleiro por uma cadeia de ferro. O ginete, sentindo as rédeas frouxas, fugiu pelo campo, a todo o galope. Mas o Lidador tornou a si: um forte puxão avisou o animal de que o seu cavaleiro não morrera.



À rédea solta, lá volta ao combate o fronteiro de Beja. Escorre-lhe o sangue pelos cantos da boca. Traz os olhos torvos de ira. Os dois inimigos correram um para o outro. As espadas reluziram no ar. Mas o golpe do Lidador era simulado, e o ferro, mudando de movimento no ar, foi bater de ponta no gorjal de Almoleimar, que cedeu à violenta estocada; e o sangue, saindo às golfadas, cortou a derradeira maldição do muçulmano.

Todavia, o golpe deste também não errara o alvo: vibrado com ânsia, colhera pelo ombro esquerdo o velho fronteiro e, rompendo a grossa malha do lorigão, penetrara na carne até ao osso. Ainda mais uma vez a mesma terra bebeu o sangue godo misturado com sangue árabe.

O Lidador caiu amortecido. Um dos seus homens de armas voou a socorrê-lo. Mas o último golpe de Almoleimar fora o brado da sepultura para o fronteiro de Beja: os ossos do seu ombro estavam como triturados, e as carnes rasgadas pendiam-lhe para um e para outro lado envoltas nas malhas descosidas do lorigão.

O Lidador foi posto em cima de umas andas feitas de troncos de árvores, e quatro escudeiros que restavam vivos dos dez que consigo trouxera tinham-no transportado para a cauda da cavalgada. Quando ele caiu, o grosso da hoste moura, vencida, fugia já para além do pinhal. Mas os mais valentes pelejavam ainda à roda do seu capitão moribundo. A vitória não saíra barata aos portugueses. Viam perigosamente ferido o seu velho capitão e tinham perdido alguns dos melhores cavaleiros e a maior parte dos homens de armas.



Foi nesta altura que se viu erguer ao longe uma nuvem de pó, que voava rápida para o lugar da batalha. Os mouros que fugiam deram meia volta e gritaram: Ali-Abu-Hassan! Só Alá é Deus, e Maomé o seu profeta!

Era, com efeito, Ali-Abu-Hassan, rei de Tânger, no norte de África, que chegava com mil cavaleiros em socorro de Almoleimar. Cansados de combater, reduzidos a menos de metade e cobertos de feridas, os cavaleiros de Cristo invocaram o seu nome e fizeram o sinal da cruz. O Lidador perguntou com voz fraca a um pajem que barulheira era aquela. “Os mouros foram socorridos por um grosso esquadrão”, respondeu tristemente o pajem. Gonçalo Mendes da Maia cerrou os dentes com força e levou a mão à cinta: buscava a sua boa espada toledana.

“Pajem, quero um cavalo. Onde está a minha espada?” O pajem deu-lhe a espada e foi pelo campo buscar um ginete, dos muitos que por ali vagueavam já sem dono. Quando voltou com ele, o Lidador, pálido e coberto de sangue, estava em pé. O pajem ajudou-o a montar a cavalo. E lá foi de novo o velho fronteiro de Beja! Parecia um espectro erguido em campo de finados, dirigindo-se para onde mais acesa andava a peleja.

Os cristãos afrouxavam diante daquela nova multidão de infiéis. Dois cavaleiros, porém, com vulto feroz e as armaduras crivadas de golpes, sustinham grande parte do peso da batalha. Eram estes o Espadeiro e Mem Moniz.

Quando o fronteiro assim os viu, algumas lágrimas lhe caíram pelas faces. Esporeando o ginete, com a espada erguida, abriu caminho por entre infiéis e cristãos e chegou aonde os dois, cada um com seu montante nas mãos, se batiam rodeados de inimigos. "Bem vindo, Gonçalo Mendes! — disse Mem Moniz. — Quiseste assistir connosco a esta festa de morte?"



E os três cavaleiros atiraram-se rijamente aos mouros. Depois de deixar amolgadas muitas armaduras mouriscas, o Lidador manejou pela última vez a espada e abriu o elmo e o crânio de um cavaleiro inimigo. O violento abalo que experimentou fez-Ihe contudo rebentar em torrentes o sangue da ferida que recebera das mãos de Almoleimar e, cerrando os olhos, caiu morto ao pé do Espadeiro e de Mem Moniz. Repousou, finalmente, Gonçalo Mendes da Maia de oitenta anos de combates!

Já a este tempo cristãos e mouros haviam descido dos cavalos e pelejavam a pé. Aumentava a crueza da batalha. Entre os cavaleiros de Beja espalhou-se logo a notícia da morte do seu capitão, e não houve olhos que ficassem enxutos. “Vingança!”, bradou o Espadeiro com voz rouca e rangendo os dentes.

Descobrindo Ali-Abu-Hassan ali perto, encaminhou-se para ele e atingiu-o com o seu montante. O elmo do rei mouro faiscou, voando em pedaços pelos ares, e, com o crânio fendido, ele tombou para sempre. "Lidador! Lidador!", gritou Lourenço Viegas, com voz comovida. As lágrimas misturavam-se-lhe nas faces com o suor, com o pó e com o sangue do adversário. E não pôde dizer mais nada.

Tão espantoso golpe, que implicou a perda do seu líder, aterrou os mouros. Os portugueses seriam já apenas sessenta, entre cavaleiros e homens de armas, mas continuavam a pelejar como desesperados. A morte de Ali-Abu-Hassan foi, todavia, o sinal de debandada para os muçulmanos.

Os portugueses, senhores do campo, celebraram com prantos a vitória. Poucos havia que não estivessem feridos; e nenhum que não tivesse as armas danificadas. O Lidador, e os demais cavaleiros que naquela memorável jornada tinham acabado os seus dias, foram conduzidos a Beja atravessados em cima dos ginetes."



Estátua de Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador, na cidade de Beja (Alentejo - Portugal)



quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Waris Dirie - É urgente acabar com a criminosa barbaridade da mutilação genital feminina!

 


Waris Dirie nasceu na Somália em 1965.
Aos quatro anos de idade sofreu a mutilação genital.
Aos treze anos conseguiu fugir da sua aldeia.
Luta, há muitos anos, contra esta crueldade intolerável.
Saiba mais sobre Waris - aqui.

Oiça abaixo o que ela disse:


Tradução:

"Amo a minha mãe.
Amo a minha família.
E amo África.
Há mais de 3.000 anos, as famílias acreditam firmemente
que uma jovem à qual não se fez a mutilação genital
é impura.
Porque o que temos entre as pernas é impuro
e deve ser removido e fechado depois
como prova de virgindade e virtude.
Na noite de núpcias, o marido pega numa faca ou numa navalha e corta
antes de penetrar pela força em sua esposa.
Se não se fizer a mutilação a uma mulher,
ela não se casa
e, por conseguinte, é expulsa da sua aldeia e tratada como prostituta.
Esta prática continua, apesar de não constar do Corão.
Sabe-se que, em consequência desta mutilação,
as mulheres adoecem física e psicologicamente
para o resto das suas vidas.
Essas mesmas mulheres são a coluna vertebral de África.
Eu sobrevivi, mas duas das minhas irmãs, não.
Sofia morreu de hemorragia após ser mutilada
e Amina faleceu durante o parto, com o bebé ainda no seu ventre.
Até que ponto se fortaleceria o nosso continente
se um ritual tão selvagem fosse abolido?
Existe um provérbio no meu país:
'o último camelo da fila caminha tão depressa como o primeiro'
O que acontece com qualquer uma de nós, afecta todos os outros.
Quando eu era criança
dizia que não queria ser mulher.
Para quê, se sofres tanta dor e és tão infeliz?
Mas, agora que cresci, estou orgulhosa de ser o que sou.
Para o bem de todos nós,
tentemos mudar o que significa ser uma mulher assim."

.........

130 milhões de mulheres e meninas
sofrem as consequências da mutilação genital.
Os emigrantes continuam esta tradição
em África e na Ásia
e também na Europa e nos Estados Unidos.
Waris Dirie foi a primeira mulher
que falou publicamente da mutilação genital feminina
e que conseguiu chamar a atenção para o problema.
O Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan,
nomeou Waris Dirie como embaixadora especial da ONU
na luta contra esta atrocidade.
Desde então, a mutilação genital feminina
foi oficialmente proibida em muitos países.
Apesar disso, continua a praticar-se hoje em dia:
são mutiladas 6.000 meninas em cada dia.


terça-feira, 24 de novembro de 2020

Irene no Céu

 


Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco!

E São Pedro, bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.

Manuel Bandeira (Brasil)

sábado, 21 de novembro de 2020

Alexandre Quintanilha - Viva quem sabe e, sobretudo, quem sabe ensinar assim...



 

... A Terra dos primórdios com cheiro a ovos podres, o oxigénio, o envelhecimento, o lixo das manchas de pele e (tenham medo, mas mesmo muitíssimo medo...) os dois terços das células do nosso corpo que não são humanas.

Nove minutos de erudição tranquila e despretensiosa, servida por uma capacidade de comunicação que nos faz ganhar o dia...



sexta-feira, 20 de novembro de 2020

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

A luta contra o coronavírus em Portugal - Os cumpridores e os destravados mentais...



Portugal enfrenta, nos dias sombrios que vão passando, a mortífera segunda vaga da pandemia trazida pelo famigerado coronavírus. Sucedem-se, por isso, e muito bem, as medidas de segurança e contenção que a prudência, o bom-senso e a gravidade do caso impõem. Registam-se em paralelo os apelos, designadamente do Primeiro-Ministro, para que todos as cumpram na medida das suas possibilidades. E, para moralizar as tropas ainda nas primeiras horas da batalha, António Costa até já veio enaltecer a exemplaridade do comportamento geral.


O PM tem porventura razão em elogiar a esmagadora maioria dos cidadãos e cidadãs do país. Mas, para além desses, subsiste a perigosíssima franja dos incumpridores, espécie de destravados mentais ou de sociopatas em potência, que teimam em assumir-se, de peito feito e boca destapada, como os maiores aliados da propagação do vírus. Todos os podemos ver por aí, boçalmente ousados numa inconsciência que pode tornar-se assassina. É preciso agir, e agir depressa e eficazmente, em relação a tais comportamentos.


A este propósito, a excelente senhora que escreve no blogue Um Jeito Manso ofereceu-nos um texto – no seu habitual estilo desempoeirado, acutilante e inteligente – que não só ilustra a situação como mostra o caminho a seguir.
Podem ler o texto aqui.



Quanah Parker - Grande Chefe Comanche, filho da americana Cynthia Ann

Quanah Parker (n. 1845? 1852?- f. 1911), diante do seu teppee.


Nasceu da união de um chefe de guerra comanche com Cynthia Ann Parker, uma branca americana capturada pelos índios, em 1836, durante o sangrento ataque ao Forte Parker (Texas).

Cynthia, que contava nove anos de idade na altura, foi adoptada pelos seus raptores e depressa se integrou na cultura índia.

Último dos grandes chefes comanches, Quanah seria um dos líderes da Igreja Nativa Americana. Deixou um pensamento merecedor, pelo menos, de alguma reflexão:

"O homem branco entra na sua igreja e fala sobre Jesus, mas o homem índio entra no seu teppee e fala com Jesus."

Saiba mais sobre ele - aqui.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

Donald Trump e a vitória de Joe Biden nas eleições norte-americanas...


Notícias falsas!

 





Eu venci!





Eu sou o maior presidente de sempre!...
Eu sou o maior...
Eu sou o maior..


segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Mais Blues - Merline Johnson


Sabe-se que nasceu no Mississippi, Estados Unidos, no ano de 1912, mas desconhece-se a data do falecimento.
Uma das vozes mais poderosas do blues norte-americano. Mudou-se para Chicago na década de 1930 e o sucesso não tardou.
A sua discografia estende-se de 1937 a 1947, uma década que, para ela, foi de ouro.
Chamavam-lhe "The Yas Yas Girl".


I - Got a Man in the 'Bama Mine



II - Love With a Feeling



III - Bad Whiskey Blues 


Escute mais blues na THI - aquiaqui e aqui

sábado, 14 de novembro de 2020

A última carta de Maria Antonieta, rainha da França, escrita na prisão (1793) - 2.ª e Última Parte

(Conclusão da postagem de ontem - aqui)

Maria Antonieta na prisão da Conciergerie, aos 37 anos.
Abatida, cabelos embranquecidos, prematuramente envelhecida.


Transcrição da última carta de Maria Antonieta, rainha de França.
Escrita na prisão da Conciergerie, em Paris, na madrugada de 16 de Outubro de 1793, horas antes de ser guilhotinada. Dirigida à sua cunhada Isabel, irmã do rei Luís XVI (executado nove meses antes).

..........


"É a ti, minha querida irmã, que escrevo pela última vez.
Acabo de ser condenada, não a uma morte vergonhosa, que só o é para os criminosos, mas para me ir juntar a teu irmão.
Inocente como ele, espero mostrar a mesma firmeza que ele mostrou nos seus últimos momentos. Estou tranquila, como se está quando a consciência de nada nos acusa.
Tenho profunda mágoa de abandonar os meus pobres filhos; sabes que eu só vivia para eles e para ti, minha boa e terna irmã! Em que situação te deixo, a ti, que, por amizade, tudo sacrificaste para estar connosco!


Maria Teresa, filha de Maria Antonieta e de Luís XVI
(1778-1851)


Soube, durante o processo, que a minha filha está separada de ti. Coitada! Não ouso escrever à pobre criança; ela não receberia a minha carta; não sei mesmo se esta chegará às tuas mãos. Recebe a minha bênção para eles ambos; espero que um dia, quando forem mais velhos, possam juntar-se contigo e beneficiar dos teus ternos cuidados.
Que eles pensem no que eu nunca cessei de lhes inspirar: que os princípios e o cumprimento exacto dos seus deveres são a primeira base da vida, que a sua amizade e confiança mútua farão a sua felicidade.


Luís Carlos (ou Luís XVII) o outro filho dos reis de França (1785-1795)
Foi delfim de França a partir de 1789, ano em que faleceu Luís José, seu irmão e primeiro delfim.
Luís Carlos morreu na prisão, com dez anos de idade.
Manipulado pelas autoridades revolucionárias, foi levado a prestar declarações difamatórias contra elementos da família, incluindo a própria mãe. É a isso que Maria Antonieta se refere na carta que dirigiu à cunhada.


Que a minha filha sinta que, pela idade que tem, deve auxiliar sempre o seu irmão com os conselhos que possam dar-lhe a experiência que tiver mais do que ele; que meu filho, por seu lado, preste a sua irmã todos os cuidados e atenções que a amizade pode inspirar; enfim, que sintam ambos que, em qualquer situação em que se encontrem, não serão verdadeiramente felizes senão pela união: que sigam o nosso exemplo.
Quantas consolações a nossa amizade nos deu na nossa desgraça! E a felicidade goza-se duplamente quando se pode partilhar com uma pessoa amiga; e onde encontrar amigo mais terno, mais íntimo, do que na própria família?
Que meu filho nunca esqueça as últimas palavras de seu pai, que lhe repito propositadamente: Nunca procure vingar a nossa morte!

Maria Antonieta aos 14 anos
(idade com que casou com o futuro rei de França, Luís XVI)

Tenho de falar-te de uma coisa bem triste para o meu coração. Calculo quanta mágoa te deve ter causado essa criança. Perdoa-lhe, minha querida irmã; pensa na sua idade e em como é fácil fazer dizer a uma criança o que se quer, e até o que ela não compreende. Tenho esperança em que há-de vir um dia em que avaliará melhor a tua bondade e a tua ternura por ambos.

Maria Antonieta nos tempos áureos.
Está acompanhada por três dos seus quatro filhos (Maria Teresa, Luís Carlos e Luís José). Falta apenas Sofia, que faleceu com 11 meses de idade.


Resta-me ainda confiar-te os meus últimos pensamentos. Teria querido escrevê-los desde o começo do processo, mas, além de não me deixarem escrever, as coisas foram tão rápidas que não haveria tempo para isso.
Morro na religião católica, apostólica e romana, que foi a de meus pais, em que fui criada e que professei sempre. Não penso vir a ter qualquer consolação espiritual, porque não sei se há ainda aqui alguns padres dessa religião. E mesmo o lugar em que estou expô-los-ia muito se aqui entrassem alguma vez.


Maria Antonieta, com as mãos amarradas atrás das costas, foi conduzida pelas ruas de Paris até ao cadafalso. A seu lado, o padre Girard, cujo estatuto religioso ela não reconheceu por ele ter prestado juramento à República.

Peço sinceramente perdão a Deus de todas as faltas que cometi desde que existo; espero que, na Sua bondade, Ele se dignará receber os meus últimos votos, assim como os que faço há muito tempo, para que Ele queira receber a minha alma na Sua misericórdia e bondade.
Peço perdão a todos os que conheço e particularmente a ti, minha irmã, de todas as mágoas que, sem querer, te tenha podido causar. Perdoo a todos os meus inimigos o mal que me têm feito. Digo aqui adeus a minhas tias e a todos os meus irmãos e irmãs.
Eu tinha amigos. A ideia de ser separada deles para sempre e a consciência da sua dor são um dos maiores desgostos que levo ao morrer; e que eles saibam, ao menos, que pensei neles até ao último momento.


A rainha no cadafalso.

Adeus, minha boa e terna irmã; possa esta carta chegar-te às mãos! Pensa sempre em mim; abraço-te de todo o coração, bem como aos meus pobres e queridos filhos. Meu Deus, como é terrível deixá-los para sempre!
Adeus, adeus; vou agora ocupar-me só dos meus deveres espirituais. Como não sou livre nos meus actos, talvez me tragam um padre; mas protesto aqui que não lhe direi uma palavra, e que o tratarei como uma pessoa absolutamente estranha".


A execução da rainha de França

Nota final


Esta derradeira carta de Maria Antonieta faz sobressair um perfil bastante diverso daquele que lhe foi sendo criado pela propaganda revolucionária e por alguns elementos da sua própria família (do lado francês), atribuindo-lhe comportamentos que nunca teve e frases que jamais disse. E demonstra a força inesperada de um carácter que, na sua miséria e por entre humilhações cruéis, ela tudo fez para manter nas últimas horas que viveu.

Fustigada por emoções brutais que, alterando-lhe o processo fisiológico normal, lhe provocaram grandes perdas de sangue durante a madrugada, ela achava-se em grave estado de fraqueza quando amanheceu. Não obstante, ingeriu apenas uma pequena porção do caldo que lhe foi levado pela criada do carcereiro. Foi também esta criada que, colocando-se à sua frente, permitiu que ela se lavasse e vestisse com algum decoro, protegida da curiosidade morbidamente ofensiva dos guardas ali presentes.

Estando carregada de luto pela morte do seu marido, executado havia nove meses, proibiram-na de que assim continuasse, pois isso poderia "irritar o povo". Ela envergou então o vestido branco com que enfrentaria a morte. Mandaram-lhe depois um padre, Girard, o qual, para se salvar dos furores revolucionários, tinha oportunamente jurado fidelidade à República: por isso, Maria Antonieta não só recusou confessar-se-lhe como dispensou todo o conforto espiritual que ele pretendesse oferecer-lhe. Quando Girard lhe perguntou se ao menos o deixava acompanhá-la até ao cadafalso, ela retorquiu-lhe que fizesse como entendesse. E ele optou por seguir com ela.

Às onze horas da manhã vieram buscá-la à prisão. De mãos atadas atrás das costas, fizeram-na subir para uma carreta puxada por um cavalo, sentando-a numa tábua apoiada nos varais. A seu lado, cabisbaixo e taciturno, Girard. Ao longo do percurso, a multidão expectante. Para muitos, ela continuava a ser a odiada "austríaca" e manifestavam-no com impropérios. Mas em nenhum momento deu sinal de fraqueza. O historiador Stefan Zweig foi porventura quem melhor descreveu a rainha nesta curta mas dramática viagem:

"O rosto pálido e calmo de Maria Antonieta não revela o menor medo ou sofrimento perante os curiosos que se alinham, apertando-se à sua passagem. Concentra toda a sua força de alma para ter coragem até ao fim, e é em vão que os seus mais encarniçados inimigos a espiam para lhe surpreender um momento de fraqueza ou desânimo (...) O seu rosto é de bronze: parece que nada ouve, que nada vê. As mãos atadas atrás das costas fazem com que levante a nuca um pouco mais. As pupilas olham a direito, em frente, e nenhuma das imagens vivas da rua penetram nos seus olhos, que a morte interiormente já possui. Nenhum tremor lhe agita os lábios, nenhum estremecimento lhe percorre o corpo; vai ali, na carreta, altiva e desdenhosa, perfeitamente senhora de si (...)."

À chegada, foi com a mesma fria dignidade e infinita coragem que a rainha enfrentou o vulto sinistro do cadafalso. Sem aceitar o auxílio de ninguém, subiu rapidamente os degraus como se tivesse pressa de deixar o mundo. Deixou-se conduzir e preparar pelos carrascos quase com indiferença. Quando a lâmina fatal finalmente desceu sobre ela, escutou-se na praça um rugido selvagem: Viva a República!

A corajosa conduta de Maria Antonieta, sem qualquer vestígio de tibieza ou terror, exasperou os seus maiores inimigos. Um deles, o odioso Jacques Hébert, dedicou-lhe no dia seguinte um artigo no jornal revolucionário Père Duchesne: apelidou-a de "desavergonhada" e deu livre curso à frustração que sentia: "ainda por cima foi audaciosa e insolente até ao fim!"

Ironia dos meandros revolucionários: sem que o furioso Hébert pudesse suspeitar disso, ele próprio percorreria, dentro de cinco meses, o mesmo percurso de Maria Antonieta, para também ele se encontrar com a terrível guilhotina. Destino idêntico estaria reservado, num curto espaço de tempo, aos que, de uma forma ou de outra, mais haviam contribuído para a condenação da rainha de França: Madame Roland, Robespierre, Danton, Fouquier-Tinville...

Túmulos e memorial de Luís XVI e de Maria Antonieta.
Basílica de Saint-Denis, Paris, França.