Há sessenta anos, no dia 4 de Junho de 1960, a escritora brasileira Rachel de Queiroz (1910-2003) deixou na revista O Cruzeiro o seguinte testemunho ajuramentado sobre o tema em apreço - algo de insólito que ela teve oportunidade de observar no seu Ceará natal (respeita-se a ortografia original):
"Hoje não vou fazer uma crônica como as de todo dia; hoje, quero apenas dar um
depoimento. Deixem-me afirmar, de saída, que nestas linhas abaixo não digo
uma letra que não seja estritamente a verdade, só a verdade, nada mais que
a verdade, como um depoimento em Juízo, sob juramento. Escrevo
do sertão, onde vim passar férias. E o fato que vou contar aconteceu ontem,
dia 13 de maio de 1960, na minha fazenda “Não me Deixes”,
Distrito de Daniel de Queiroz, município de Quixadá, Ceará. *****
Seriam
seis e meia da tarde; aqui o crepúsculo é cedo e rápido, e já escurecera de
todo. A Lua iria nascer bem mais tarde e o céu estava cheio de estrêlas.
Minha
tia Arcelina viera da sua fazenda Guanabara fazer-me uma visita, e nós
conversávamos as duas na sala de jantar, quando um grito de meu marido nos
chamou ao alpendre, onde êle estava com alguns homens da fazenda. Todos
olhavam o céu.
Em
direção norte, quase noroeste, a umas duas braças acima da linha do
horizonte, uma luz brilhava como uma estrêla grande, talvez um pouco menos
clara do que Vésper, e a sua luz era alaranjada. Era essa luz cercada por
uma espécie de halo luminoso e nevoento, como uma nuvem transparente
iluminada, de forma circular, do tamanho daquela “lagoa” que às vêzes cerca a Lua. *****
E
aquela luz com o seu halo se deslocava horizontalmente, em sentido do
leste, ora em incrível velocidade, ora mais devagar. Às vêzes mesmo se
detinha; também o seu clarão variava, ora forte e alongado como essas
estrêlas de Natal das gravuras, ora quase sumia, ficando reduzido apenas à
grande bola fôsca, nevoenta. E essas variações de tamanho e intensidade
luminosa se sucediam de acôrdo com os movimentos do objeto na sua
caprichosa aproximação. Mas nunca deixou a horizontal. Dêsse modo andou êle
pelo céu durante uns dez minutos ou mais. Tinha percorrido um bom quarto do
círculo total do horizonte, sempre na direção do nascente; e já estava
francamente a nordeste, quando embicou para a frente, para o norte, e
bruscamente sumiu, - assim como quem apaga um comutador elétrico. *****
Esperamos
um pouco para ver se voltava. Não voltou. Corremos, então, ao relógio: eram
seis e três quartos, ou seja, 18.45. Pelo menos umas vinte pessoas estavam
conosco, no terreiro da fazenda, e tôdas viram o que nós vimos.
Trabalhadores que chegaram para o serviço, hoje pela manhã, e que moram a
alguns quilômetros de distância, nos vêm contar a mesma coisa.
Afirmam
alguns dêles que já viram êsse mesmo corpo luminoso a brilhar no céu,
outras vêzes, - nos falam em quatro vêzes. Dizem que nessas aparições a luz
se aproximou muito mais, ficando muito maior. Dizem, também, que essa luz
aparece em janeiro e em maio - talvez porque nesses meses estão mais
atentos ao céu, esperando as chuvas de comêço e de fim de inverno. *****
Que
coisa seria essa que ontem andava pelo céu, com a sua luz e o seu halo? Acho que, para a definir, o melhor é recorrer à expressão já cautelosamente
oficializada: objeto voador não identificado. Mas não afirmo.
Porém, isso êle era. Não era uma estrêla cadente, não era avião, não, de
maneira nenhuma, coisa da Natureza - com aquela deliberação no vôo, com
aquêles caprichos de parada e corrida, com aquêle jeito de ficar peneirando
no céu, como uma ave. Não, dentro daquilo, animando aquilo, havia uma coisa
viva, consciente.
E não
fazia ruído nenhum.
Poderia
recolher os testemunhos dos vizinhos que estão acorrendo a contar o que
assistiram: o mesmo que nós vimos aqui em casa. A bola enevoada feito uma
lua, e no meio dela uma luz forte, uma espécie de núcleo, que aumentava e
diminuía, correndo sempre na horizontal, e do poente para o nascente. *****
Muita
gente está assombrada. Um parente meu conta que precisou acalmar
enèrgicamente as mulheres que aos gritos de “Meu Jesus, misericórdia!” caíam de joelhos no chão, chorando. Sim, em
redor de muitas léguas daqui creio que se podem colhêr muitíssimos
testemunhos. Centenas, talvez.
Mas
faço questão de não afirmar nada por ouvir dizer. Dou apenas o meu
testemunho. Não é imaginação, não é nervoso, não são coisas do
chamado “temperamento artístico”. Sou uma mulher calma, céptica, com lamentável
tendência para o materialismo e o lado positivo das coisas. Sempre me
queixo da minha falta de imaginação. Ah, tivesse eu imaginação, poderia
talvez ser realmente uma romancista. Mas o caso de ontem não tem nada
comigo, nem com o meu temperamento, com minhas crenças e descrenças. Isso
de ontem EU VI."
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