quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Pizarro e a Conquista Espanhola do Peru (4.ª e última parte)


(Extraído da obra de William H. Prescott  History of the Conquest of Peru, With a Preliminar View of the Civilization of the Incas - New York - 1843)
(Tradução e adaptação da Torre da História Ibérica)

Continuação de:

1.ª parte (06-Fevereiro-2019) (ver aqui)
2.ª parte (14-Fevereiro-2019) (ver aqui)
3.ª parte (21-Fevereiro-2019) (ver aqui)

"Pizarro não deu inicialmente ouvidos às terríveis sugestões acerca da sorte do Inca, ou, pelo menos, assim o aparentou, mostrando uma visível repugnância em sacrificar o prisioneiro. Havia muito poucos que o acompanhassem em semelhante atitude, e entre eles contava-se Hernando de Soto, que considerava injusto um tal desenlace, por não estar provado o crime de Atahualpa.
Neste estado de coisas, o chefe espanhol decidiu enviar um pequeno destacamento a Guamachucho, para reconhecer o país e averiguar o que havia de verdade nos rumores da insurreição.
Após a partida do destacamento a agitação entre os soldados cresceu de tal forma que Pizarro, não conseguindo resistir à pressão, consentiu que se preparasse o julgamento de Atahualpa. Era decerto decoroso e mais seguro emprestar ao assunto uma aparência de isenção. Organizou-se um tribunal a que presidiram como juízes os dois capitães, Pizarro e Almagro. Nomeou-se um fiscal e concedeu-se um defensor ao prisioneiro.


Eram doze as acusações formuladas contra o Inca. As mais importantes eram a de que havia usurpado a coroa e assassinado o seu irmão Huascar; além disso, havia dissipado as rendas públicas desde a conquista do país pelos espanhóis, dotando com elas os seus parentes e favoritos; acusavam-no também dos crimes de idolatria e de adultério, vivendo publicamente casado com muitas mulheres; apontavam-lhe, por último, que tinha tratado de sublevar os seus vassalos contra os espanhóis.
Estas acusações, muitas das quais se referiam aos costumes do país ou às relações pessoais do Inca – sobre que os invasores espanhóis não possuíam qualquer jurisdição -, eram absurdas. A única a ter alguma importância, se fosse verdadeira, era a última, mas a sua debilidade era tamanha que os julgadores se viram na necessidade de acrescentar-lhe as outras. O artifício indicia que estava já decidida a morte do Inca.

Foram ouvidos alguns testemunhos índios, e as suas declarações, quando passaram pelo crivo da interpretação de Felipillo (um natural da terra que odiava Atahualpa), sofreram graves deturpações, ao sabor dos interesses dos invasores. Rapidamente se concluiu a audição das testemunhas, a que se seguiu uma discussão acalorada acerca das vantagens e das desvantagens que resultariam da morte do Inca.
A questão era de mera conveniência. Por fim declararam-no culpado, não sabemos se de todos os crimes que lhe eram atribuídos, e foi condenado a ser queimado vivo na grande praça de Caxamalca; a sentença deveria executar-se naquela mesma noite, sem sequer se esperar o regresso do destacamento enviado a Guamachucho, cujas informações poderiam confirmar ou desmentir os rumores relativos à insurreição dos índios.
Como fosse julgada necessária a aprovação do padre Valverde, apresentou-se-lhe uma cópia da sentença para que a assinasse, o que ele fez sem vacilações, declarando que, em sua opinião, o Inca merecia em qualquer caso a morte.



Houve, sem embargo, alguns presentes no tribunal que manifestaram a sua discordância acerca destas acções arbitrárias, considerando-as como uma enorme ingratidão para com os favores recebidos do Inca, o qual só tinha sofrido agravos em troca. Declararam que os testemunhos acusatórios eram insuficientes para uma condenação daquelas, e negaram que o tribunal reunisse autoridade para sentenciar um príncipe soberano no centro dos seus próprios domínios. Havendo necessidade de um julgamento, sustentavam eles, o prisioneiro deveria ser embarcado para Espanha e julgado ante o Imperador, único ser que possuía o direito de decidir a sua sorte.
Porém, a grande maioria dos presentes, que era de dez contra um, respondeu a estas objecções afirmando que estava convencida do crime de Atahualpa, e que tomava sobre si a responsabilidade do acto. A disputa subiu de tom a ponto de quase se ter verificado uma violenta ruptura. Mas, por fim, convencidos de que a resistência seria inútil, os opositores remeteram-se ao silêncio, limitando-se a elaborar um protesto escrito contra os procedimentos em curso, que deveriam deixar uma mancha indelével sobre os que neles tomassem parte.

Quando Atahualpa, o Inca, recebeu a notícia da sentença, manifestou grande desgosto e angústia, pois, apesar de nos últimos tempos desconfiar de que o pudessem condenar à morte, havia mantido um fio de esperança quanto à atitude dos captores. Por um instante a certeza do seu trágico destino debilitou-lhe o ânimo e fê-lo exclamar, de lágrimas nos olhos: Que fiz eu, que fizeram os meus filhos para merecer tal sorte? E, sobretudo, que fizemos para merecê-la das tuas mãos – acrescentou, dirigindo-se a Pizarro – quando tu não achaste mais do que amizade e afecto no meu povo, quando reparti contigo os meus tesouros, quando de mim não recebeste senão benefícios? Depois, em tom dramático, suplicou que lhe perdoassem a vida, prometendo dar todas as garantias que se lhe exigissem para segurança de todos os espanhóis que compunham o exército e oferecendo o dobro do resgate que já havia pago se lhe dessem tempo para reuni-lo.
Uma testemunha ocular assegura que Pizarro se manifestou visivelmente afectado ao separar-se do Inca, a cujos rogos não podia aceder porque isso significaria opor-se à vontade do exército e à sua própria convicção de que a desaparição do Inca era indispensável à pacificação do país.
Atahualpa, vendo que não conseguia dissuadir o conquistador, recobrou a sua habitual serenidade e desde aquele momento submeteu-se ao seu destino com a atitude e o valor de um guerreiro índio.

Publicou-se a sentença do Inca, ao som das trombetas, na grande praça de Caxamalca. E, duas horas depois de o sol se pôr, os soldados reuniram-se ali, empunhando tochas, para presenciarem a execução.
Era o dia 29 de Agosto de 1533. Atahualpa saiu a pé, preso por cadeias de ferro, em direcção ao local do suplício. O padre Vicente de Valverde seguia a seu lado procurando consolá-lo e realizando uma derradeira tentativa de que ele desistisse das suas crenças supersticiosas e abraçasse a religião dos vencedores; tudo porque pretendia salvar a alma da sua vítima no Além, ele que tão espontaneamente o havia condenado a tão terrível expiação neste mundo terreno.




Durante a prisão de Atahualpa o padre Valverde havia-lhe exposto repetidas vezes as doutrinas do cristianismo, e o monarca índio, escutando-o embora com paciência, não se mostrara nunca disposto a renunciar às crenças dos seus antepassados. Agora, contudo, na hora solene e terrível da execução, o padre dominicano jogou o último lance. Com Atahualpa já amarrado para o suplício, tendo ao redor as tochas que haviam de incendiar a sua pira funerária, Valverde, erguendo a cruz, rogou-lhe que se convertesse e que se deixasse baptizar: se o fizesse, a horrorosa sentença da fogueira seria comutada na pena mais suave do garrote.

O desditoso monarca perguntou se era mesmo verdade o que se lhe dizia, e, tendo obtido a confirmação de Pizarro, consentiu em abjurar da sua religião e em receber o baptismo. A cerimónia foi levada a cabo pelo padre Valverde e o neófito recebeu o nome de Juan de Atahualpa, em honra de S. João Baptista, em cujo dia se verificou aquele sucesso.
Atahualpa manifestou desejo de que os seus restos fossem trasladados para Quito, sua terra natal, para que fossem conservados com os dos seus antepassados por linha materna. Depois, volvendo-se para Pizarro, pediu-lhe como último favor que tivesse compaixão dos seus jovens filhos e os acolhesse à sua protecção e amparo.
Depois, recuperando a serenidade habitual, que por instantes o havia abandonado, submeteu-se tranquilamente à sua sorte, enquanto os espanhóis que o rodeavam entoavam o credo pela salvação da sua alma.
Assim pereceu o último dos Incas – como se se tratasse de um vulgar malfeitor.

O corpo do Inca permaneceu no local da execução durante toda a noite. Na manhã seguinte levaram-no para a igreja de S. Francisco, erigida pelos conquistadores, onde se celebraram as exéquias com grande solenidade.
Pizarro e os principais cavaleiros assistiram de luto, e as tropas escutaram com devota atenção o ofício de defuntos celebrado pelo padre Valverde. A cerimónia foi interrompida por gritos e choros vindos das portas do templo, que se abriram repentinamente, dando entrada a um numeroso grupo de índias – esposas e irmãs do falecido. Invadindo a grande nave, cercaram o corpo dizendo que não era aquele o modo correcto de celebrar os funerais de um Inca, e declarando-se dispostas a sacrificar-se sobre a sua tumba para o acompanharem no país dos espíritos.
Os circunstantes, ofendidos com tal procedimento, informaram as invasoras de que Atahualpa havia morrido cristão e de que o seu novo Deus aborrecia tais sacrifícios. Depois intimaram-nas a que saíssem da igreja, e muitas delas, ao retirarem-se, suicidaram-se na esperança de acompanhar o seu amado senhor nas brilhantes mansões do Sol.


Os restos de Atahualpa, não obstante a súplica que havia feito, foram depositados no cemitério de S. Francisco. Mas correu mais tarde que os índios, mal os espanhóis saíram de Caxamalca, o trasladaram em segredo para Quito.
Os colonos que posteriormente ali se estabeleceram supunham que tinham sido enterradas com o Inca algumas riquezas.
Efectuaram escavações – mas não acharam nem o corpo nem tesouros."

(FIM DA 4.ª E ÚLTIMA PARTE)

1 comentário:

Silva Júnior disse...

Pobre Atahualpa! Mas é a história, tantas vezes sinistra, dos grandes impérios...