sábado, 19 de junho de 2021

THOR HEYERDHAL e a espantosa viagem da jangada "KON-TIKI" (3.ª Parte - Monstros e tubarões)

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Tubarões!

 
"Não decorrera ainda muito tempo de viagem quando o primeiro tubarão nos visitou.  Depois, as visitas tornaram-se uma ocorrência quase quotidiana. As mais das vezes seguiam na nossa esteira, logo atrás do remo de direcção, ali permanecendo sem tugir nem mugir, passando furtivamente de estibordo para bombordo e, vez por outra, dando uma rabanada mansa para acompanhar o plácido avanço da jangada.
 
Se o mar estava encapelado, as ondas eram capazes de erguer o peixe bem acima do nosso nível. Tínhamos então uma vista directa, lateral, do tubarão - como se este se achasse encerrado numa redoma de vidro -, quando ele nadava no nosso rumo, com porte majestoso, e precedido da sua escolta de peixes-pilotos, bem à frente das suas mandíbulas.
Por alguns segundos, parecia que não só o tubarão mas também os seus companheiros iriam entrar a bordo, mas a jangada inclinava-se, graciosamente, para sotavento, erguia-se sobre a crista das ondas e baixava do outro lado.
 
Na realidade, tínhamos grande respeito pelos tubarões, devido à sua fama e à sua aparência assustadora. Havia uma força indomável naquele corpo aerodinâmico, um grande feixe de músculos de aço, com os olhinhos verdes de gato e as imensas mandíbulas.
Quando o timoneiro gritava tubarão a estibordo! ou tubarão a bombordo!, costumávamos sair à procura de arpões e fateixas e postávamo-nos ao longo da beira da jangada. O nosso respeito pelo animal crescia quando víamos as fateixas vergar como esparguetes ao baterem contra a lixa do dorso do peixe, ao passo que as pontas dos arpões se rompiam no aceso da batalha, durante a qual a água fervia ao redor de nós e o animal lograva soltar-se e lá se ia embora.
 
Para salvar a ponta do nosso último arpão, amarrámos, num feixe, os nossos maiores anzóis e escondemo-los no interior da carcaça de um dourado. Atirámos o isco ao mar com infinitas precauções, depois de havermos amarrado algumas linhas de aço no parapeito da jangada.
O tubarão aproximou-se, confiado e vagaroso, e ao mesmo tempo que levantava o focinho acima da água, abriu de golpe as grandes mandíbulas em forma de crescente e fez resvalar por elas dentro o dourado inteiro.
 
Houve então uma batalha durante a qual o tubarão vergastava a água espumante, mas nós segurávamos a corda com muita firmeza, e a custo arrastámos o animal até aos toros posteriores, onde abriu a boca como para nos intimidar com as filas paralelas de uns dentes que pareciam serrotes.

Então aproveitámos uma onda mais forte para fazer o tubarão deslizar, suspendendo-o pela extremidade mais baixa dos toros, escorregadia por causa das algas, e, depois de laçar com uma corda a barbatana caudal, puxámo-lo facilmente para bordo. Na cartilagem do nosso primeiro tubarão achámos a ponta do arpão. Estava tudo terminado.
 
 
 
 

O monstro
 

 Estávamos a 24 de Maio e vogávamos num mar calmo. Era quase meio-dia e acabávamos de deitar à água as tripas de dois grandes dourados que tínhamos pescado de manhã cedo. Eu dava um refrescante mergulho junto à proa, preso à ponte por uma corda, quando avistei um grosso peixe pardo que vinha na minha direcção. De um pulo, galguei a beira da jangada e sentei-me ao sol quente observando o peixe que passava tranquilamente, quando ouvi um formidável berro de Knut: Tubarão!

Como quase diariamente víamos, sem tamanho estardalhaço, tubarões nadando ao lado da jangada, compreendemos que se devia tratar de um novo espécime e reunimo-nos todos na popa para o observar.
 
Avistámos a cabeça de um verdadeiro monstro marinho, tão descomunal e horroroso que o próprio Neptuno, surgindo com o seu tridente dos abismos do oceano, não nos faria impressão maior. A cabeça era larga e chata como a de uma rã, com dois olhinhos de cada lado e uma mandíbula de sapo, de 1,20 m ou 1,50 m de largura, e com longas franjas a penderem-lhe dos cantos da boca. Atrás da cabeça, estendia-se um enorme corpo terminando em comprido e fino rabo  com uma pontuda barbatana caudal erecta, a provar que aquele monstro não era nenhuma espécie de baleia.

Tratava-se, na realidade, de um tubarão-gigante [tubarão-baleia], o maior peixe hoje conhecido no mundo. Possui, em média, 15 m de comprimento e, segundo os zoólogos, chega a pesar 15 toneladas. Mas dizem que alguns espécimes podem atingir os 20 m.
 
O monstro era tão grande que, quando começou a nadar descrevendo círculos,  em redor de nós e sob a jangada, a sua cabeça podia ser vista de um lado enquanto a cauda inteira avultava do outro. Repetidas vezes descreveu círculos cada vez menores sob a jangada, enquanto nós aguardávamos o que podia acontecer. Ao sair da outra banda, deslizou lentamente sob o remo de direcção e ergueu-o no ar, enquanto a pá do remo resvalou ao longo do seu dorso.
 
Não havia indício de que o tubarão-gigante pensasse em nos deixar; fazia círculos e mais círculos e seguia-nos como um cão fiel, perto da jangada. Afinal, aquilo afigurou-se demasiado irritante para Erik, que estava de pé empunhando um arpão de 2,40 m. Quando o tubarão-gigante veio deslizando vagarosamente na direcção dele, Erik, com toda a sua força gigantesca, arremessou o arpão que foi cravar-se na cabeça cartilaginosa do animal. Então, repentinamente, o plácido lorpa transformou-se numa montanha de músculos de aço.
 
Ouvimos um ruído sibilante quando a linha do arpão passou violentamente sobre a beira da jangada, e vimos um cascatear de água quando o monstro ergueu alto a cabeça para logo depois mergulhar nos abismos. Os três homens que se achavam mais perto foram atirados de pernas para o ar, e dois deles ficaram esfolados e queimados pela linha que fendia o ar. A linha grossa, com resistência suficiente para amarrar um bote, partiu-se como um pedaço de cordel, e uns segundos depois um arpão quebrado surgiu à tona da água a mais de 180 metros de distância. Ficámos longo tempo à espera de que o monstro voltasse como um submarino furioso; mas nunca mais vimos nenhum vestígio dele."
 


(Conclui em 23-Junho-2021 - 4.ª Parte - aqui)

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