sábado, 8 de maio de 2021

A estranha amizade de Adolf Hitler e Bernhardine Nienau, a menina judia...


...ou a inesperada versão nazi de A Bela e o Monstro.


Hitler com Bernhardine no Berghof, sua residência nos Alpes bávaros, perto de Berchtesgaden.
Dois meses depois, ele enviou esta foto à menina de sete anos com a seguinte dedicatória:
À querida e apreciada Rosa Nienau. Adolf Hitler, 16 de Junho de 1933.

 
Bernhardine Nienau, também conhecida como Rosa "Bernile" Nienau, foi uma criança alemã, nascida em Dortmund a 20 de Abril de 1926 (dia de aniversário de Hitler).
Tal como milhares de outras crianças, Bernile, acompanhada por sua mãe (Karoline, uma enfermeira viúva), fazia parte das multidões que se aglomeravam à entrada do Berghof na esperança de avistar ou cumprimentar pessoalmente o político então na moda.

Hitler conheceu Bernile numa dessas ocasiões - precisamente a 20 de Abril de 1933, dia em que perfazia 44 anos. Ficou encantado com a coincidência de a menina completar na mesma data o 7.º aniversário e apreciou, sobretudo, a espontaneidade, a simpatia e o à-vontade da criança, nada intimidada ou constrangida diante dele.

Isso valeu a Bernile um convite imediato para visitar a residência e deliciar-se com as guloseimas oferecidas pelo amável anfitrião. Foi o começo de uma bela amizade, que duraria cerca de cinco anos, e esses momentos memoráveis ficariam eternizados nas películas de Heinrich Hoffmann, fotógrafo oficial do ditador.

Serviço de guloseimas no Berghof e convívio de Hitler com Bernile Nienau.

Tal como gostam de fazer todos os políticos e, em particular, os ditadores, não era raro que Adolf Hitler se fizesse fotografar na companhia de crianças, trunfo importantíssimo para a definição de uma face mais humanizada dos poderosos. 

O que existe de verdadeiramente surpreendente na súbita e comprovadamente sincera amizade de Hitler por Bernile é o facto de ela possuir ascendência judaica (por parte da avó materna) e de ele ter sido prevenido disso pelos colaboradores mais próximos.

Toda a gente sabia do ódio visceral e implacável do ditador pelos judeus, que ele há muito considerava meros parasitas na sociedade alemã. O futuro não tardaria a revelar a horrenda expressão desse ódio, com seis milhões de seres humanos exterminados em execuções a tiro ou nas câmaras de gás. Desse total, um milhão seriam crianças...

Contudo, contra o que seria de esperar, o ditador ignorou os reparos e manteve a ligação com a menina. E Bernile, cujo pai falecera dois meses antes de ela nascer, passou a chamar-lhe tio Hitler, tal como faziam, por exemplo, os filhos de Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazi.

Aos que lhe recordavam a ascendência "manchada" da pequena Bernile, o ditador retorquia que isso não tinha importância e que, da sua parte, se tratava apenas de uma simples questão de humanidade para com os sentimentos da criança. Com efeito, se Hitler nutria uma genuína afeição por Bernile, esta gostava visivelmente dele e demonstrou-o em inúmeras ocasiões.


Hitler e Bernile no Berghof.

Ninguém conseguiu explicar satisfatoriamente, até hoje, a particular inclinação de Hitler por Bernile, pois ele convivia amiúde com muitas outras crianças encantadoras e sem quaisquer problemas de "ascendências inconvenientes". Mas Bernile era, de longe, a sua preferida.

É provável que o ditador se tenha sentido atraído pela precocidade intelectual da menina, inteligente, desinibida e invulgarmente comunicativa. Por outro lado - as fotos o demonstram -, o aspecto físico de Bernile em nada correspondia aos estereótipos da raça judaica cruelmente ficcionados e divulgados pelos nazis nas suas acções de propaganda.

Pelo contrário, os cabelos loiros, os olhos claros e os traços fisionómicos poderiam facilmente enquadrá-la nos perversos e doentios padrões de superioridade rácica idealizados pelo nazismo. Ironicamente, se se recorrer a tais padrões, terá que se reconhecer que Bernile viera ao mundo com uma aparência bem mais germânica, ou ariana - seja o que for que isso possa significar -, do que a maioria dos dirigentes alemães da época...

Fosse como fosse, a amizade prosseguiu por cerca de cinco anos. Bernile e a mãe foram frequentemente convidadas a regressar ao Berghof, onde o convívio do ditador com a pequena amiga se renovava sem problemas.
Hitler e Bernile trocavam uma correspondência afectuosa (nos arquivos alemães foram preservadas 17 cartas dela para o chanceler alemão) e uma das missivas ilustra bem o grau de confiança existente entre eles: a menina informa o tio Hitler de que, à semelhança do que já fizera antes, está a tricotar-lhe meias de lã que lhe manterão os pés quentes quando ele viajar por regiões mais frias...

Hitler e Bernile (Berghof)

Os anos passaram e as perseguições aos judeus da Alemanha seguiram em crescendo. Em 1938, quando já haviam decorrido três anos sobre a criação das infames Leis de Nuremberga (que tornaram insuportável a vida dos judeus alemães - ver aqui), a ligação de Hitler e Bernile ainda se mantinha. Mas o ditador estava a ser pressionado pelos colaboradores mais próximos para pôr termo à mesma, uma vez que tal ligação era já do domínio público através das fotos de Heinrich Hoffmann.

O sinistro Martin Bormann parece ter tido um papel determinante no desfecho do caso, chamando a atenção para o escândalo que rebentaria se o povo alemão - legalmente forçado a afastar-se dos judeus - descobrisse a "perigosa" ascendência de Bernile.

Hoffmann queixou-se ao ditador de que o mesmo Bormann o tinha proibido de voltar a fotografá-lo com a criança. Além disso, fora expedida uma instrução para a mãe de Bernile, ordenando-lhe que doravante se abstivesse de contactar quaisquer líderes nazis, o que obviamente incluía o tio Hitler.


Bernhardine (Bernile) Nienau

Segundo o fotógrafo, o ditador terá desabafado na altura acerca do afastamento da menina: algumas pessoas têm um verdadeiro talento para dar cabo das minhas alegrias. Mas vergou-se às imposições das suas próprias políticas e cedeu às pressões: nunca mais se avistou ou contactou com a pequena amiga de outrora.

Bernile conheceria um fim trágico e precoce, mas não por culpa dos nazis. Tendo completado o curso de desenhadora técnica, faleceu de poliomielite, num hospital de Munique, em 5 de Outubro de 1943. Tinha, apenas, dezassete anos, e deve ter morrido sem nunca ter percebido bem por que razão se interrompera, tão abruptamente, a relação de amizade com o chanceler alemão. Este, por seu turno, pouco tempo lhe sobreviveria: cerca de ano e meio mais tarde, Hitler suicidar-se-ia no seu "bunker" de Berlim, cercado pelas ruínas de uma cidade devastada pelas bombas... (aqui)

Tanto quanto se sabe, a família de Bernile também não foi incomodada pelos nazis. Karoline, a sua mãe, faleceria  muito depois da guerra, a 26 de Julho de 1962.

2 comentários:

Maria-Não-Vai-Com-As-Outras disse...


Custa a entender como podia um monstro como Hitler sentir tanto afeto por esta criança.

Anónimo disse...


Será que o monstro tinha coração? Um restinho de bons sentimentos humanos?