Família imperial russa. Atrás, da esq. para a dir. - Maria, Tatiana e Olga. Fila do centro: czarina Alexandra, Nicolau II e Anastácia. À frente, sentado no chão: czarevitch Alexei. |
A sorte trágica da família imperial da Rússia – os Romanov, pertencentes a uma dinastia que se mantinha no poder há três séculos – ficou traçada em 1917, ano da revolução russa.
A bem dizer, o movimento
revolucionário teve dois momentos relevantes: no mês de Fevereiro (*) colocou
no poder um Governo Provisório, relativamente moderado, mas que foi o
suficiente para forçar o czar Nicolau II à abdicação; em Outubro (*), os
bolcheviques conseguiram derrubar o Governo Provisório e assenhorearam-se do poder
com o seu líder Vladimir Lenine, entrando-se num período de crescente
radicalização e de guerra civil (Lenine, exilado, só reentrara no país em Abril
de 1917, já depois da abdicação do czar).
(*) NOTA: As datas observam o calendário juliano, vigente na Rússia durante o período em questão; o calendário gregoriano, ou ocidental, que foi posteriormente adoptado pelos russos, tem mais 13 dias. Segundo este último, os dois momentos revolucionários ocorreram em Março e Novembro de 1917.
O czar Nicolau II (ao centro) visitando militares russos feridos na guerra. |
Do outro lado estavam os chamados Impérios Centrais, Alemanha e Áustria-Hungria, a que também se juntaram outros e poderosos aliados (como o Império Otomano).
A guerra, que vinha sendo mortífera
para os russos, provocou o caos nas cadeias de distribuição alimentar do país,
notando-se a falta ou a carência extrema de géneros essenciais, como o pão. Inflação
galopante, cuidados de saúde periclitantes, infraestruturas sanitárias
deficientes, condições de habitação deploráveis, tudo contribuiu para elevar, a
um nível explosivo, o descontentamento popular.
Se o regime político - uma
autocracia repressiva que tinha na cúpula o czar Nicolau II - não era popular
entre os cidadãos dos grandes centros urbanos, mais impopular se tornou com o
acentuar das dificuldades quotidianas.
Bastaria uma faísca para que tudo
se precipitasse.
O dia 23 de Fevereiro de 1917 ficou a assinalar o começo da revolução que destruiria, em cerca uma semana, a dinastia tricentenária dos Romanov, e que projectaria a Rússia, e o resto do mundo, para caminhos inteiramente novos.
Nesse dia, estavam previstas na capital, Petrogrado (São Petersburgo), diversas comemorações do Dia Internacional da Mulher, uma data memorável para todos os socialistas. Não estavam convocadas greves nem manifestações políticas violentas. Esperavam-se, ao invés, desfiles de celebração da data, comícios, discursos e uma difusão de panfletos que se adivinhava mais ou menos inofensiva.
Subitamente, na manhã desse 23 de
Fevereiro, brilhou enfim a faísca revolucionária. Um grupo de mulheres trabalhadoras da indústria têxtil foi contra as ordens recebidas e resolveu
entrar em greve. Fez mais do que isso, enviando representantes aos operários
metalúrgicos em busca de apoio e solidariedade. Eles aderiram e engrossaram os
efectivos grevistas. Outros apoios surgiram, e estima-se que, nesse dia 23,
estiveram em greve um pouco menos de 100.000 operários.
Revolução nas ruas (2) |
Nos dias seguintes, a onda cresceu - mais de 200.000 grevistas - e as ruas transbordaram de manifestantes. Mais do que os gritos de “Queremos Pão!”, faziam-se ouvir outros como “Abaixo a Autocracia!” e, significativamente, “Abaixo a Guerra!”. A Avenida Nevsky, a principal de Petrogrado, foi inundada por operários que entoavam canções revolucionárias, seguidos de estudantes e de cidadãos da classe média.
A polícia e alguns corpos de soldados foram enviados para conter a multidão. Mas, apesar de se terem registado vítimas mortais de um lado e do outro, não se verificou nenhum choque frontal, de que teriam resultado consequências bem mais nefastas. Surpreendentemente, muitos elementos do exército entraram em diálogo com os manifestantes e alguns passaram deliberadamente para o lado destes.
Por outro lado, os cossacos – que
tinham sido sempre o escudo e a guarda pretoriana do regime czarista – não intervieram
com a violência esperada, e, nalguns casos, permitiram mesmo que alguns
manifestantes se infiltrassem nas suas fileiras e falassem com eles. Tendo
reagido tarde e mal, as autoridades mais conscientes pressentiram que a onda
era imparável. Vários regimentos do exército amotinaram-se para logo se juntarem
às multidões que pejavam as ruas.
Em 27 de Fevereiro, na Duma
(parlamento), formou-se o Governo Provisório e reuniu-se, em paralelo, o
Soviete dos Operários e Soldados, bastante mais radical (o poder passou assim a exibir
duas cabeças, nem sempre concordantes).
No dia seguinte, 28, foram presos
os ministros czaristas.
Nicolau II |
Tudo indica que Nicolau II só muito tardiamente se apercebeu da gravidade da situação, provavelmente iludido pelas informações de alguns dos seus ministros, que davam como controlada a situação em Petrogrado.
Quando a dura realidade lhe tombou sobre os ombros, o czar compreendeu que tinha chegado ao fim da linha. Pressionado
pelos seus próprios generais e por alguns dos seus antigos partidários, resolveu
abdicar.
Era o dia 2 de Março de 1917 (rever nota acima) e ele encontrava-se no comboio de regresso, em Pskov.
Num primeiro momento procurou abdicar no filho, Alexei, mas a realidade da grave doença deste (hemofilia) fê-lo retroceder e procurar transferir o poder para o seu irmão, Mikhail Romanov. No dia seguinte, 3 de Março, este não aceitou o gesto de Nicolau – que, de qualquer modo, seria certamente ignorado pelos revolucionários.
Nessa altura, a czarina Alexandra
estava, com os filhos, no Palácio de Alexandre, em Tsarskoe Selo, uma
residência rural dos Romanov situada nas proximidades de Petrogrado.
Brasão dos Romanov |
Os Romanov talvez não avaliassem ainda, com total consciência, o significado do que ocorrera nos derradeiros dias. Mas, para eles, o destino próximo seria o cativeiro, mais ou menos atenuado.
As sucessivas etapas conduzi-los-iam a situações cada vez mais penosas e ameaçadoras, embora nunca pareça ter-lhes ocorrido o quanto era precária a sua própria sobrevivência física.
Tsarskoe Selo, Tobolsk e,
finalmente, Ecaterimburgo, foram os apeadeiros que os levariam, em cerca de dezasseis meses, a muitas
provações e a uma morte horrenda.
Nesse tempo, os bolcheviques
estavam ainda longe do poder.
Lenine, ainda que com renovadas esperanças revolucionárias, continuava no estrangeiro, onde se tinha exilado. Regressaria no seguinte mês de Abril.
(Continua em 7 de Outubro de 2020)
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