Continuação de:
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Por esta altura já não se discutia entre os Espanhóis sobre a necessidade de uma fuga urgente da cidade: interessava-lhes somente escolher o momento e a forma de a concretizar. No conselho de guerra que convocou, Cortés decidiu que a retirada começaria por volta da meia-noite de 30 de Junho, pelo caminho de Tlacopan (calçada de Tacuha). Para ultrapassar os vários cortes que os Astecas tinham feito nos passadiços que atravessavam o lago, ele ordenara a construção de uma ponte portátil de madeira, que um grupo de homens previamente designado transportaria, de corte em corte, à medida que o exército fosse progredindo. O objectivo consistia em alcançar o território aliado de Tlaxcala, para aí recuperar forças e preparar uma contra-ofensiva.
O comandante tratou em seguida do imenso tesouro acumulado ao longo da permanência em Tenochtitlán. O ouro fora transformado em barras, e a sua quantidade era tão grande que não seria possível transportá-lo na totalidade. Cortés reservou a sua parte, bem como o quinto devido à Coroa espanhola, e depois disse aos soldados que se apoderassem do que restasse. Mas recomendou que não exagerassem, para que não fossem estorvados pelo peso durante a marcha. Alguns seguiram o conselho, mas outros não - com destaque para os homens recrutados no exército de Narváez. Muitos deles pagariam cara a sua cobiça.
Dividindo as suas forças em três corpos, Cortés principiou a evasão à hora fixada, já no 1.º de Julho de 1520. A noite estava escura, chovia torrencialmente e a praça fronteira ao quartel achava-se deserta. Por isso, a primeira parte da marcha decorreu sem problemas. Repentinamente, quando a vanguarda dos fugitivos se achava já a meio caminho, soaram brados de alerta. Os Espanhóis, e os aliados Tlaxcaltecas, experimentaram então o inferno, e foi por isso que aquelas horas trágicas ficaram para sempre conhecidas como La Noche Triste (A Noite Triste).
Da obscuridade começou a elevar-se como que um longo sussurro, logo transformado numa gritaria de gelar o sangue. Servindo-se de canoas, milhares de Astecas surgiram então das águas do lago e, depois de descarregarem sobre os Espanhóis um dilúvio de pedras e flechas, treparam ao passadiço para lutarem corpo a corpo. Durante algum tempo, enquanto a ordem se pôde manter nas fileiras, os fugitivos foram aguentando o ataque. Mas cedo começaram os problemas. A ponte móvel, utilizada com sucesso no primeiro corte do passadiço, ficou enterrada no fundo do lago e não houve possibilidade de a fazer avançar para o segundo corte. E logo se instalou o pânico. Acometidos por guerreiros furiosos e sedentos de vingança, espanhóis e tlaxcaltecas já só pensavam em sobreviver. Os corpos de muitos deles juncavam o passadiço, misturados com os dos astecas. Canhões, arcabuzes, caixas de munições, bagagens, tesouros, tudo se foi perdendo na onda irreprimível, e muitos soldados cobiçosos acabaram afogados no lago sob o peso do ouro furtado em Tenochtitlán.
À custa de esforços sobre-humanos, e já com um número pavoroso de baixas, a vanguarda e o centro do exército invasor conseguiram alcançar as margens do lago. A retaguarda teve de retroceder para a cidade e aí pereceram todos, muitos deles sacrificados no templo.
Dona Marina (Malinche), a mulher e tradutora de Cortés, achava-se entre os sobreviventes. O comandante confiara a sua segurança a um destacamento de guerreiros tlaxcaltecas, que conseguiram milagrosamente fazê-la atravessar incólume por entre a confusão e a matança.
Diz-se que Cortés, já fora da cidade, com Malinche a seu lado, buscou descanso junto do tronco de uma árvore. Aí, ao ver passar os destroços do que fora um orgulhoso exército, deixou que as lágrimas lhe corressem pelo rosto. Não era para menos. Estatísticas credíveis, devidas ao seu capelão, traduzem com crueza a catástrofe daquela Noche Triste: tinham morrido cerca de 450 espanhóis e 4000 aliados tlaxcaltecas.
Para sorte dos Espanhóis, os Astecas, possivelmente retardados com o saque dos despojos, o enterro dos mortos e o sacrifício ritual dos prisioneiros, não os perseguiram de imediato. Todavia, ao sétimo dia de marcha para a segurança de Tlaxcala, depararam, nas planícies de Otumba, com milhares de índios decididos a finalizar o massacre iniciado em Tenochtitlán.
Cortés organizou como pôde as minguadas forças que lhe restavam, compostas por espanhóis e tlaxcaltecas, e dispôs-se a enfrentar aquele derradeiro obstáculo. A cavalaria, que ficara reduzida a cerca de vinte unidades depois das terríveis perdas na capital, conseguiu não obstante realizar prodígios, abrindo clareiras profundas nas filas compactas do inimigo. Mas Cortés foi de novo ferido, desta vez na cabeça.
Ao fim de umas horas ainda se combatia, e era a superioridade táctica dos Espanhóis, associada à sua disciplina, que lhes permitia prolongar o combate. No entanto, o exército inimigo era de tal forma numeroso, que seria quase impossível superá-lo. Cortés teve então uma inspiração. Avistando ao longe o cacique ou general inimigo - chamava-se Cihuaca e foi identificado pelo toucado de plumas, pela liteira em que se fazia transportar e pela bandeira dourada que simbolizava o seu comando -, resolveu transformá-lo no alvo principal. Chamando os seus melhores oficiais, como Alvarado, Olid, Sandoval e Ávila, todos a cavalo, pediu-lhes que o seguissem na investida. Cihuaca não teve nenhuma hipótese de evitar o ataque brutal. Cortés ultrapassou os que o guardavam e trespassou-o com a lança. Um jovem fidalgo, Juan Salamanca, desmontou rapidamente, acabou de liquidar o infeliz Cihuaca e arrebatou a bandeira de comando, que logo entregou a Cortés.
A notícia da morte do chefe índio, bem como a da perda da bandeira, logo se espalhou como um rastilho. Perdido o ânimo de combate, tomados de pavor, os índios puseram-se em fuga. Cortés ordenou a perseguição, e todos, Espanhóis e Tlaxcaltecas, se uniram numa matança impiedosa, que constituiu a primeira parte da vingança do que haviam padecido em Tenochtitlán.
Consumada a carnificina, os invasores dispersaram-se pelo campo de batalha coberto de cadáveres. Procuravam sobretudo os corpos dos chefes, por uma simples razão: como era habitual naquelas ocasiões, eles enfeitavam-se com as melhores jóias. Foi assim que os vencedores puderam recolher um espólio considerável.
Esta foi a célebre batalha de Otumba (ou de Otompan), travada em 7 de Julho de 1520. Após o triunfo, Cortés reuniu as suas destroçadas forças sob os estandartes vitoriosos e deu graças ao Senhor dos Exércitos. Depois puseram-se todos em marcha para Tlaxcala.
No ambiente hospitaleiro de Tlaxcala, Cortés e os seus comandados, agora reduzidos a um quinto do exército inicial, foram recuperando forças. Muitos pensavam que o comandante, face ao desastre sofrido em Tenochtitlán, desistiria do seu projecto. Mas não o conheciam bem. Obstinado, mais decidido do que nunca, ele empenhou-se em novos recrutamentos e na reorganização do exército.
Da colónia de Veracruz, que ele fundara e cujo controlo mantinha, começaram a chegar reforços. Alguns tinham sido enviados pelo governador de Cuba a Narváez, para que este concluísse a tarefa de meter Cortés na ordem. O governador, como é óbvio, ignorava o desaire sofrido pelo seu enviado. Os recém-chegados, inteirados da situação e seduzidos pelos relatos sobre as riquezas do território, não demoraram a passar-se para o lado do comandante.
Também atraídos pelo ouro a que poderiam deitar mão, chegaram aventureiros de proveniência diversa - e todos, ou quase todos, se deixaram entusiasmar pela contra-ofensiva que Cortés tinha em mente. Nos navios que aportavam a Veracruz vinham armas, cavalos e abastecimentos, e tudo isso foi convergindo para Tlaxcala.
O comandante providenciou o fabrico dos elementos necessários à construção de embarcações. Tencionava fazê-los transportar por carregadores até ao seu objectivo, e, aí chegado, ordenaria a sua montagem para poder manobrar contra as canoas do inimigo no lago onde se erguia a capital asteca.
Cortés deu finalmente ordem de marcha. O seu renovado exército contava agora com 600 soldados e 40 cavalos. Seguiam-no também mil guerreiros tlaxcaltecas, a quem ele mandara dar instrução militar segundo os padrões espanhóis. A 30 de Dezembro de 1520, os invasores tinham outra vez Tenochtitlán à vista. Mas Cortés aprendera a lição e não se precipitou. Durante os primeiros meses de 1521, procedeu ao reconhecimento do vale circundante, submeteu as povoações em torno do lago e cortou as vias de abastecimento à cidade.
As embarcações foram lançadas à água, e, a 26 de Maio, começou o cerco propriamente dito. Nesta altura, o chefe asteca era já outro - Cuauhtémoc (também conhecido por Cuauhtemotzin, ou Guatimozin), um jovem sobrinho do falecido Moctezuma. O soberano anterior, Cuitlahuac, perecera vítima da varíola trazida pelos europeus.
Os guerreiros de Cuauhtémoc assediavam quase diariamente os Espanhóis nos passadiços do lago e provocavam-lhes baixas consideráveis. Durante dois meses e meio resistiram, com as energias do desespero, ao maior poderio dos inimigos. Por diversas vezes, os Espanhóis conseguiram progredir quase até ao centro da cidade, mas tiveram sempre de retroceder face à fúria e à capacidade combativa dos Astecas.
No entanto, parte da eficácia dos guerreiros de Cuauhtémoc saía diminuída pelo seu afã em capturar inimigos com vida, fossem espanhóis ou tlaxcaltecas: eles tinham a ideia fixa de os arrastar até à pedra dos sacrifícios, no templo, para lhes arrancarem os corações em oferenda aos seus deuses protectores.
Cortés recebera entretanto importantes reforços, provenientes de mais alguns desembarques em Veracruz: cerca de duas centenas de soldados, bem apetrechados de armas e munições, e setenta ou oitenta cavalos. Redobrando de esforços, intensificou os ataques, mas a progressão continuava lenta e muito arriscada. O próprio comandante escorregou num dos passadiços e, enquanto se debatia na água, foi atacado por um grande número de índios tripulando canoas. Estes podiam tê-lo liquidado facilmente, não fosse o desejo obsessivo de o capturarem com vida para o sacrificar. Isso deu oportunidade a que os seus homens o pudessem resgatar das mãos dos seis atléticos guerreiros que já o levavam para uma canoa. Cortés foi salvo, mas à custa de baixas pesadas. Morreram na acção centenas de tlaxtaltecas e 25 espanhóis, enquanto 66 se viram aprisionados pelos defensores da cidade - sendo logo encaminhados para um terrível destino.
Nesse mesmo dia, os invasores puderam assistir - sem que nada pudessem fazer - ao horroroso fim dos camaradas de armas, assim descrito por um dos seus cronistas:
Nessa noite, um coro lúgubre de tambores, conchas e chifres soou através do lago. Tudo junto fazia um ruído arrepiante, e, ao erguermos os olhos para o templo de onde o som nos chegava, vimos os nossos companheiros, que foram feitos prisioneiros ao tentarem defender Cortés, a serem obrigados a subir a escadaria do templo para serem imolados.
Tendo conseguido levá-los até ao espaço aberto em frente dos seus ídolos malditos, vimos que colocavam plumas na cabeça de muitos dos prisioneiros e que, com uma espécie de forquilha, os obrigavam a dançar perante o seu deus da guerra.
Quando os prisioneiros acabaram de dançar, os Astecas dobraram-nos para trás, apoiando-lhes as costas sobre umas pedras estreitas que usavam nos sacrifícios, e com facas de pedra abriram-lhes o peito, arrancaram-lhes os corações ainda a pulsar e ofereceram-nos aos ídolos. Em seguida, com pontapés, atiraram os cadáveres pelas escadas abaixo.
Este acto de vingança pode ter elevado momentaneamente o moral dos defensores astecas, pois eles desencadearam logo de seguida um assalto maciço às posições espanholas. Mas estas reagiram com intenso fogo de artilharia e de mosquetes que ocasionou brechas enormes nas vagas atacantes e as forçou a recuar.
Cortés chegou à conclusão de que a única forma de conquistar Tenochtitlán seria romper com os seus homens até à praça principal, protegendo os acessos à retaguarda, e, logo depois, lutar rua a rua pela cidade. E logo pôs em campo essa ideia. Para o sucesso da mesma contribuíram sobretudo duas coisas: o implacável desejo de vingança dos seus soldados, suscitado pelo macabro espectáculo que tinham presenciado no templo; e o progressivo enfraquecimento dos inimigos, cada vez mais debilitados pela fome.
O corte de abastecimentos à cidade começava enfim a dar frutos. Homens, mulheres e crianças arrastavam-se penosamente em busca de alimentos. Comiam o que podiam - raízes, cascas de árvores, insectos, musgo, vermes apanhados nas margens do lago. As ruas em breve ficaram pejadas de cadáveres - quer resultantes dos combates, quer, sobretudo, produzidos pela fome. A putrefacção dos corpos não tardou a provocar doenças, que mais dizimaram as fileiras dos defensores.
Cuauhtémoc, o soberano asteca, não dava apesar de tudo sinais de querer pôr termo à resistência. A sua capital estava cada vez mais reduzida a escombros, o seu exército desaparecia a olhos vistos, mas ele não cedia, nem mesmo quando Cortés suspendeu por algum tempo os ataques e lhe ofereceu uma rendição honrosa. Este convite foi repetido em diferentes ocasiões, nalgumas delas apoiado por vários nobres astecas desejosos de paz. Mas Cuauhtémoc nunca apareceu para conferenciar com Cortés.
O comandante espanhol perdeu, finalmente, a paciência, e, no dia 13 de Agosto de 1521, ordenou o assalto derradeiro. Ordenara aos seus soldados que concedessem a vida a quem se rendesse, mas houve uma parte das forças que não lhe obedeceram - exactamente os aliados tlaxcaltecas, sequiosos do sangue dos seus inimigos de sempre. Nunca vi gente mais desapiedada nem homens tão cruéis como estes, diria Cortés acerca deles.
Cuauhtémoc foi por fim aprisionado, quando seguia, com a mulher e alguns fiéis, numa grande canoa. Pediu apenas duas coisas: que não fizessem mal à sua esposa (filha de Moctezuma) e, já na presença de Cortés, que este lhe pusesse termo à vida com o punhal que trazia à cintura. O comandante não lhe fez a vontade. Não precisava. Com a queda do último e corajoso imperador asteca, o México estava irremediavelmente nas mãos dos Espanhóis.
Cuauhtémoc sobreviveria mais de três anos àquele dia negro. Útil, ao princípio, no processo de subjugação dos povos mexicanos, foi-se tornando gradualmente num estorvo. Pela sua personalidade e pelo seu histórico de resistência, constituía um perigo potencial para os invasores. Por isso, Cortés não o perdia de vista, nem mesmo quando se deslocou com uma expedição às Honduras. Em circunstâncias duvidosas, Cuauhtémoc viu-se denunciado como cérebro de uma conspiração contra o comandante espanhol, acabando por ser executado em Fevereiro de 1525.
Cuauhtémoc, o último dos resistentes astecas (Cidade do México)
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(FIM da 7.ª e última parte)
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