segunda-feira, 19 de julho de 2021

Infância (Carlos Drummond de Andrade)



 .
.

Meu pai montava a cavalo,
ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada
cosendo.

Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho,
menino entre mangueiras
lia história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.


No meio-dia branco de luz
uma voz que aprendeu a ninar nos longes da sanzala
- e nunca se esqueceu -
chamava para o café,
café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.


Minha mãe ficava sentada
cosendo
olhando para mim
- Psiu... não acorde o menino,
para o berço onde pousou um mosquito
e dava um suspiro... que fundo!


Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.


(Carlos Drummond de Andrade - Brasil)

Sem comentários: