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Georg Elser (1903-1945) |
Adolf Hitler, que ascendeu ao poder na Alemanha em 30 de Janeiro de 1933, foi alvo de cerca de quatro dezenas de tentativas de assassínio ao longo de uma carreira que terminaria, com o seu suicídio, em 1945.
O atentado mais vezes referido foi o que ocorreu em 20 de Julho de 1944, numa fase já terminal da guerra, quando, na Operação Valquíria, o conde von Stauffenberg lhe pôs uma bomba aos pés durante uma reunião.
Tal como acontecera nas ocasiões anteriores, Hitler sobreviveu quase ileso ao atentado, o que reforçou nele a convicção de que tinha a Providência do seu lado para conduzir a Alemanha a grandes destinos.
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Concentração de militantes nazis à entrada da cervejaria Bürgerbräukeller, em Munique. |
Ao contrário do que é frequentemente referido, a oposição de militares de elevada patente ou de altos funcionários públicos à liderança de Hitler era muito anterior à acção de Stauffenberg. A ideia de o liquidar começou a intensificar-se a partir de 1938, quando se tornou claro que a sua política expansionista, centrada na conquista militar de espaço vital, não tardaria a desembocar numa guerra generalizada que a Alemanha não tinha hipóteses de sustentar a longo prazo (o ditador pensava, obviamente, o contrário).
Em 1939, já depois da invasão da Polónia (1 de Setembro), havia conversas sobre o tema entre diversos oficiais alemães do Estado-Maior ou no âmbito dos serviços secretos da Marinha. O mesmo ocorria em alguns ministérios importantes, como o dos Negócios Estrangeiros. Os conspiradores previam acertadamente que, depois da Polónia, se seguiria um ataque de consequências imprevisíveis às potências ocidentais (França e Grã-Bretanha) e, mais tarde, um avanço para Leste, em direcção às insondáveis vastidões da União Soviética.
A liquidação física do ditador, ou, pelo menos, a sua prisão e afastamento, sob pretexto de que ele sofria de problemas mentais, tornaram-se, assim, as prioridades dos descontentes e foram discretamente afloradas nos encontros conspiratórios. Mas a indecisão acabava sempre por impor-se. Ou por medo de represálias em caso de falhanço, ou por ausência de coordenação operacional, ou pela incerteza acerca da eventual reacção de alguns generais, o certo é que as ocasiões propícias foram passando sem qualquer iniciativa no terreno. E Hitler pôde prosseguir tranquilamente as reuniões com as chefias militares que levariam, dentro de poucos meses, à invasão da França e ao enfrentamento directo com a Grã-Bretanha.
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Simpatizantes nazis numa das suas reuniões anuais na Bürgerbräukeller. |
Sem que ninguém o conseguisse prever, o atentado contra a vida de Hitler, em 1939, veio de onde menos se esperaria e não decorreu de qualquer conspiração ou movimento colectivo. O herói improvável foi Georg Elser, um solitário e tranquilo carpinteiro de 36 anos nascido em Hermaringen (Württemberg), no sul da Alemanha.
Elser nem era um ideólogo nem se conduzia por apego a quaisquer ideias políticas mais elaboradas. É verdade que, antes de 1933, tinha votado em comunistas, mas apenas o fazia por pensar que estes defendiam melhor os interesses da classe operária a que ele pertencia. A ascensão de Hitler trouxera-lhe fartos motivos de descontentamento e revolta. As condições de vida dos operários, na sua opinião, tinham piorado. O cerceamento das liberdades cívicas e a implacável repressão policial tornaram-se-lhe insuportáveis. Um seu irmão fora vítima dos nazis num campo de concentração. E a provável eclosão de outra guerra - ele ainda se recordava da Primeira Guerra Mundial - fazia antever o pior para todos os alemães.
O jovem carpinteiro chegou depressa à conclusão de que a catástrofe só poderia ser evitada se fossem fisicamente liquidadas as principais figuras do regime - Göring, Himmler, Goebbels e, primeiro que todos eles, evidentemente, o seu chefe - Adolf Hitler.
Elser principiou então a estudar a melhor forma de assassinar o ditador. Lembrou-se de que, no dia 8 de Novembro de todos os anos, os nazis se reuniam numa conhecida cervejaria de Munique - a Bürgerbräukeller - para celebrarem, com a presença de Hitler, o golpe de Estado contra o governo da Baviera que dali tinha partido em 1923 (o chamado Putsch de Munique, ou Putsch da Cervejaria, que acabara por valer uns tempos na prisão ao chefe nazi).
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Adolf Hitler discursando na Bürgerbräukeller. |
Georg Elser elegeu então a famosa cervejaria como local do atentado - o seu atentado - e marcou o dia em que o mesmo teria lugar: 8 de Novembro de 1939, data em que ele sabia que Hitler viajaria até Munique para discursar, como fazia todos os anos, na Bürgerbräukeller.
Em dois empregos temporários que conseguiu arranjar - numa fábrica de armamento e numa pedreira -, tratou de furtar os explosivos e detonadores de que necessitava. Em casa, dedicou-se a construir uma sofisticada e poderosa bomba-relógio. A partir de Agosto, viajou até Munique e começou a frequentar a Bürgerbräukeller.
Durante mais de trinta noites, Elser arranjou forma de se esconder pouco antes do fecho do estabelecimento, esperando que trabalhadores e clientes se fossem embora. Então, abandonando o esconderijo, começava a trabalhar num pilar situado por trás do palanque em que Hitler discursaria. A sua ideia consistia em escavar o pilar por forma a ocultar a bomba na cavidade assim obtida. Ao amanhecer, saía da cervejaria sem que a sua presença fosse detectada. E assim foi prosseguindo o trabalho, tendo sempre o cuidado de disfarçar a cavidade no pilar até retomar o trabalho na noite seguinte.
Quando tudo ficou pronto, Elser procedeu à instalação da bomba. Sabendo que Hitler começava invariavelmente a falar a partir das 20h30 e que terminava o discurso por volta das 22h00, regulou o relógio da bomba para que esta explodisse, precisamente, às 21h20.
No dia 8 de Novembro, Georg Elser não esperou em Munique pelo desfecho do atentado. Viajou até Konstanz, perto da fronteira da Alemanha com a Suíça: a sua intenção era refugiar-se no país helvético para escapar a eventuais reacções dos nazis à projectada morte do ditador.
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Interior da Bürgerbräukeller após a explosão da bomba de Georg Elser. |
Tal como fora previsto, Hitler viajou de Berlim até Munique a 8 de Novembro de 1939. Mas as preocupações da guerra, que começara em Setembro desse ano na Polónia, contribuíram para que ele alterasse de forma significativa os procedimentos habituais. Chegara mesmo a cancelar a celebração daquele ano, mas, mudando repentinamente de ideias, acedeu a discursar no dia 8. Impôs, contudo, uma condição: não podendo regressar a Berlim de avião devido ao estado do tempo, teria de estar no comboio de regresso, nesse mesmo dia, às 21h30.
Por essa razão, Hitler antecipou o início do discurso na Bürgerbräukeller para as 20h10 e, abreviando-o, acabou de falar cerca de uma hora depois, precisamente às 21h07. Sem mais demoras, o chanceler seguiu rumo à estação ferroviária para retornar à capital.
Tal como Elser programara, a bomba explodiu às 21h20, 13 minutos após o fecho do discurso de Hitler. Este havia escapado por pouco a uma morte quase certa, pois o resultado da operação fora catastrófico para muitos dos presentes. Voando em pedaços, o pilar armadilhado fizera desabar a cobertura por cima do palanque, causando a morte a oito pessoas. Houve ainda sessenta e três feridos, dezasseis dos quais em estado grave.
Hitler tomou conhecimento do atentado bastante tempo depois, quando o comboio que o levava para Berlim efectuou uma breve paragem em Nuremberga. Começou por ficar incrédulo, mas não tardou a ver na sua salvação a intervenção de uma Providência empenhada em que ele cumprisse neste mundo aquilo que considerava a sua grande missão...
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A Bürgerbräukeller já não existe, tendo sido substituída por outras edificações. Mas no local do atentado foi colocada esta placa alusiva à acção de Elser e à sua morte em Dachau. |
Quanto a Georg Elser, as coisas acabaram por correr-lhe muito mal - e não só no que respeita ao falhanço em Munique. Quando a bomba-relógio explodiu na cervejaria, ele já se encontrava detido num posto fronteiriço alemão, em Konstanz: fora apanhado numa operação de vigilância rotineira, na altura em que procurava passar ilegalmente para a Suíça.
Ao princípio, ninguém relacionou Elser com os acontecimentos de Munique. Mas quando o atentado começou a ser investigado, aquilo que levava nos bolsos no momento da detenção colocou-o na primeira fila dos suspeitos: um cartão-postal da Bürgerbräukeller, esboços de um projecto de bomba, um fusível...
Sendo um indivíduo notoriamente inteligente e meticuloso, custa a compreender a imprudência de Elser. Talvez tivesse previsto que aqueles objectos funcionariam como uma espécie de credenciais do seu antinazismo quando contactasse as autoridades suíças.
A verdade é que ele nunca pensara ser detido. Vistoriara meses antes a fronteira, chegando à conclusão de que a vigilância era frouxa e fácil de iludir. Mas essa vistoria ocorrera antes do início da guerra. A partir de 1 de Setembro de 1939, quando as tropas alemãs penetraram na Polónia (e quando ele ainda trabalhava no fatídico pilar da cervejaria), a fronteira fora fechada e a vigilância tornara-se muito mais rigorosa. Por isso se achava agora nas mãos daqueles que odiava, "oferecendo-lhes", imprevidentemente, os indícios da sua culpabilidade...
Nas garras da Gestapo, Georg Elser foi cruelmente torturado para que confessasse toda a trama do atentado: a polícia suspeitava que ele fizesse parte de uma conspiração dirigida pelos Serviços Secretos britânicos. O próprio Hitler foi dos primeiros a convencer-se disso.
Elser, porém, manteve sempre que agira sozinho - e fê-lo mesmo quando submetido a hipnose. Chegou até a reproduzir a versão da bomba que utilizara, provando aos investigadores que falava verdade. Por fim, enviaram-no para o campo de concentração de Sachsenhausen, de onde acabaria por ser transferido, perto do fim da guerra, para o de Dachau. Diz-se que Hitler estava interessado em mantê-lo vivo até ao termo das hostilidades, para então promover um grande julgamento público em que seriam responsabilizados os serviços secretos inimigos.
A 9 de Abril de 1945, com a Alemanha à beira da derrota total, Elser deixara de ter qualquer utilidade propagandística para os nazis. Tal como fizeram a muitos dos seus presos políticos nesses derradeiros dias de loucura e morte (incluindo a alguns pretensamente ligados ao atentado de 20 de Julho de 1944), foram buscá-lo nesse dia a Dachau e assassinaram-no.
Vinte dias depois, a 29 de Abril de 1945, as tropas americanas libertaram os cerca de 70 000 prisioneiros que restavam em Dachau.
Adolf Hitler suicidou-se ao princípio da tarde do dia seguinte, no seu bunker de Berlim.
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