sábado, 8 de fevereiro de 2020

Filipe de Espanha em Portugal (1580) - O Patriotismo de Ontem e de Hoje - A honra tem um preço?

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Filipe II de Espanha (Filipe I de Portugal)
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Filipe II de Espanha, filho do imperador Carlos V e da portuguesa D. Isabel, tornou-se no ano de 1580 rei de Portugal (onde ficou registado como Filipe I).
Tal sucedeu dois anos depois do trágico fim, sem herdeiros directos, do rei português D. Sebastião. Aconteceu em Marrocos, no campo de batalha de Alcácer-Quibir.
Este domínio de Portugal por parte da Espanha duraria sessenta anos, tendo findado, por obra de uma revolta independentista, em 1640.

O que sucedeu no tempo de Filipe II, ou seja, a perda da independência portuguesa, poderia muito bem ter acontecido em épocas anteriores.
A verdade é que a política matrimonial de ambas as casas reinantes (a de Portugal e a de Espanha) apontava claramente para um desfecho destes. Não foi por acaso que ao longo de gerações se misturaram, através de casamentos calculistas, os régios parentes de um e do outro lado da fronteira.
Pelo contrário, tudo foi sempre pesado, medido, projectado com esse fim, que ninguém sabia quando poderia ocorrer. Na cabeça de alguns, seria apenas uma questão de tempo…

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Rei D. Sebastião de Portugal - Morto em Alcácer-Quibir (1578)
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Soberanos portugueses como D. Afonso V, D. João II, D. Manuel I, prosseguiram diligentemente o objectivo da união ibérica. O mesmo ocorria do outro lado da fronteira, com os Reis Católicos (Isabel e Fernando), com Carlos V, com Filipe II…
O que mais parecia preocupar qualquer uma das casas reinantes era que tal união ocorresse sob a sua égide, quer dizer, que ela se produzisse com preponderância da sua estirpe.

Por exemplo, quando D. Afonso V invadiu Castela em 1475-1476, a sua intenção (desfeita na batalha de Toro) era apenas e só a de se tornar rei simultâneo de Portugal e de Castela. Invocava, para isso, direitos de sucessão decorrentes dos seus vínculos familiares com a monarquia vizinha.
Da mesma forma sucederia com Filipe II, naquele ano de 1580, quando se viu juridicamente reconhecido como sucessor legítimo dos últimos reis lusitanos.

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A verdade é que a vontade popular parece não ter correspondido, nem nesta nem noutras ocasiões, àquilo que pensavam, planeavam e praticavam os maiores fidalgos.
O que nos conduz à interessante conclusão de que a ideia de “pátria”, quando finalmente se foi definindo e instalando com o correr dos tempos, teve sobretudo uma raiz popular.

A rejeição do “outro”, isto é, daquele que está para lá da fronteira e que cobiça “o que é nosso”, foi sempre mais genuína – até na violência das suas manifestações – entre as classes mais desprovidas de recursos.
Os primeiros e mais sólidos “patriotas” portugueses (numa altura em que “pátria” era ainda um vocábulo estranho, distante do sentido que hoje lhe damos) foram, essencialmente, patriotas pelo coração e pelo instinto.
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A ideia de “pátria" – sentimento difuso de pertença a um pedaço de terra e a uma comunidade cultural, afectiva e de interesses não confundível com nenhuma outra – germinou e desenvolveu-se, há séculos, na terra portuguesa, entre os mais humildes e deserdados do território… Segundo Fernão Lopes, eram os mesteirais, a gente do trabalho braçal e da vida difícil, que andavam em 1383 pelas ruas de Lisboa vociferando as suas coléricas indignações contra a ameaça do reino vizinho: Pois havemos nós de ser castelhanos?!?

É certo que, em ocasiões cruciais como essa, os ajuntamentos populares tiveram do seu lado, ou ao comando dos seus movimentos, alguns notáveis fidalgos portugueses.
Mas estes não passavam de gente de segunda linha. Eram por regra filhos bastardos de reis ou de grandes senhores, que teriam decerto futuros muito problemáticos, sem grandes horizontes, se a ordem natural das coisas se cumprisse. O mestre de Avis (que viria a ser o rei D. João I de Portugal), bem como o seu amigo Nuno Álvares Pereira, foram bons exemplos disso...

Quando Juan I de Castela invadiu Portugal e se apresentou em Aljubarrota disposto a esmagar a resistência lusitana (Agosto de 1385), quem vinha com ele, marchando altivamente ao lado dos grandes de Espanha, eram ... os maiores fidalgos de Portugal.
Os outros, os pequenos fidalgos de futuro incerto, como João e Nuno, estavam do outro lado. Do lado do povo.

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Foi a propósito disto que António José Saraiva, grande pensador português (1917-1993), escreveu em As Crónicas de Fernão Lopes:

A ideia de defender uma terra porque é a terra pátria, onde a pessoa nasceu, se criou e trabalha e há-de ser enterrada junto dos ossos dos pais e dos filhos, era coisa que não passava pela cabeça de um fidalgo.
A verdadeira terra do fidalgo era a casa do seu senhor, onde quer que ele estivesse, em Portugal, Castela, França ou Aragança.

Para esses grandes nobres lusitanos, que com Juan I cavalgavam, sem o suspeitarem, para uma derrota esmagadora, o seu senhor era o rei castelhano, não era Portugal…
São lembranças que a História nos transmite e que convirá porventura ter presentes nos dias conturbados que se vão vivendo.
Nestes dias em que, segundo alguns bem pensantes de verbo sinuoso e de comércios fáceis, comodamente instalados e ainda melhor tratados (os "fidalgos modernos"?), tudo tem um preço … menos a honra.

O que será, para essas criaturas venais, a honra?

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