sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

DRAMA NA FAMÍLIA REAL - As conspirações contra D. João II, rei de Portugal (1)

Rei D. João II de Portugal

Enquadramento - Personagens principais

1 - D. João II, que foi chamado "o Príncipe Perfeito", nasceu em 3 de Maio de 1455 e faleceu em 25 de Outubro de 1495.
Foi filho do rei D. Afonso V e da rainha D. Isabel (filha do regente D. Pedro, 1.º duque de Coimbra).
D. João II era bisneto de D. João I, mestre de Avis, que, com Nuno Álvares Pereira, derrotou os Castelhanos na batalha de Aljubarrota e assim garantiu a continuidade da independência portuguesa.

Reinou de 1481 até à data da morte. Na senda do infante D. Henrique (seu tio-avô), assumir-se-ia como o grande planeador e impulsionador dos Descobrimentos Portugueses. No reinado que se seguiu ao seu (o de D. Manuel I), Portugal chegaria à Índia (1498) e, oficialmente, ao Brasil (1500).

2 - Foi casado com a rainha D. Leonor, sua prima direita (ela era filha de um irmão do referido D. Afonso V: D. Fernando, duque de Viseu).

3 - D. Fernando, 3.º duque de Bragança, nasceu em 1430 e faleceu em 1483.
Era filho de Fernando, 2.º duque de Bragança, e neto de Afonso (1.º duque de Bragança) e da esposa deste, Beatriz Pereira de Alvim (filha de Nuno Álvares Pereira).
Este 1.º duque de Bragança era filho do rei D. João I (pelo que este foi também bisavô de Fernando, 3.º duque de Bragança).

4 - D. Diogo, 4.º duque de Viseu, irmão da rainha D. Leonor (portanto primo e cunhado do rei D. João II). Nasceu em 1451 e faleceu em 1484.

5 - D. Manuel, 4.º duque de Beja, irmão da rainha D. Leonor e de D. Diogo. Nasceu em 1469 e faleceu em 1521. Sucedeu como rei a D. João II, sendo no seu venturoso reinado, como antes se referiu, que se chegou à Índia e ao Brasil.

Rainha D. Leonor de Portugal (1458-1525)
Prima e esposa de D. João II
Irmã de D. Diogo e de D. Manuel

O pai, o filho e a nobreza

Quando, por morte de D. Afonso V, o seu filho D. João II ascendeu ao trono (1481), havia entre a nobreza portuguesa duas Casas que em poderio e riqueza quase se equiparavam à Casa Real: a de Bragança (encabeçada pelo duque D. Fernando)  e a de Viseu (encimada pelo duque D. Diogo).
D. Afonso V fora um rei generoso, até perdulário, para com a nobreza em geral e para com aquelas duas casas em particular. Distribuíra terras, rendas e títulos com tal largueza, que o filho terá desabafado que só lhe tinham ficado, para reinar, as estradas e os caminhos de Portugal.

Havia grandes diferenças de personalidade e de comportamento entre D. Afonso V e o seu sucessor. O primeiro era expansivo, alegre, sempre desejoso de agradar aos mais próximos. Dado a impulsos e irreflexões que ocasionavam por vezes consequências delicadas, possuía um fundo bom - mas sugestionável. A nobreza, afogada em riquezas e privilégios, e repartindo com ele uma larguíssima fatia de poder, aproveitava para o manipular, lisonjeando-o e tirando dele tudo quanto podia. Naturalmente, adorava-o.

D. João II era o oposto do progenitor: pouco dado a efusões, fechado, por vezes taciturno e reflexivo, decidia sempre pela certa. Havia nele, e na forma como convivia com os poderosos, algo de potencialmente ameaçador. A nobreza receava-o, temia-lhe o olhar enigmático, o jeito sombrio, os silêncios interrompidos por comentários directos e bruscos. D. João achava-se sobretudo muito convicto acerca do poder que entendia caber-lhe como rei.

A nobreza tivera já ensejo de verificar, ainda em vida de D. Afonso V, que aquele Príncipe, que um dia seria Rei, se transformaria provavelmente num grande problema quando subisse ao trono. Aconteceu isso no período em que D. Afonso V, ausente em Castela, resolvera confiar a regência do País ao filho, então com pouco mais de vinte anos: numa série de episódios, D. João deixara entrever aos nobres que o futuro deles poderia vir carregado de nuvens escuras.

D. João II no trono

Queixas contra a nobreza

D. João II, aclamado rei no final de Agosto de 1481, não perdeu tempo e marcou cortes para 12 de Novembro desse ano (em Évora, Alentejo). Esta data assinala o início do confronto decisivo entre o monarca e os grandes senhores que lhe ameaçavam o poder.

Nessas cortes, os representantes dos concelhos (que ali traziam as vozes do povo) apresentaram reclamações e queixas contra os abusos da nobreza. Obviamente, D. João II não ignorava a conjuntura que vinha dos reinados anteriores e, particularmente, do reinado de seu pai, mas convinha-lhe que a mesma fosse ali publicamente testemunhada.

O historiador Fortunato de Almeida (1869-1933) esboçou um quadro sintético, mas elucidativo, da situação.
Queixavam-se os povos, entre outras coisas, de que a administração da justiça escapava à autoridade do rei em muitas vilas e lugares. Os privilegiados chamavam a si os julgamentos de crimes e afastavam dos processos os oficiais régios a quem caberiam. Intrometiam-se até no tratamento dos crimes mais graves (que deveria pertencer aos juízes) e impediam as apelações ao rei.

Os poderosos da época procediam como costumam proceder os poderosos e detentores de recursos de qualquer tempo, quando soltos da trela do Estado e libertos do açaime das leis: guiados sobretudo pela ganância, abusam, exploram e imperam sobre a miséria e a desgraça dos indefesos.
Salvo raras excepções, os povos de então sofriam na pele toda a sorte de vexames e extorsões. Eram-lhes exigidos, a título de empréstimo, pão, vinho, dinheiro, ouro, prata, gados e outros bens - que nunca lhes eram pagos. Se alguns se atreviam a reclamar, metiam-nos em prisões. Se outros tinham coragem para recusar os empréstimos, prendiam-lhes as mulheres e os filhos até que cedessem.

Noutras ocasiões, certos privilegiados recolhiam os seus cereais nos celeiros e comiam do que tinham os lavradores, aos quais compravam os alimentos pelo preço que eles próprios fixavam. Depois, quando nas terras já havia faltas, abriam os celeiros para venderem, com lucro exorbitante, ao preço que mais lhes convinha.
Os abusos não ficavam por aqui. Por exemplo, homens do povo viam-se convocados para trabalhos braçais nas propriedades dos senhores, que nem os alimentavam nem lhes pagavam. Ou, quando pagavam, não chegavam à terça parte do que seria devido.

De tudo isto decorria que as mais importantes Casas da nobreza se achavam prósperas e poderosas, enquanto a Casa Real se debatia com a debilidade dos instrumentos de governo e a penúria das suas finanças.




Primeiros confrontos com a nobreza

As cortes de Évora representaram, portanto, o primeiro embate frontal entre o novo rei e os nobres, começando logo pelo juramento de fidelidade a que estes foram obrigados. D. João II mandara estudar e aprovara uma fórmula de juramento inovadora, que os senhores acharam demasiado rigorosa e humilhante: de facto, ela implicava a sujeição absoluta à figura régia, coisa a que nem de perto nem de longe estavam habituados. Mas, sem escapatória perante a férrea vontade do monarca, não tiveram outro remédio senão ajoelhar, colocar as suas mãos entre as mãos de D. João II e jurar como este quis que jurassem.

Seguidamente, e com algumas excepções, o rei deu ouvidos às queixas dos povos e resolveu mandar investigar o que se passava nos domínios dos nobres. Os seus oficiais deveriam examinar a legitimidade de todas as doações e privilégios concedidos ao longo dos tempos. Deveria ser também apurada em pormenor a forma como era administrada a justiça. E, de modo geral, deveriam ser postos a nu os abusos eventualmente cometidos contra os queixosos.

Estas disposições mereceram protestos dos senhores mais poderosos, com destaque para o duque de Bragança e para dois dos seus irmãos, o marquês de Montemor e o conde de Faro. O duque, em particular, supunha poder furtar-se às determinações do monarca. Dizia ele que, no seu paço de Vila Viçosa, dispunha dos títulos e documentos que o autorizavam a proceder como procedia e a possuir o que possuía.

E logo ordenou a João Afonso, bacharel em Leis e vedor da casa de Bragança, que se deslocasse àquela vila alentejana para recolher, no seu cofre particular, todos os papéis respeitantes a privilégios, honras e concessões feitas a ele próprio e aos seus antepassados pelos antigos reis. Logo que os tivesse, João Afonso deveria trazê-los a Évora para que fossem mostrados ao rei.
Sem que o suspeitasse, D. Fernando, 3.º duque de Bragança, tinha dado o primeiro passo em direcção a um fim terrível.

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(Continua em 28-Dezembro-2019 - aqui)

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