quinta-feira, 29 de abril de 2010

Capitalismo Moderno e Finanças Virtuais - ou: A Era dos Novos Corsários

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"Quando o bando de saqueadores passa pela aldeia os aldeões entregam-lhe o que têm.
Fazem por manter a compostura e a humildade para lhes agradar.
Talvez assim partam mais depressa e escolham outra vítima do saque.
Assim se comportam os Estados perante os salteadores da modernidade.

Primeiro foi a Grécia.
Agora é Portugal.
O Reino Unido, com uma situação económica que esteve, em termos relativos, pior do que a nossa, manteve-se, mesmo depois da falência quase generalizada dos seus bancos, com a sua avaliação intocável.
Porque será?
Porque é um jogo mais pesado.

O facto de a correcção dos ratings da Grécia e de Portugal serem feitos no mesmo dia encaixa na narrativa que foi construída.
Quem tem dúvidas de que estas notações fazem parte dos ataques especulativos às dívidas dos países mais frágeis da União vive num Mundo de fantasia - não há fé mais ingénua do que a fé no equilíbrio purificador do mercado.

Dirão que exagero.
Que as agências de rating não inventam a realidade.
Falso.
A realidade não precisaria delas quando falamos de contas que são públicas e auditadas, como são as dos Estados (recordo que em Portugal não houve, ao contrário do que aconteceu com a Grécia, encobrimentos oficiais do défice).
Os números estão aí para quem os queira analisar.

Estas agências constroem narrativas para os especuladores (ou, na melhor das hipóteses, em vez de darem informação rigorosa, limitam-se a devolver aos mercados a sua própria histeria, acabando por ajudar a criar aquilo que anunciam).
E isso basta para que o virtual se torne real.
Os especuladores só querem saber se na realidade virtual em que jogam terão ganhos.
Como percebemos com o que nos levou a esta crise financeira internacional, enquanto for possível alimentar o jogo a realidade não interessa para nada.

Dirão que exagero.
Que as agências de notação são competentes e que se não fossem deixariam de ser ouvidas pelos investidores.
Falso.
Devo recordar que a mesma Standard & Poor's, que agora corrige em baixa o rating português, foi obrigada, aquando do começo da crise, a corrigir num só dia a notação de mais de 90 activos financeiros ligados ao imobiliário.
Tinha falhado em todos.
Porque o jogo obrigava a alimentar a ilusão.
Como falhou na AIG e na Lehman Brothers.
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Vale a pena recordar que foram estas agências que só se aperceberam da catástrofe financeira do Dubai quando ela chegou aos jornais.
Que deram uma excelente nota à Islândia na véspera de o país ter entrado em falência.
Que avaliaram com um triplo A o que agora chamamos de activos tóxicos.
E aí estão a dar conselhos aos investidores sobre a credibilidade das contas dos Estados.

Dirão que, mesmo assim, a vida é como é e que devemos fazer sacrifícios para lhes agradar.
Elas querem sangue.
O discurso sacrificial diz bem ao ponto a que deixámos que o capitalismo financeiro, que nada produz, nos levasse.

Mas, ainda assim, nada chegaria para contrariar a profecia.
As mesmas agências que já ameaçavam cortes no rating se o PEC não fosse suficientemente austero, também ameaçavam cortes no rating se ele não apontasse para o crescimento económico.
E ameaçavam cortes no rating se prometêssemos as duas coisas e tal não fosse credível, coisa que nunca poderia ser.
Somos uma carta marcada a quem só resta esperar pela sua sorte.

Dirão que exagero.
Que as agências de rating são independentes.
Falso.
Elas dependem dos investidores que têm dinheiro empatado no jogo.
Elas estão dependentes de vários interesses no mercado que lhes pagam os serviços.
No dia em que a Europa decidir, como já prometeu, avançar com uma estrutura dependente do Banco Central Europeu que possa ser árbitro e não apenas agente, talvez haja um contrapeso neste jogo viciado.

Entretanto, com uma Europa cega e disposta a ver as suas aldeias (todas da periferia - porque será?) a serem saqueadas sem uma reacção à altura, teremos de aceitar resignados o triunfo da política da aparência - tem de parecer que vai haver sangue -, do capitalismo financeiro improdutivo e da acção sem rosto dessa entidade etérea à qual chamamos "os mercados".
Tudo é virtual menos os estragos que os salteadores deixam à sua passagem.

Há dois anos todos os políticos juraram, perante a irresponsabilidade dos negócios financeiros imobiliários, em que estas agências tiveram o papel de promover lixo tóxico, que alguma coisa teria de mudar.
Também essa vontade era uma ilusão.
Os aldeões continuam entregues aos caprichos dos saqueadores." (*)

(*) Daniel Oliveira - Expresso Online e blogue Arrastão (Lisboa - Portugal)

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