sábado, 14 de maio de 2022

"Você, Brasil" (Jorge Barbosa - Cabo Verde)

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Mindelo - Cabo Verde
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Eu gosto de Você, Brasil,
porque Você é parecido com a minha terra.
Eu bem sei que você é um mundão
e que a minha terra são
dez ilhas perdidas no Atlântico,
sem nenhuma importância no mapa.

Eu já ouvi falar de suas cidades:
a maravilha do Rio de Janeiro,
São Paulo dinâmico,
Pernambuco,
Bahia de Todos-os-Santos.
Ao passo que as daqui
não passam de três pequenas cidades.

Eu sei tudo isso perfeitamente bem,
mas Você é parecido com a minha terra.

É o seu povo que se parece com o meu,
que todos eles vieram de escravos
com cruzamento depois de lusitanos e estrangeiros.
É o seu falar português
que se parece com o nosso falar,
ambos cheios de um sotaque vagaroso,
de sílabas pisadas na ponta da língua,
de alongamentos timbrados nos lábios
e de expressões terníssimas
e desconcertantes.

É a alma da nossa gente humilde que reflecte
a alma da sua gente humilde,
ambas cristãs e supersticiosas,
sentindo ainda saudades antigas
dos sertões africanos,
compreendendo uma poesia natural,
que ninguém lhes disse,
e sabendo uma filosofia sem erudição,
que ninguém lhes ensinou.

O gosto dos seus sambas, Brasil,
das suas batucadas,
dos seus cateretês,
das suas toadas de negros,
caiu também no gosto da gente de cá,
que os canta
e dança
e sente,
com o mesmo entusiasmo
e com o mesmo desalinho também...
As nossas mornas,
as nossas polcas,
os nossos cantares,
fazem lembrar as suas músicas,
com igual simplicidade
e igual emoção.

Você, Brasil,
é parecido com a minha terra,
as secas do Ceará
são as nossas estiagens,
com a mesma intensidade de dramas e renúncias.
Mas há uma diferença no entanto:
é que os seus retirantes
têm léguas sem conta para fugir dos flagelos,
ao passo que aqui
nem chega a haver os que fogem
porque seria para se afogarem no mar...

Nós também temos a nossa cachaça,
o grog de cana
que é bebida rija.
Temos também os nossos tocadores de violão
e sem eles não haveria bailes de jeito.
Conhecem na perfeição todos os tons
e causam sucesso nas serenatas,
feitas de propósito para despertar as moças
que ficam na cama a dormir
nas noites de lua cheia.
Temos também o nosso café da ilha do Fogo
que é pena ser pouco,
mas — Você não fica zangado? —
é melhor do que o seu.

Eu gosto de Você, Brasil.
Você é parecido com a minha terra.

O que é - é que lá tudo é à grande
e tudo aqui é em ponto mais pequeno...
Eu desejava fazer-lhe uma visita
mas isso é coisa impossível.
Queria ver de perto as coisas espantosas
que todos nos contam de Você,
assistir aos sambas nos morros,
estar nessas cidadezinhas do interior
que Ribeiro Couto descobriu num dia de muita ternura,
queria deixar-me arrastar na onda da Praça Onze
na terça-feira de Carnaval.

Eu gostava de ver de perto o luar do sertão,
de apertar a cintura de uma cabocla — Você deixa? —
e rolar com ela um maxixe requebrado.
Eu gostava enfim de o conhecer de mais perto
e você veria como sou um bom camarada.
Havia então de botar uma fala
ao poeta Manuel Bandeira
de fazer uma consulta ao Dr. Jorge de Lima
para ver como é que a poesia receitava
este meu fígado tropical bastante cansado.

Havia de falar como Você
Com um no si
— “si faz favor”—
de trocar sempre os pronomes
para antes dos verbos
— “mi dá um cigarro?”.

Mas tudo isso são coisas impossíveis
— Você sabe? -
impossíveis.


Salvador da Bahia - Brasil.

Jorge Vera-Cruz Barbosa nasceu em 1902 na Ilha de Santiago, Cabo Verde, antiga colónia portuguesa, independente a partir de 1975.

Faleceu na Cova da Piedade, Portugal, em 1971.

Foi funcionário público e um dos membros mais importantes do movimento Claridade.

Publicou:
Arquipélago. São Vicente: Cabo Verde, 1936.
Ambiente. Praia: Cabo Verde, 1941.
Caderno de um Ilhéu. Lisboa: 1956.

Grupo: Cordas do Sol (Cabo Verde)
(Comped Joaquim)


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