sábado, 13 de março de 2021

Notas sobre a campanha de Hitler na Rússia (2.ª Parte - Desastre em Estalinegrado - O herói Vassili Zaitsev - 1942/43)

 (Continuação daqui)

Vassili Zaitsev (1915-1991)


Após o contra-ataque soviético a partir de Moscovo, que se prolongou pelo Inverno de 1941, os alemães, apesar de duramente fustigados pelo inimigo e pela inclemência do tempo, conseguiram estabilizar a frente de combate na Primavera de 1942. Depois recuperaram forças e reforçaram meios (humanos e materiais) com o objectivo de iniciarem uma nova e supostamente decisiva campanha em finais de Maio ou no princípio do Verão.

Uma parte considerável dos conselheiros de Hitler era favorável a outra investida contra a capital. Sustentavam que, para além das implicações de carácter militar, a eventual conquista de Moscovo não deixaria de produzir efeitos psicológicos devastadores do lado dos soviéticos.

Hitler rejeitou todas as sugestões nesse sentido. Agora, ele concentrava as suas atenções no sudoeste do país, preconizando um avanço rápido e seguro para capturar os poços de petróleo do Cáucaso - condição indispensável, segundo ele, para que a Alemanha pudesse prosseguir a guerra nas diversas frentes em que se achava envolvida.


Soldados alemães durante a Operação Azul (Verão de 1942)


Depois de alguns atrasos, o ataque alemão (Operação Azul) começou em finais de Junho de 1942. Tal como sucedera em 1941, no começo da invasão, as primeiras semanas confirmaram as melhores expectativas dos nazis. Os seus exércitos deslocavam-se velozmente pelas estepes e deparavam com débil oposição das tropas soviéticas, grande parte das quais recuava em debandada.

Os alemães empurraram os soviéticos para além do rio Don e encaminharam-se na direcção do grande rio Volga, o maior curso de água da Rússia. Era na sua margem ocidental que se situava aquela que passaria a ser a grande obsessão de Hitler: Estalinegrado, a cidade que incorporava o nome do seu odiado inimigo (Denomina-se, actualmente, Volgogrado).

Para o ditador alemão, tornara-se imperioso conquistar rapidamente a cidade, obtendo o efeito psicológico que não fora possível em Moscovo. Assim, enquanto uma parte das forças progrediam mais a sul, para a região de Baku e seus lençóis de petróleo, a outra concentrava-se para um impiedoso ataque a Estalinegrado.

Durante dias, a força aérea alemã bombardeou intensamente a cidade, transformando-a num montão de ruínas e preparando-a para a incursão das forças terrestres.

Estaline compreendeu, tal como Hitler, que não estava apenas em jogo uma questão de estratégia militar, e por isso se dispôs a fazer de Estalinegrado um símbolo de resistência heróica. Ninguém poderia retirar dali - nem as tropas nem a população.

Estavam assim criadas as condições para uma das batalhas mais mortíferas e cruéis da 2.ª Guerra Mundial. Duraria um pouco mais de meio ano, entre 17 de Julho de 1942 e 31 de Janeiro de 1943.


Estalinegrado reduzida a ruínas pelos bombardeamentos alemães

Durante meses, os invasores não cessaram de bombardear o que  restava da cidade. A aviação e a artilharia terrestre alvejaram também as embarcações soviéticas que, atravessando o rio Volga, procuravam abastecer a cidade em homens, material e mantimentos.

Em Novembro, numa fase adiantada da batalha, os alemães e os seus aliados (italianos, romenos e húngaros) teriam empenhado nos combates um efectivo total de cerca de um milhão de homens, contra perto de dois milhões do lado soviético.


Combates de casa...

...para casa

Na cidade lutava-se de rua em rua, de casa para casa, por vezes em ferozes disputas corpo-a-corpo. As posições mudavam de mãos em questão de dias ou, mesmo, de poucas horas.

A certa altura, a resistência soviética ficou confinada a uma estreita faixa de terra de 900 metros junto à margem do Volga, mas a ordem de Estaline (sob pena de fuzilamento) manteve-se inapelável: Nem um passo atrás!

Do lado soviético começou a sobressair a acção dos franco-atiradores (snipers), elementos altamente treinados que em breve constituíam o terror dos alemães. Equipados com espingardas munidas de miras telescópicas, os snipers russos (homens e mulheres) utilizavam munições capazes de perfurar facilmente os capacetes dos inimigos, provocando-lhes milhares de baixas.

O mais famoso destes atiradores foi Vassili Zaitsev, um antigo pastor dos Urais, dotado de pontaria quase infalível. Por ter liquidado centenas de inimigos, seria considerado herói da União Soviética e prestigiado com diversas condecorações.
 
Vassili Zaitsev

"Snipers" soviéticos (Vassili Zaitsev é o primeiro a contar da esquerda

Grupo feminino de "snipers" do exército soviético.
As mulheres desempenharam um papel importante na defesa de Estalinegrado.


Tal como acontecera no ano anterior, o tempo começou a correr contra os invasores. Quando o Inverno chegou, com as suas neves e gelos, os alemães ainda não tinham conseguido liquidar a espantosa resistência soviética. A água gelou no rio Volga, o que veio facilitar as operações de reabastecimento das tropas de Estaline.

Em 19 e 20 de Novembro, numa acção que viria a revelar-se decisiva, os russos desencadearam dois ataques de surpresa aos flancos que protegiam, a norte e a sul, o 6.º Exército alemão que combatia em Estalinegrado (Operação Urano). Esses flancos eram sobretudo guarnecidos por aliados romenos, italianos e húngaros, mal equipados, mal treinados e, porventura na maioria dos casos, com escassa motivação para o combate.

Em pouco tempo, os soviéticos destruíram a resistência desses flancos de protecção, fizeram milhares de prisioneiros e capturaram toneladas de material de guerra. Depois, em movimentos de pinça a partir do norte e do sul, descreveram uma manobra envolvente e vieram encontrar-se em Kalach, a cerca de 50 km de Estalinegrado.

Com este feito, Estaline tinha conseguido inverter a situação e alcançar o objectivo principal: 230 000 alemães do 6.º Exército e do 4.º Exército Panzer, que combatiam na cidade, ficaram cercados num gigantesco bolsão do qual não poderiam escapar.
Com eles, comungando do mesmo destino, estavam algumas dezenas de milhares de romenos e um regimento croata, elevando o total global para 300 000 homens cercados.

Soldados soviéticos, que tinham passado de sitiados a sitiadores, apertam o cerco aos alemães.
 
Hitler rejeitou diversos apelos para que permitisse ao 6.º Exército tentar romper o cerco e recuar para ocidente. Escudado em promessas do fanfarrão Goering, responsável da Força Aérea alemã, prometeu abastecer os soldados cercados, a partir do ar, até que um exército fosse enviado para os resgatar.

Tudo falhou do lado alemão. Os abastecimentos nunca passaram de uma ínfima parcela das necessidades diárias e, com o agravamento da situação climatérica e a perda de dois aeroportos em Janeiro de 1943, tornaram-se praticamente nulos - nem comida, nem medicamentos, nem agasalhos, nem munições.

O comandante das forças alemãs cercadas, general Friedrich Paulus, sem meios para uma resistência séria, solicitou autorização para se render. Hitler recusou qualquer ideia de capitulação, como sempre tinha feito e continuaria a fazer noutras ocasiões e noutras paragens.

Finalmente, a 31 de Janeiro de 1943, o emissor de rádio do quartel-general do 6.º Exército alemão transmitiu a seguinte mensagem: Os russos chegaram à porta do nosso abrigo. Estamos destruindo o nosso equipamento (esta estação não transmitirá mais).


Paulus caminha para a rendição

A seguir, o marechal Paulus (havia sido promovido recentemente por Hitler), acompanhado pelos colaboradores mais próximos, rendeu-se ao comando soviético.
Com ele caíram prisioneiros os 91 000 homens que sobravam - exaustos, esfomeados e muitos deles feridos ou doentes.

Com este desaire, a estrela militar de Adolf Hitler começou a empalidecer irreversivelmente. O mito da invencibilidade germânica, que já sofrera um rombo em torno de Moscovo, estava desfeito para sempre.

A guerra sofreu a partir daqui a decisiva e dramática viragem que conduziria, em 1945, à esmagadora derrota da Alemanha e ao suicídio do ditador alemão.


Prisioneiros alemães a caminho do cativeiro em campos de trabalho na Rússia.
Anos depois, só 5000 deles regressariam à Alemanha.


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Em 2001, com realização de Jean-Jacques Annaud, foi produzido um filme (Enemy at the Gates) sobre a batalha de Estalinegrado e, particularmente, sobre a mortífera acção do sniper Vassili Zaitsev, herói da União Soviética (protagonizado por Jude Law).

Apesar de algumas liberdades ficcionais, o filme, baseado na obra homónima de William Craig, fornece uma ideia aceitável do que foram aqueles seis meses de luta impiedosa.

Veja abaixo o trailer de Enemy at the Gates:




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