quarta-feira, 3 de março de 2021

Aberturas de Grandes Livros - "20 000 Léguas Submarinas" (Jules Verne - França)

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“O ano de 1866 foi assinalado por um acontecimento extraordinário, fenómeno inexplicável, que ninguém, por certo, olvidou ainda.
Não falando já nos rumores que agitavam as populações dos portos, de onde se transmitiam ao interior dos continentes, aqueles que mais interessados se mostraram foram os homens do mar.

Os negociantes, armadores, capitães de navios, mestres e contramestres da Europa e da América, oficiais das marinhas de guerra de todas as nações, e, depois destes, os Governos dos diversos estados dos dois continentes, todos se preocuparam com esse facto até ao ponto mais alto.

Na verdade, já por diversas vezes algumas embarcações se tinham encontrado no mar com uma coisa enorme, objecto longo, fusiforme, fosforescente, e infinitamente maior e mais rápido do que uma baleia.

Os factos relativos a esse aparecimento, que constavam nos diversos livros de bordo, eram suficientemente concordes na estrutura do objecto ou ser em questão, na velocidade inaudita dos seus movimentos, na força surpreendente da sua locomoção e na vida particular de que parecia dotado.

Se era cetáceo, excedia em volume todos quantos a ciência tinha até então classificado. (…)


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(…) Que ele existia era inegável e, se atendermos a essa disposição inata que o cérebro humano tem para o maravilhoso, facilmente se compreenderá a sensação produzida no mundo inteiro por tão sobrenatural aparecimento.

Era impossível tomá-lo como fábula.
Efectivamente, a 20 de Julho de 1866, o paquete Governor Higginson, da Calcuta and Burnach Steam Navigation Company, tinha encontrado a citada massa móvel a cinco milhas a leste das costas da Austrália.

A princípio, o capitão Baker julgou-se em presença de algum escolho desconhecido, e já se preparava para lhe determinar a situação exacta quando duas colunas de água, provenientes do estranho objecto, ou animal, subiram, silvando, até à altura de cinquenta metros.

Portanto, a não ser que o escolho estivesse sujeito às expansões intermitentes de um géiser, o Governor Higginson encontrara-se com algum mamífero aquático, até ali ignorado, que deixava sair pelas ventas colunas de água, misturadas com ar e vapor.




Facto similar foi igualmente observado em 23 de Julho do mesmo ano, nos mares do Pacífico, pelo Cristobal Colon, da West India and Pacific Steam Navigation Company. O que demonstrava que aquele cetáceo fora do comum era capaz de deslocar-se de um ponto a outro em inaudita velocidade, uma vez que, com três dias de intervalo, o Governor Higginson e o Cristobal Colon haviam-no observado em duas zonas do mapa separadas por mais de setecentas léguas marítimas de distância.

Quinze dias mais tarde, a duas mil léguas dali, o Helvetia, da Compagnie Nationale, e o Shannon, do Royal Mail, navegando em sentidos opostos na parte do Atlântico compreendida entre os Estados Unidos e a Europa, trocaram avisos situando o monstro, respectivamente, a 42º 15' de latitude norte e a 60º 35' de longitude a oeste do meridiano de Greenwich.

Por essa observação simultânea, julgou-se poder estimar o comprimento mínimo do mamífero em mais de trezentos e cinquenta pés ingleses, uma vez que o Shannon e o Helvetia eram menores do que ele, a despeito de medirem cem metros da roda da proa ao cadaste.




Ora, as baleias de maior porte - as que frequentam as paragens das ilhas Aleutas - jamais ultrapassaram cinquenta e seis metros de comprimento, se é que chegavam a tanto.

Após esses reiterados incidentes, novas observações efectuadas a bordo do transatlântico Le Pereire, uma abordagem entre o Etna, da linha Inman, e o monstro, um relatório elaborado pela fragata francesa La Normandie, bem como um seriíssimo levantamento obtido pelo estado-maior do comodoro Fitz-James, a bordo do Lord Clyde, mexeram profundamente com a opinião pública.

Nos países de humor leviano troçaram do fenómeno, mas nas nações graves e pragmáticas - a Inglaterra, os Estados Unidos, a Alemanha - foi grande a preocupação.

Em todos os quadrantes, nos grandes centros urbanos, o monstro entrou em voga. Foi cantado nos cafés, enxovalhado nas revistas, representado nos teatros. Os pasquins viram nele uma boa oportunidade de plantar notícias de todo o calibre (...)".


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Recorde o 'trailer' do filme que a Walt Disney produziu, em 1954, com base nesta famosa obra de Jules Verne (saiba mais sobre este autor - aqui).




Banda sonora do filme
(Paul J. Smith):


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