“Querem conhecer um cidadão absolutamente optimista, rara avis, nesta terra?
É o nosso amigo Pinheiro Chagas.
Revela-o ele, muito finamente, no seu folhetim de 5, no Diário de Notícias.
Revela-o ele, muito finamente, no seu folhetim de 5, no Diário de Notícias.
Aí, acusando, com gentil espírito, os que “fustigam a Pátria”, desenha o País como superiormente perfeito, tão perfeito que na sua superfície social e moral não é possível encontrar nem uma fenda nem uma mancha.
E aí declara que todo aquele que achar na Lusitânia defeitos e no cisne farruscas – é burlesco.
Parece que, segundo o feliz Pinheiro Chagas, nós possuímos toda a perfeita administração, toda a abundância da riqueza, toda a virtude de alma, toda a elevação de carácter, toda a beleza de forma (…).
E sabem quais são as provas que o nosso admirável amigo dá deste estado de perfeição a que chegou Portugal, desta superioridade inteiramente inacessível às raças inferiores?
Duas provas:
- Termos descoberto o caminho da Índia!
- Termos, com a nossa energia, domado o Indostão!
Assim, segundo esta teoria de impecabilidade, sabem por que razão é o Sr. Braamcamp um grande filósofo?
Porque nós descobrimos o caminho da Índia.
E todo aquele que, ou sobre a filosofia do Sr. Braamcamp ou sobre a grandeza de qualquer instituição nossa, puser restrições ou dúvidas – é burlesco.
Porque nós descobrimos o caminho da Índia.
E todo aquele que, ou sobre a filosofia do Sr. Braamcamp ou sobre a grandeza de qualquer instituição nossa, puser restrições ou dúvidas – é burlesco.
Assim, as Farpas seriam burlescas, se ousassem duvidar da superioridade filosófica do Sr. Braamcamp; e sê-lo-iam se se atrevessem a negar, sorrindo, a excelência da nossa instrução pública.
(…) É este um sistema de progresso social fácil e cómodo: domar o Indostão.
Quem doma o Indostão está, desde esse momento, na plenitude da verdade e na posse da abundância.
Foi por não o ter domado que a França se acha nos embaraços da inconstituição.
Foi por o não ter domado que Babilónia caiu!
É um erro que uma nação comece a viver sem se ter prevenido com alguns Indostões domados.
Doma o Indostão e deita-te a dormir.
Doma o Indostão e fecha a escola – a população saberá ler.
Doma o Indostão e não faças estradas – a circulação aumentará.
As Farpas acusam a desorganização dos estudos:
– Mentira, os estudos são perfeitos, veja-se a energia com que domámos o Indostão!...
As Farpas censuram a ineficácia da direcção económica:
- Como esqueceis o Indostão domado?...
As Farpas acusam o enfraquecimento dos caracteres:
- E o Indostão, o soberbo Indostão domado, desgraçadas?...
As Farpas condenam o procedimento tumultuoso da Câmara dos Deputados:
- Que ousais dizer, pois não domámos nós o Indostão?...
As Farpas revelam a decadência literária:
- Que novo agravo – pois nem a recordação do Indostão que domámos?...
O País pode e deve dizer, em verso:
Zoilos, tremei, que o Indostão foi meu!”
Eça de Queiroz – Uma Campanha Alegre (in As Farpas)
Lello & Irmão Editores – Porto – Portugal
(Vol. II - Pág. 27-29 - Janeiro de 1872)
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