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“O
povo português, além da bondade de coração, da brandura de costumes, da
alegria, da lealdade e do bom humor, possui ainda duas outras qualidades: a
docilidade e a paciência. Não é possível que exista gente mais tranquila, mais
dócil, mais resignada.
Medidas arbitrárias, actos violentos, deixam-na fria, não
perturbando de maneira alguma a sua inalterável placidez. É o estoicismo e o
fanatismo combinados e elevados ao mais subido grau.
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A
natureza do povo pode traduzir-se e entender-se mediante duas locuções que lhe
são familiares.
Alude-se às misérias, aos vexames, aos abusos - eis a resposta invariável:
Tenha paciência!
Diz-se-lhe
que é preciso tomar uma resolução, testemunhar actividade, defender os seus
direitos - resposta insubstituível: Amanhã.
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Tenha
paciência e amanhã são as duas fórmulas inseparáveis da língua portuguesa, que
servem para tudo e que o povo emprega a propósito de tudo.
Se
morre de fome, “tenha paciência”; se se lhe oferece trabalho, “amanhã”.
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O
povo português é muito cortês, muito condescendente, muito hospitaleiro, muito
obsequiador e muito impressionável. Tudo isto provém, naturalmente, da bondade
nativa a que me refiro.
É incontestavelmente dotado das mais belas qualidades
morais; o sangue gira-lhe nas veias impetuosamente; a sua reputação de coragem
e bravura não é contestada, nem pelos seus inimigos. (...) Provou-o
largamente em sucessivas revoluções e na enérgica resistência que opôs ao seu
vizinho.
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O
rancor também não é para ele um sentimento desconhecido. Para nos convencermos
desta afirmação basta ouvi-lo discretear acerca dos espanhóis. O tempo não
modificou esta velha animosidade; ao contrário, agravou-a.
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Diz-se
que em certas partes da Oceânia as tribos devoram os inimigos que aprisionam,
condimentando-os com vários temperos.
O português é “hispanófago”, e se de tempos
a tempos não trinca, sob a forma de costeleta, o espanhol que lhe cai nas
unhas, é simplesmente por timidez e não porque lhe escasseie o apetite.
Chamai
idiota a um português, e perdoar-vos-á, talvez; mas se lhe disserdes que se
parece com um espanhol, assassinar-vos-á. (…).
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Uma
anedota dará uma ideia aproximada do grau de intimidade que reina entre os dois
povos vizinhos:
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Certo
dia, um espanhol e um português encontraram-se numa ponte estreitíssima que
ligava as margens de uma torrente profunda. O português escorregou e caiu na
água. (Note-se que eu não disse que o espanhol esteve na origem da queda.)
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O
português, não sabendo nadar, debateu-se, mergulhou, depois voltou à superfície;
foi então que, lutando contra a corrente e antes de desaparecer pela última vez,
avistou o espanhol, encostado tranquilamente à balaustrada da ponte, vendo-o
afogar-se indiferentemente, com inaudita
impassibilidade e sem a menor ideia de o socorrer.
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À
vista disto, o português, chegando ao paroxismo do furor, fez um supremo
esforço e, mostrando o punho cerrado ao espanhol, gritou-lhe: Tira-me daqui,
canalha de espanhol, e poupar-te-ei a vida!
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Este
ódio do português contra o vizinho explica muitíssimas coisas (…).”
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