À direita: capa da revista Stern, de 25 de Abril de 1983, com a manchete explosiva: "Descobertos os Diários de Hitler" |
Gerd Heidemann, nascido em 1931, foi um repórter da revista alemã Stern, para a qual trabalhou durante mais de 30 anos. Uma das suas ocupações favoritas consistia no estudo afincado do regime nazi, que dominou a Alemanha de 1933 a 1945.
Na década de 1970, Heidemann vendeu uma casa que possuía em Hamburgo e, com o dinheiro recebido, adquiriu um iate, o Carin II, outrora pertencente a Hermann Göering, poderoso número 2 de Adolf Hitler.
Por essa altura conheceu Edda, a filha de Göering, e com ela iniciou uma relação sentimental que duraria cinco anos. O casal organizou no Carin II alguns eventos sociais, aos quais compareciam, entre outras figuras, algumas testemunhas oculares de importantes episódios do III Reich. Os generais da SS Karl Wolff e Wilhelm Mohnke, por exemplo, estiveram entre os convidados. Mohnke, recorde-se, participou na derradeira defesa de Berlim, tendo comandado a resistência nas imediações do "bunker" de Hitler quando o Exército Russo já apertava o cerco final.
Por essa altura conheceu Edda, a filha de Göering, e com ela iniciou uma relação sentimental que duraria cinco anos. O casal organizou no Carin II alguns eventos sociais, aos quais compareciam, entre outras figuras, algumas testemunhas oculares de importantes episódios do III Reich. Os generais da SS Karl Wolff e Wilhelm Mohnke, por exemplo, estiveram entre os convidados. Mohnke, recorde-se, participou na derradeira defesa de Berlim, tendo comandado a resistência nas imediações do "bunker" de Hitler quando o Exército Russo já apertava o cerco final.
Gerd Heidemann com o seu iate "Carin II" |
Foi através de um dos antigos oficiais nazis que Heidemann conheceu, nos começos de 1981, Konrad Kujau, nascido em 1938, exótica personagem que ganhava a vida vendendo recordações do III Reich numa loja de Estugarda.
Um dia, Kujau contou ao repórter da Stern uma estranha e surpreendente história. Um seu irmão, oficial do Exército da Alemanha Oriental, tivera acesso aos diários manuscritos de Adolfo Hitler e conseguira fazê-los passar para a Alemanha Ocidental. Agora, pretendia vendê-los por bom preço, tendo Kujau como intermediário.
Konrad Kujau e um dos 62 volumes |
Nunca antes se ouvira falar de tais diários. Mas Kujau forneceu uma explicação. Nos derradeiros dias de Abril de 1945, pouco antes do suicídio do ditador alemão (ocorrido a 30 desse mês), os diários tinham sido apressadamente metidos, com outros pertences pessoais do chanceler, num dos últimos aviões que conseguiram sair da capital germânica. O objectivo era fazê-los chegar a Berchtesgaden, nos Alpes Bávaros - onde Hitler mandara edificar o seu refúgio particular -, colocando-os aí a bom recato.
As coisas, todavia, não correram como havia sido planeado. O avião acabou por despenhar-se nas proximidades de Dresden, tendo sobrevivido apenas um dos passageiros. Acorrera então um agricultor local, que conseguiu salvar parte da carga, incluindo os diários de Hitler - nada mais nada menos do que 62 volumes encadernados em couro artificial preto.
Esta preciosidade tinha ficado escondida durante anos, até chegar às mãos do actual proprietário - o irmão de Kujau.
Esta preciosidade tinha ficado escondida durante anos, até chegar às mãos do actual proprietário - o irmão de Kujau.
Gerd Heidemann exibe também um dos volumes dos diários |
Gerd Heidemann tomou como boa a história do seu interlocutor. E não mais descansou até conseguir convencer os seus patrões da Stern de que valia a pena um considerável esforço financeiro para obterem e publicarem os ambicionados diários.
Foi assim que 9,3 milhões de marcos mudaram repentinamente de mãos. Depois, no dia 25 de Abril de 1983, a capa da Stern surgiu com uma manchete explosiva: tinham sido finalmente descobertos os diários secretos do ditador alemão!
No interior da publicação, mais de 40 páginas de extractos constituíam o prato forte de um artigo em que se anunciavam, para os próximos 18 meses, mais 27 publicações sobre o mesmo tema.
A revista não tinha dúvidas de que, face ao caudal e à natureza da informação assim alcançada, a biografia do ditador nazi teria de ser forçosamente reescrita. Com isso, a história da Alemanha nazi adquiriria novos e inesperados contornos.
Hugh Trevor-Roper (esquerda) e Gerhard Weinberg (direita) |
Na conferência de imprensa efectuada nesse dia na sede da revista, em Hamburgo, Gerd Heidemann pôde ufanar-se do seu feito. E Peter Koch, o editor-chefe, dissertou largamente sobre o triunfo da Stern. Revelou, entre outros pormenores, que, sem que alguém suspeitasse, Adolf Hitler tinha escrito diligentemente os seus diários à mão, desde 1932 até umas poucas semanas antes do suicídio no "bunker".
Em matéria de tal melindre, a Stern procurou acautelar-se com algumas opiniões de peso. E obteve-as da parte de Hugh Trevor-Roper, historiador britânico, e de Gerhard Weinberg, americano da Universidade da Carolina do Norte. Após uma consulta breve dos volumes em causa, ambos afirmaram que os consideravam genuínos.
Em matéria de tal melindre, a Stern procurou acautelar-se com algumas opiniões de peso. E obteve-as da parte de Hugh Trevor-Roper, historiador britânico, e de Gerhard Weinberg, americano da Universidade da Carolina do Norte. Após uma consulta breve dos volumes em causa, ambos afirmaram que os consideravam genuínos.
As cautelas eram mais do que justificadas, face ao interesse que o assunto logo despertou por toda a parte, designadamente entre alguns prestigiados representantes da imprensa mundial.
Por exemplo, o Sunday Times, de Londres, pagou o equivalente a 400 000 dólares pelos direitos de publicação na Grã-Bretanha e na Commonwealth. A Paris Match, de França, e a Panorama, de Itália, dispuseram-se a publicar os diários.
A americana Newsweek apresentou um artigo extenso sobre a matéria, embora tenha hesitado em adquirir os direitos de publicação. Entre outras razões, porque achava indispensável uma autenticação mais segura dos volumes em causa.
Algumas das folhas apresentadas |
As dúvidas sobre a autenticidade dos diários tinham sido suscitadas logo no momento da sua apresentação. O controverso historiador David Irving fez uma pergunta embaraçosa, querendo saber se fora efectuada uma análise química da tinta dos documentos para tentar datá-la. Na verdade, não fora.
Para desconforto da Stern, começaram a acumular-se as dúvidas. Como é que Hitler conseguira ocultar de todos os seus próximos, ao longo de 13 anos, que andava a escrever um diário? Por outro lado, sabia-se que ele não gostava de escrever, optando por ditar os seus textos a dactilógrafas. Nas raras ocasiões em que escrevia, utilizava preferentemente o lápis. Acresce que, a partir de certa altura, padecia de violentas tremuras nas mãos, o que o teria com certeza impedido de produzir manuscritos tão cuidados.
Perante o coro crescente de dúvidas e desconfianças, Trevor-Roper e Gerhard Weinberg começaram a vacilar nas suas opiniões. O primeiro chegou a dizer que o melhor era considerar que os documentos eram forjados "até prova em contrário". Weinberg, por seu turno, sugeriu à Stern que recorresse a grafólogos e que permitisse aos historiadores um exame integral dos 62 volumes dos diários.
O escândalo começou a ganhar enormes proporções. Um grafólogo americano, contratado pela Newsweek, analisou em Nova Iorque dois dos volumes e concluiu estar-se perante falsificações - ainda por cima "más falsificações".
Na Alemanha, exames técnicos rigorosos provaram que o papel e a tinta dos diários, a cola das encadernações, as capas de couro artificial e as fitas vermelhas com selos de lacre de alguns volumes datavam inequivocamente de um período posterior à 2.ª Guerra Mundial.
Foi mesmo possível demonstrar que o autor da falsificação seguira fielmente, nos seus textos, uma obra de Max Domarus - Hitler: Discursos e Proclamações, 1932-1945. Até os erros de Domarus se achavam transpostos para os famosos diários.
Já não restava qualquer dúvida: a Stern caíra numa burla fantástica e o seu prestígio ficaria abalado durante décadas. Os seus empregados, indignados com o caso, fizeram uma greve de zelo. Peter Koch pediu a demissão. Gerd Heidemann acabou despedido. E Henri Nannen, editor, proclamou: "temos razão para nos envergonharmos".
Sem comentários:
Enviar um comentário