sábado, 18 de janeiro de 2020

TITANIC - O navio inafundável que se perdeu na primeira viagem... (2.ª Parte)


(Continuação de 11-Janeiro-2020 - 1.ª Parte - ver aqui)


Às 21h40m daquele domingo, dia 14 de Abril de 1912, o Titanic recebeu nova mensagem - desta vez do navio Mesaba -, dando notícia de que avistara extensos campos de gelo e enorme quantidade de icebergues. Duvida-se que o alerta tenha chegado às mãos dos oficiais de serviço na ponte de comando. Se tal tivesse ocorrido, e dada a localização do Mesaba, eles ter-se-iam de imediato apercebido da gravíssima ameaça presente na sua rota.

De qualquer modo, os vigias do Titanic, Frederick Fleet e Reginald Lee - postados no cesto da gávea do mastro principal, na parte dianteira da embarcação -, tinham sido prevenidos de que poderiam deparar com gelo a partir das 21h30m. Contudo, desprovidos de binóculos, eles pouco ou nada conseguiam enxergar: sob um céu polvilhado de estrelas, mas sem luar, apenas divisavam um mar liso, mergulhado em sombras e aparentemente tranquilo.

Havia, no entanto, um indício ameaçador que parece ter sido desvalorizado: a temperatura da água caíra, no espaço de poucas horas, de 6 graus positivos para cerca de zero. No Atlântico Norte, isso denota quase sempre a proximidade de grandes acumulações de gelo. Não obstante esse sinal, o Titanic nem abrandou a velocidade - progredia a 22 nós, mais de 40km/hora - nem virou para sul a fim de se distanciar da zona de perigo extremo em que estava prestes a entrar.




Subitamente, pelas 23h40m, os dois vigias avistaram à frente do navio um vulto gigantesco, escurecido pelas sombras da noite, e cujas formas mal conseguiam distinguir. O Titanic acercava-se velozmente da estranha aparição, até que os dois homens, num repente de pânico, compreenderam a terrível verdade. Frederick Fleet tocou três vezes a sineta de alarme e efectuou uma chamada para a ponte transmitindo a informação fatídica: Icebergue pela proa!

Na ponte, o primeiro-oficial William Murdoch reagiu com o sangue-frio possível. Ordenou imediatamente à casa das máquinas que invertesse a marcha dos motores e disse ao timoneiro que virasse o leme "todo a estibordo". Isto significava  virar ao máximo a popa do Titanic para estibordo (lado direito do navio) a fim de que a proa pudesse guinar para bombordo (o lado esquerdo) - assim se manobrando para fugir, à justa, do tremendo obstáculo.



Deslizando a 22 nós de velocidade, o Titanic não poderia, obviamente, deter-se de imediato, pelo que alcançou, em cerca de quarenta segundos, a sinistra massa de gelo. Num primeiro momento pareceu que o navio conseguira evitar o pior, tocando no icebergue com o seu lado direito (estibordo), aparentemente de raspão. Mesmo assim, arrancou-lhe pedacinhos de gelo que foram cair no convés como uma chuva esbranquiçada, para divertimento de algumas pessoas que por ali andavam.

Muitos passageiros nem sequer se aperceberam da colisão. Outros deram apenas por uma ligeira sacudidela. Um deles descreveu a sensação que teve: foi como se alguém tivesse passado um dedo gigante ao longo do costado do barco. No salão de jantar da 1.ª classe sentiu-se somente um ligeiro tremor, e alguém alvitrou que talvez se tivesse quebrado a lâmina de uma das hélices.

Vários passageiros da 1.ª classe levantaram-se das confortáveis cadeiras de couro do salão de fumo e foram a tempo de observar o icebergue, que se erguia sobre o convés como uma torre imponente enquanto o navio passava ao seu lado. O grande bloco de gelo logo ficou para trás, engolido pela escuridão da noite, e nenhum dos espectadores atribuiu importância de maior ao sucedido - tudo parecia não passar de um simples, e até divertido, incidente de viagem…



A tripulação - sobretudo a que labutava nas profundezas do paquete, como as salas das caldeiras - estava mais consciente da delicadeza da situação. O fogueiro Frederick Barret, que se achava na sala n.º 6, sentiu o impacto do icebergue e viu a água jorrar abundantemente no interior. Conseguiu escapar-se, com outro companheiro, para a sala n.º 5, antes de a comporta estanque se fechar comandada da ponte. Desse modo se livraram de morrer afogados.

O capitão Edward Smith, que recolhera já aos seus aposentos, apareceu sobressaltado na ponte de comando e foi posto a par da ocorrência por William Murdoch. Mandou então chamar Thomas Andrews, o engenheiro naval que projectara e supervisionara a construção do paquete, e com ele desceu às áreas atingidas para terem uma noção mais precisa dos danos.

Thomas Andrews apreendeu com rapidez a gravidade da situação: o aparentemente inofensivo "arranhão" do gelo ocasionara um rasgão de cerca de 100 metros no costado do paquete. Em menos de 10 minutos, os dois verificaram que o nível da água dentro da embarcação subira a mais de 4 metros e que a proa do Titanic tinha começado a afocinhar no mar (cinco dos compartimentos estanques achavam-se já inundados). O engenheiro efectuou uns cálculos numa folha de papel e comunicou ao estarrecido comandante que o navio se aguentaria à tona uma hora e meia, possivelmente duas horas, mas não mais do que isso.

O capitão Edward Smith emitiu ordens para que os 16 botes salva-vidas fossem destapados, bem como 4 jangadas insufláveis, e os passageiros começaram a entrar neles com prioridade para mulheres e crianças. Antes, Smith ordenara aos operadores da sala de rádio - John ("Jack") Phillips e Harold Sydney Bride que enviassem um pedido de auxílio aos barcos que se achassem na zona.

Eis uma reconstituição desse apelo desesperado:
(código Morse)


"Estamos afundando rapidamente.
Passageiros sendo colocados nos botes"

A partir de então, tiveram lugar as cenas de desespero, altruísmo, cobardia, coragem, egoísmo, solidariedade e cavalheirismo que as reportagens, as obras literárias e as versões cinematográficas foram gravando ao longo dos tempos na memória de muitos.

O número de botes e jangadas era dramaticamente insuficiente para poder salvar a totalidade dos passageiros e tripulantes: eles não poderiam comportar mais de 1178 pessoas, ficando, portanto, mais de um milhar de fora. De qualquer modo, por estranho que pareça, esse número achava-se em conformidade com os regulamentos da época.

Por outro lado, a tripulação não estava suficientemente treinada para fazer baixar os salva-vidas com rapidez, segurança e eficácia, tal como não tinham sido realizados com os passageiros quaisquer exercícios sobre eventuais situações de emergência. Disto resultou a maior das confusões, sucedendo que muitos botes e jangadas desceram ao mar com um número de pessoas muito inferior à sua lotação.

Alguns passageiros, sobretudo da 1.ª classe, mostraram-se relutantes em meter-se nos salva-vidas. Acreditavam, apesar de tudo, que ficariam mais seguros no Titanic e que este talvez conseguisse aguentar-se a flutuar. Thomas Andrews, o projectista do navio, andava incansavelmente de um lado para o outro, procurando convencer as pessoas a embarcar e ajudando a tripulação nas tarefas de salvamento. Ao contrário de Bruce Ismay, presidente da White Star Line (que se conseguiu meter num bote, salvando-se), ele não sobreviveria ao afundamento da sua famosa criação…

As diferenças sociais vieram a lume durante o desastre. Um grande número de passageiros da 3.ª classe não pôde subir à parte superior do navio onde se achavam os salva-vidas: foram impedidos de o fazer pelas grades que, durante a viagem, os separavam das 1.ª e 2.ª classes. Acresce que, durante as horas finais, houve tripulantes incumbidos de vigiar essas barreiras metálicas para que eles não pudessem ultrapassá-las nem tomar de assalto os salva-vidas que iam sendo descidos. Por isso, como seria de esperar, a maioria dos sobreviventes pertenceriam à 1.ª e 2.ª classes.

Entretanto, em paralelo com a vozearia nervosa, os gritos de aflição e os apelos por familiares perdidos, a orquestra de bordo, dirigida pelo maestro Wallace Henry Hartley, veio para o convés e continuou a tocar as suas melodias no intuito de devolver algum ânimo às pessoas.



Nas horas finais do Titanic registaram-se episódios inesquecíveis, um deles protagonizado pelo milionário Isidor Straus e por sua esposa Rosalie Ida Straus. Não quero privilégios que não sejam concedidos a outros, dissera Isidor. Rosalie, a quem já tinham arranjado lugar num dos salva-vidas, recusou então partir com os outros e colocou-se ao lado de Isidor. Com isso, escolheu o seu destino: Não quero separar-me do meu marido. Para onde fores, eu vou. Vivemos juntos e juntos morreremos. E assim foi.

O milionário John Jacob Astor IV ajudou a jovem esposa, Madeleine, a acomodar-se num dos salva-vidas. Perguntou depois aos tripulantes se podia entrar também e foi-lhe respondido que não (havia ainda mulheres e crianças por embarcar). Ele retirou-se então, educadamente, e foi partilhar o fim do grande navio ferido de morte.

Outro milionário, Benjamin Guggenheim, e o seu fiel criado, aguardavam calmamente, lado a lado, e equipados a rigor. Vestimos as nossas melhores roupas, disse Guggenheim, e estamos preparados para morrer. E acrescentou, com altivez: Nenhuma mulher ficará a bordo deste navio por causa de Guggenheim ter sido cobarde.

Michel Navratil, o falso "sr. Hoffman", vestiu à pressa os dois filhos, Michel Marcel e Edmond, e a seguir dirigiu-se com eles até um dos botes preparados para descer até ao mar. Nessa altura, tinha-se formado um cordão de tripulantes em torno do salva-vidas para garantir prioridade às mulheres e crianças, pelo que Navratil não pôde passar. Conseguiu, no entanto, esticar-se para fazer entrar os pequenos na embarcação e, depois de um derradeiro e pesaroso olhar de despedida, voltou para trás e juntou-se à multidão que esperava o afundamento do navio.


Navio "Carpathia"

Às 00h45m foi lançado para os céus o primeiro foguete de sinalização. Outros se seguiram a breve trecho. O comandante Edward Smith alimentava a esperança de que algum navio pudesse avistar os sinais luminosos e viesse socorrê-los. Entretanto, nas instalações de telegrafia, Phillips e Bride continuavam a emitir, em código Morse, os pedidos de socorro.

No Californian, a embarcação mais próxima (devia estar a cerca de dez milhas), esses apelos não foram escutados, pois o equipamento permanecia desligado após o desentendimento entre o seu operador e Phillips. No entanto, sabe-se que a tripulação avistou as luzes disparadas do Titanic, não conseguindo, porém, perceber que tinham origem num navio em dificuldades. Mais tarde, tendo finalmente captado os SOS, o Californian seguiu para o local do desastre, mas o drama já se tinha consumado. Stanley Lord, o comandante do navio, seria posteriormente alvo de muitas críticas pela sua conduta.

A salvação possível viria de um outro navio, o Carpathia, da Cunard Line, comandado pelo capitão Arthur Rostron, que navegava a mais de 90 km de distância. Informado, por volta da meia-noite, dos pedidos de socorro do Titanic, Rostron demonstrou uma capacidade de decisão notável. Embora consciente de que tinha escassas probabilidades de chegar a tempo, ordenou sem demora a mudança de rota para tentar o resgate dos náufragos.

Rostron mandou imprimir ao seu barco a velocidade máxima, bastante acima das regras de segurança aconselhadas (teve que evitar vários icebergues pelo caminho). Para isso, mobilizou todos os foguistas, incluindo os que se achavam fora de serviço, e cortou o aquecimento interno do navio para que mais vapor fosse utilizado pelos motores. Além disso, fez com que o Carpathia se aprontasse para receber sobreviventes: reuniu camas, cobertores e comida, convocou os médicos de bordo e instalou postos de primeiros-socorros nos restaurantes. Providenciou também cordames e botes e atribuiu a cada um dos tripulantes as tarefas a desempenhar durante a missão de salvamento.

Na sua louca corrida contra o tempo através da gélida madrugada atlântica, o Carpathia foi encurtando a distância que o separava do Titanic moribundo. Mas o capitão Rostron estava apreensivo. Na melhor das hipóteses, o seu navio demoraria entre 3 a 4 horas para chegar ao local do acidente e ele temia que fosse demasiado tarde para salvar alguém.



As apreensões do comandante do Carpathia tinham toda a razão de ser, pois o tempo corria inexoravelmente contra o Titanic. Ainda aquele vinha a meio da viagem e já este, prenunciando o fim iminente, afundava cada vez mais a proa na água gelada - tudo isto sob os olhares horrorizados dos que flutuavam nos salva-vidas. Centenas de pessoas tinham-se amontoado na popa, assistindo à irreversível aproximação da água. Algumas rodeavam um padre católico, Thomas Byles, que as ouvia em confissão e lhes concedia as correspondentes absolvições.

Homens, mulheres e crianças da 3.ª classe - que ninguém se lembrara de alertar no momento do choque - irrompiam finalmente nos pisos superiores, mas as suas hipóteses de sobrevivência eram mínimas: já tinham sido descidos quase todos os botes (o último chegou à água, com duas dezenas de passageiros, cerca de quinze minutos antes do afundamento). Às 02h15m, cinco minutos antes do instante fatal, efectuou-se ainda uma tentativa para descer as duas últimas jangadas, mas a inclinação acentuada do navio impediu a sua utilização.




Às 02h18m, o Titanic ergueu-se mais sobre a proa, fazendo como que uma pausa em posição oblíqua. A seguir, com tremendo ruído, uma das chaminés tombou, os compartimentos estanques implodiram e tudo quanto havia nos conveses - equipamentos, passageiros, tripulantes - foi varrido para as águas geladas. A partir dos salva-vidas, os sobreviventes assistiam aterrados ao fim inglório do magnífico paquete - e um deles recordaria depois o que mais o impressionou: os brados agonizantes de mais de um milhar de bocas, os gemidos dos que sofriam, os gritos de pânico e o terrível arfar dos que se afogavam.

Nesses minutos finais, o Titanic estava a ser submetido à acção de duas forças opostas e extremas: a proa, completamente inundada e submersa, puxava-o para baixo, enquanto a popa, ainda com ar, o mantinha à superfície. Essas forças brutais concentraram-se numa das áreas mais fracas da superestrutura, próxima da terceira chaminé, e, de súbito, o barco dividiu-se em dois como se fosse feito de papelão. Finalmente, com a parte visível da popa quase na vertical, desapareceu nas profundezas atlânticas e avançou para o fundo a enorme velocidade.


Eram 02h20m de 15 de Abril, e haviam passado somente duas horas e quarenta minutos desde o fatídico encontro com o icebergue. As metades do Titanic despedaçado chegaram ao seu destino minutos depois, ficando a repousar no fundo a 600 metros uma da outra. O navio encontrara o seu túmulo, na escuridão dos abismos, a mais de 3800 metros de profundidade e a cerca de 650 km a sudeste da Terra Nova (Canadá). A sua primeira - e última - viagem não chegara a durar cinco dias.

Ante o espanto horrorizado dos náufragos que permaneciam nos salva-vidas, centenas de passageiros e tripulantes foram lançados para a água enregelante, perdidos entre os destroços que, num ou noutro caso, funcionaram como bóias. Alguns morreram quase de imediato, vitimados por acidentes cardíacos; outros não tardariam a entrar em hipotermia e a perder também a vida. Nalguns botes discutiu-se se se deviam aproximar dos que se debatiam no mar, mas poucos concordaram com isso: temiam que, no seu desespero, eles virassem os salva-vidas e os condenassem a todos. Não obstante, houve alguns resgates a partir dos salva-vidas.

O camareiro Harold Phillimore, um dos tripulantes atirados à água pelo afundamento do navio, buscou alguma coisa a que pudesse deitar mão para se conservar à superfície. De repente, foi puxado para cima de um painel de madeira flutuante por um passageiro que não conhecia. Os dois homens esforçaram-se por se manter agarrados ao painel escorregadio, mas isso tornava-se cada vez mais problemático. O desconhecido virou-se então para Phillimore e, como se comentasse apenas um contratempo desagradável, exclamou: Que noite esta! - e logo caiu morto no mar, talvez vitimado por colapso cardíaco. Phillimore seria salvo da morte pelo bote n.º 14, comandado pelo quinto-oficial Harold Lowe, que recolheu mais alguns (poucos) náufragos.

No bote n.º 6, a resoluta Margareth ("Molly") Brown foi gradualmente assumindo o comando das 28 pessoas a bordo. Ela estava ali por uma espécie de milagre. Ainda no Titanic, envolta no seu casaco de peles, tinha sido levantada e atirada pelo ar na direcção de um salva-vidas que já ia a descer para o mar, caindo, por pouco, no seu interior. Agora, encorajava os companheiros de infortúnio a não perderem a esperança e, utilizando a sua estola de peles, conservou agasalhado e vivo um fogueiro enregelado. Depois, obrigou toda a gente a remar para manter a circulação e o ânimo. Pouco mais havia a fazer. O frio era intenso e, naquele bote, tal como nos que pairavam em redor, não existia comida, nem bebidas nem qualquer fonte de iluminação. Restava apenas rezar pela chegada de um socorro rápido.




Por volta das 4 horas da manhã, os náufragos tiveram a mais maravilhosa visão das suas vidas: fumegando pela sua única chaminé, o Carpathia chegava a toda a força das suas máquinas, após uma navegação difícil e arriscada por entre campos de gelo.
Ainda não tinham decorrido duas horas sobre a desaparição do Titanic, mas a maioria das pessoas nos salva-vidas não poderia suportar por muito mais tempo a temperatura gélida. Verificaram-se, aliás, vários falecimentos durante a angustiante espera.

O Carpathia, sob o comando do incansável e determinado Arthur Rostron,  deu logo início à tarefa de recolha dos sobreviventes, que se prolongou por quase cinco horas. Alguns náufragos tinham conservado forças suficientes para treparem por escadas de corda até ao convés do navio. Os mais debilitados e as crianças tiveram que ser içados por cordas e sacos.


Às 9 horas da manhã daquele triste 15 de Abril, todos os sobreviventes se achavam a salvo no Carpathia, começando a ser alimentados e protegidos do frio. Aqui e ali, quando se reencontravam familiares ou amigos, havia exteriorizações de júbilo e alívio. Contudo, face à tremenda dimensão do desastre, a maior parte das manifestações era de tristeza e luto.

Salva-vidas do "Titanic" aproximando-se do "Carpathia" com sobreviventes.

Pelas 09h15m, chegou o Californian, que se tinha finalmente inteirado dos acontecimentos. Mas vinha tarde de mais. Naquela altura, o capitão Arthur Rostron, com todos os náufragos recolhidos, preparava-se para mudar o seu plano de viagem (ele navegava inicialmente em direcção à Europa). Assim, após a celebração de um breve serviço fúnebre no local do afundamento, deu ordens para que o Carpathia rumasse a New York, e foi nesse porto que deu entrada, seguido pelos olhares de dezenas de milhares de pessoas, no dia 18 de Abril de 1912.

A tragédia atingiu números aterradores. Foram salvas, entre passageiros e tripulantes, 705 pessoas - tendo portanto perdido a vida cerca de 1500. Apesar de os meios de salvamento (botes, jangadas) não chegarem para todos, estes números evidenciam que ficaram por ocupar cerca de 500 lugares nos salva-vidas.

Em termos percentuais morreram 82% dos passageiros adultos do sexo masculino; 26% do sexo feminino; 49% das crianças; e 78% dos tripulantes.

As diferenças sociais ficaram vincadas nas frias estatísticas do naufrágio. Por exemplo:
das 30 crianças das 1.ª e 2.ª classes, só uma não sobreviveu; mas na 3.ª classe perderam-se 52 num total de 79.
Na 1.ª e 2.ª classes faleceram 7% das mulheres; na 3.ª morreram 54%.

……………..

Daquela terrível madrugada de 14 para 15 de Abril de 1912 resultaram inúmeras interrogações e diversos inquéritos, que conduziram à aprovação de medidas de segurança inéditas nas futuras viagens marítimas. Sobraram também, entre as lágrimas e os lutos, as acções de revolta, o desespero e as recriminações. E restaram ainda, de forma dolorosamente tocante, as memórias perpetuadas por milhares de relatos e reconstituições.

Ao longo de mais de um século, essas recordações contribuíram para que o Titanic, e o seu precioso recheio humano, se transformassem em algo de perene e indestrutível - uma espécie de mito eterno transportado até ao fim dos tempos. Como se aquela - ao princípio - despreocupada e venturosa viagem estivesse de novo a realizar-se, a partir do porto de Southampton, e o grande paquete continuasse a vogar incólume, entre cânticos religiosos, sonhos  esperançosos e melodias festivas, por sobre as águas escuras e geladas do Atlântico.
Como se essa mítica viagem se fosse repetindo, uma vez atrás de outra, e ainda e sempre mais uma vez, num ciclo prolongado e contínuo -  povoando o imaginário de sucessivas gerações até desembocar, enfim, num epílogo redentor e definitivamente feliz...


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Aditamento:



Rota do "Titanic", a amarelo, desde Southampton até ao local do afundamento. A linha vermelha assinala a possível rota do icebergue fatal, impelido pela Corrente do Labrador.
















Joseph Bruce Ismay, presidente da White Star Line (1862-1937), sobrevivente do naufrágio. Foi muito criticado pela opinião pública por ter abandonado o navio ainda com centenas de passageiros a bordo.
















Engenheiro naval Thomas Andrews (1873-1912), que projectou o "Titanic" e supervisionou a sua construção. Foi o primeiro a perceber que o navio estava condenado. Morto no naufrágio.















Lista (cardápio) do último almoço servido na 1.ª classe do "Titanic" (14 de Abril de 1912).
















Frederick Fleet, um dos vigias que avistaram o icebergue fatal. Foi dele o telefonema de alerta para o oficial William Murdoch. Sobreviveu ao naufrágio, tal como o seu companheiro, Reginald Lee.


















Pedido de socorro do "Titanic", às 01h40m, captado pelo navio russo "Birma".
"Estamos afundando rapidamente. Passageiros sendo colocados nos botes".















Um icebergue fotografado pouco depois do naufrágio do "Titanic". Apresentava, num dos lados, claros vestígios de tinta vermelha, suspeitando-se de que tenha sido contra ele que o navio embateu.
















Navio "Californian", que poderia provavelmente ter socorrido os náufragos do "Titanic" e evitado muitas perdas de vidas.

















Milionário John Jacob Astor IV (1864-1912) e a sua jovem esposa Madeleine. Ele morreu no naufrágio, ela salvou-se.

















Milionário Benjamin Guggenheim (1865-1912), morto no naufrágio.















Milionário Isidor Straus (1845-1912), com a sua esposa Rosalie Ida Straus (1849-1912). Morreram ambos no naufrágio, depois de ela se ter recusado a abandoná-lo no "Titanic".




















Michel Marcel (3 anos) e Edmond Navratil (2), "os órfãos do Titanic". Salvaram-se, mas perderam o pai no naufrágio. Na América, estiveram várias semanas em casa de uma outra sobrevivente, Margaret Hays, porque ninguém sabia quem eles eram. (Foto obtida poucos dias depois da tragédia).















Edmond e Michel Marcel Navratil, os "órfãos do Titanic", ao colo de sua mãe, Marcelle Caretto. Ela conseguiu recuperá-los após várias peripécias. Edmond morreria em 1953 e Michel Marcel em 2001.



















Telegrafista John ("Jack") Phillips, do "Titanic" (1887-1912). Emitiu numerosos apelos de socorro na noite fatídica, mas, antes, repelira os avisos do operador do "Californian". Morto no naufrágio.


















Harold Sydney Bride, o outro telegrafista do "Titanic". Sobreviveu ao naufrágio.















Primeiro-oficial William Murdoch, do "Titanic" (1873-1912). Estava na ponte de comando quando o icebergue foi avistado, mas as suas instruções não conseguiram evitar o embate fatal. Morto no naufrágio.

















Quarto-oficial Joseph Boxhall, do "Titanic" (1884-1967). Conseguiu salvar-se e foi o primeiro sobrevivente a entrar no "Carpathia", onde pôs o comandante Arthur Rostron a par dos pormenores do naufrágio.





















Wallace Henry Hartley, de 33 anos, chefe da orquestra do "Titanic". Veio com os seus músicos para o convés e com eles continuou a tocar até perto do fim. Morreu no naufrágio com toda a orquestra.


















Padre católico Thomas Byles (1870-1912). Rodeado de náufragos na popa do "Titanic", ouviu-os em confissão e deu-lhes absolvições até ao fim. Morreu com eles no naufrágio.


















Harold Phillimore, camareiro do "Titanic" (1888-1967). Salvou-se da morte flutuando agarrado a um painel de madeira, até ser recolhido pelo salva-vidas n.º 14.
















Quinto-oficial Harold Lowe, do "Titanic", que sobreviveu ao desastre (1882-1944). Achava-se a dormir no momento do impacto do navio com o icebergue, mas foi depois muito activo na descida dos salva-vidas. Comandou o bote n.º 14, com que recolheu o camareiro Harold Phillimore e mais alguns náufragos.















Capitão Arthur Rostron, comandante do navio "Carpathia". Dotado de excepcional capacidade de decisão, conseguiu salvar os sobreviventes do "Titanic".
















O navio "Carpathia", no porto de New York, após o resgate dos sobreviventes do "Titanic".

















A voluntariosa Margareth ("Molly") Brown (1867-1932), sobrevivente do naufrágio.
A actriz Kathy Bates evocou-a, com uma soberba interpretação, no filme "Titanic" (1997). 

















Margareth ("Molly") Brown entrega uma lembrança ao comandante Arthur Rostron, do "Carpathia", em reconhecimento da sua acção de resgate dos náufragos (19 de Maio de 1912).















Anúncio da tragédia nas ruas de Londres.















O naufrágio na imprensa norte-americana.

















O "Titanic" no seu túmulo do Atlântico Norte (parte dianteira).

















Estado da proa do Titanic















Imagens reais do interior do "Titanic"
e da partida para a viagem inaugural:















 

Leonardo DiCaprio (Jack) e Kate Winslet (Rose) formaram o par romântico do filme "Titanic", produzido e dirigido por James Cameron (1997)














Duas peças da banda sonora
do filme "Titanic" (1997):

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Capitão Edward J. Smith, comandante do "Titanic",
que foi para o fundo com o seu navio (1850-1912).
















Um mito para a eternidade:
RMS TITANIC (White Star Line)

2 comentários:

Maria-Não-Vai-Com-As-Outras disse...

Excelente evocação desta terrível catástrofe. A inserção das fotos das personagens "reais" empresta um toque emocionante, mesmo pungente, ao relato dos acontecimentos. Fica à vista que houve por ali muito descuido e incompetência.

A. C. disse...

Formidável postagem! Excelente blogue! Parabéns aos autores!