sábado, 11 de janeiro de 2020

TITANIC - O navio inafundável que se perdeu na primeira viagem... (1.ª Parte)



Ainda que não o exprimissem em voz alta, muitos pensavam convictamente que o Titanic, o novo e magnífico navio da britânica White Star Line, jamais poderia ser afundado - nem pelos homens, nem por Deus...
Afinal, após o início da viagem inaugural, no dia 10 de Abril de 1912, o formidável rei dos mares demoraria menos de cinco dias para mergulhar, ferido de morte, rumo às trevas da sua sepultura nas profundas e geladas águas do Atlântico Norte. E com ele arrastou, para um fim trágico, cerca de milhar e meio de passageiros e tripulantes…

Comandante do navio, Edward Smith (à direita, de barba),
e comissário-chefe Hugh McElroy

Várias razões contribuíam para alimentar o mito da inafundabilidade do navio. As principais baseavam-se nos complexos desenvolvimentos tecnológicos incorporados na construção, tal como sucedera com o seu irmão gémeo - o Olympic - e aconteceria mais tarde com um terceiro paquete da mesma linha - o Britannic.
De resto, o seu comandante, Edward Smith, era provavelmente o mais convencido da absoluta segurança da embarcação. Uns anos antes, em 1907, numa altura em que o Titanic não fora sequer projectado, ele terá comentado - face aos extraordinários progressos da construção naval - que não conseguia imaginar nenhuma circunstância em que aqueles gigantes dos oceanos pudessem soçobrar.

Concebido pelos engenheiros navais Thomas Andrews e Alexander Carlisle nos estaleiros da Harland & Wolff (Belfast, Irlanda), o Titanic era, de facto, espantoso - o maior e mais luxuoso navio de passageiros alguma vez construído.
Tinha 269 metros de comprimento, 28 metros de boca (largura máxima), 53 metros de altura e 46.328 toneladas. Dispunha de 29 caldeiras a vapor, 2 motores de tripla-expansão e três gigantescas hélices (duas laterais e uma central) que lhe permitiam desenvolver uma velocidade média de 21 nós (cerca de 39km/hora), podendo facilmente, em caso de necessidade, ultrapassar esta marca.
Mas o factor decisivo para a sua segurança eram os 16 compartimentos estanques separados por portas de emergência que podiam ser fechadas em segundos, a partir da ponte de comando, com um simples toque num interruptor eléctrico. Segundo os projectistas, o Titanic manter-se-ia a flutuar mesmo que tivesse 4 daqueles compartimentos inundados.

Estava prevista uma tripulação de 892 elementos e, para além dela, o navio possuía acomodações e meios para receber 2435 passageiros.

O "Titanic" deixando o porto de Belfast para efectuar testes marítimos
(2 de Abril de 1912)

A construção do Titanic principiou em Março de 1909. Três anos depois, às seis horas da manhã do dia 2 de Abril de 1912, saiu do porto de Belfast, puxado por vários rebocadores, para realizar testes finais em mar aberto.

As coisas não podiam ter corrido melhor - o navio respondia eficaz e docilmente a todas as manobras a que o foram sujeitando. Assim, foi em ambiente festivo que os engenheiros navais, os representantes dos estaleiros Harland & Wolff e vários elementos do Ministério do Comércio britânico almoçaram no salão de jantar da 1.ª classe. Às 18 horas, com todos os requisitos cumpridos, o paquete regressou a Belfast.

Nesse mesmo dia, 2 de Abril, pelas 20 horas, o Titanic deixou Belfast e rumou ao porto de Southampton, de onde partiria, oito dias mais tarde, para a viagem inaugural.

Titanic saindo do porto de Southampton para a viagem fatal

O Titanic zarpou de Southampton pouco depois do meio-dia de 10 de Abril de 1912. Chegou a Cherbourg, na França, ao cair da noite, tendo descido alguns passageiros e recebido outros. No dia seguinte, efectuou a derradeira paragem, em Queenstown, Irlanda, descendo 7 passageiros e acolhendo mais 120. Quando, no dia 11 de Abril de 1912, iniciou finalmente  a viagem transatlântica com rumo a New York, achava-se transformado numa autêntica cidade flutuante habitada por 2205 pessoas - 1316 passageiros e 889 tripulantes.




Disposto a arrebatar o famoso troféu da Flâmula Azul, que distinguia a travessia marítima mais rápida entre a Europa e a América, o capitão Edward Smith aproou resolutamente ao Novo Mundo. O barco continuava a transmitir-lhe - e aos que o rodeavam - uma ilimitada sensação de força e segurança. Os modernos dispositivos instalados nos estaleiros de Belfast respondiam tal como nos testes de 2 de Abril: o paquete funcionava como uma máquina perfeita e indestrutível.
O presidente da White Star Line, Joseph Bruce Ismay, acompanhado por um dos projectistas do Titanic (Thomas Andrews), mostrava-se tão confiante e orgulhoso como o comandante, testemunhando com agrado (e possivelmente encorajando-a)  a progressão vertiginosa em mar aberto.




Os passageiros distribuíam-se por três classes, rigorosamente separadas umas das outras. Na 3.ª classe seguia a maior parte - mais de 700 pessoas -, gente de parcos recursos em busca de uma vida melhor no sonhado continente americano. Nalguns casos formavam grandes grupos familiares, de até uma dúzia de membros, e provinham de diferentes partes da Europa, como a Irlanda, a Escandinávia e o Leste Europeu. Havia, também, alguns asiáticos.

Na 2.ª classe viajavam sobretudo empresários, clérigos, professores e migrantes, por vezes ricos, que regressavam ao país natal. Um desses passageiros, Michel Navratil, escondia um segredo. Acompanhado por duas crianças de tenra idade - os irmãos Michel Marcel e Edmond, de 3 e 2 anos de idade, respectivamente -, viajava sob nome falso (era o sr. "Hoffman") e apresentava-se como um desconsolado viúvo com os seus filhos. Mas a verdade era muito diferente. Navratil, após um divórcio litigioso, perdera a custódia dos meninos para a sua ex-esposa: agora, a bordo do "Titanic", estava simplesmente em fuga com eles para os Estados Unidos.

Grande escadaria do "foyer" do convés A do Titanic

A 1.ª classe constituía um verdadeiro mundo à parte, afirmando-se como luxuoso refúgio dos poderosos. Viam-se figuras ricas e célebres das áreas dos negócios, da aristocracia e do desporto - como o milionário quarentão John Jacob Astor IV, provavelmente o mais rico a bordo, que viajava com a jovem e recente esposa, Madeleine, de apenas 18 anos de idade; ainda Benjamin Guggenheim, Margareth ("Molly") Brown, Isidor Straus, Cosmo Duff-Gordon, Richard Norris Williams, Jacques Futrelle, Archibald Gracie. E muitos outros, quase todos famosos.

A vida a bordo decorria sem problemas, num doce lazer e em múltiplos divertimentos - distintos de classe para classe, mas sempre animados. Bailes, jogos, cantorias, provas desportivas, banhos turcos, namoricos efémeros, alegres e despreocupados convívios. Naquela 1.ª classe, o requinte das instalações conjugava-se com a ostensiva elegância das pessoas e com a sua forma de passar o tempo. Uma orquestra tocava todos os dias para seu deleite (podemos ouvir abaixo uma das peças que os músicos executavam nos salões sumptuosos onde os pares rodopiavam ligeiros e felizes ):








A partir do dia 12 de Abril, o navio passou a receber diversos alertas, pelo telégrafo sem fio, sobre a presença de gelo nas proximidades. Na manhã de 14, quarto dia de viagem - que caiu num domingo -, essas mensagens tornaram-se mais inquietantes. Vinham dos navios que, tal como o Titanic, percorriam a chamada Rota da Terra Nova em direcção à América do Norte. Nesse dia, a primeira comunicação foi emitida pelo vapor Caronia, que avisava sobre a presença de massas de gelo flutuante na zona. O comandante Edward Smith acusou a recepção, agradeceu o alerta, mas não alterou nada de significativo: o navio prosseguiu na sua marcha veloz, rompendo as vagas a uma velocidade de 22 nós por hora.

As mensagens, todas no mesmo sentido, foram-se multiplicando nas horas seguintes. Ao princípio da tarde chegou uma do Baltic, mais específica, que o operador de serviço se apressou a levar ao comandante Edward Smith: Icebergues e grandes quantidades de campos de gelo à latitude 41º 51' N, longitude 49º 52' W. O comandante entregou o papel a J. Bruce Ismay, o presidente da White Star Line, que o leu em silêncio e não fez quaisquer comentários.




Outro navio a emitir alertas - pelo menos em duas ocasiões - foi o cargueiro britânico Californian, que parecia ser o mais próximo do Titanic (navegava a uma distância de 10 a 20 milhas deste). Da primeira vez avisara para a presença de três enormes icebergues nas imediações. Da segunda, transmitira: Estamos aqui parados, rodeados de gelo.
O radiotelegrafista Jack Phillips, do Titanic, teve então uma atitude que pode ter custado a vida a centenas de pessoas. Assoberbado de trabalho, irritado com as insistências do operador do Californian, mandou-o calar-se e justificou-se: Você está a provocar interferências na minha missão. Estou a comunicar com o cabo Race.

A resposta desabrida de Phillips revela quais eram, naquele momento, as suas maiores prioridades. Ele estava a captar mensagens do Cabo Race, dirigidas aos passageiros do Titanic, e emitia as mensagens destes para os respectivos destinatários. Aliás, era este o procedimento habitual nos grandes paquetes de luxo daquele tempo.
Cansado - e provavelmente amuado com a atitude de Phillips -, o operador do Californian desligou o seu rádio e foi dormir. Não estaria no ar, horas depois, quando se tornou mais desesperadamente necessária a sua disponibilidade.


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(Conclui em 18-Janeiro-2020 - 2.ª Parte - ver aqui)

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