quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Testamento (Alda Lara - Angola)


À prostituta mais nova
do bairro mais velho e escuro,
deixo os meus brincos,
lavrados em cristal,
límpido e puro...

E àquela virgem esquecida,
rapariga sem ternura,
sonhando algures uma lenda,
deixo o meu vestido branco,
o meu vestido de noiva,
todo tecido de renda...

Este meu rosário antigo,
ofereço-o àquele amigo
que não acredita em Deus...

E os livros, rosários meus
das contas de outro sofrer,
são para os homens humildes
que nunca souberam ler.

Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
sincera e desordenada...
Esses, que são de esperança,
desesperada mas firme,
deixo-os a ti, meu amor...

Para que, na paz da hora
em que a minha alma venha
beijar de longe os teus olhos,
vás por essa noite fora,
com passos feitos de lua,

oferecê-los às crianças

que encontrares em cada rua…



Alda Lara

Nasceu em Benguela, Angola, no ano de 1930.
Faleceu em Cambambe, Angola, em 1962.
Saiba mais sobre ela - aqui.

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