sábado, 13 de julho de 2019

Uma carta de D. Pedro, futuro imperador do Brasil, para seu pai, D. João VI de Portugal (1822)

D. Pedro, príncipe regente e, mais tarde, primeiro imperador do Brasil.
Nasceu e faleceu no palácio de Queluz, Portugal (1798-1834)

A 19 de Junho de 1822, D. Pedro, príncipe regente do Brasil, dirigiu uma carta a seu pai, D. João VI, rei de Portugal, então já fixado em Lisboa.
Oitenta dias depois de ter escrito estas linhas, D. Pedro soltava o grito de Independência ou Morte!, às margens do riacho Ipiranga (São Paulo), e o Brasil viu-se finalmente livre do domínio colonial português.
É dessa carta que apresentamos alguns extractos (com ortografia actualizada).

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"Meu pai e meu senhor:

Tive a honra e o prazer de receber de Vossa Majestade duas cartas, nas quais me comunicava o seu estado de saúde física, a qual eu estimo mais do que ninguém, e em que me dizia: Guia-te pelas circunstâncias, com prudência e cautela. Esta recomendação é digna de todo o homem, e muito mais de um pai a um filho, e de um rei a um súbdito que o ama e respeita sobremaneira.
Eu ainda me lembro e me lembrarei sempre do que Vossa Majestade me disse, dois dias antes de partir, no seu quarto: Pedro, se o Brasil se separar, antes que seja para ti, que me hás-de respeitar, do que para algum desses aventureiros.
Foi chegado o momento da quase separação, e, estribado nas eloquentes e singelas palavras expressadas por Vossa Majestade, eu tenho marchado adiante do Brasil, que tanto me tem honrado.

Pernambuco proclamou-me Príncipe Regente, sem restrição alguma no poder executivo. Aqui consta-me que querem aclamar Vossa Majestade Imperador do Reino Unido [de Portugal e Brasil] e, a mim, rei do Brasil. Eu, senhor, se isto acontecer, receberei as aclamações, porque me não hei-de opor à vontade do povo. Mas sempre, se me deixarem, hei-de pedir licença a Vossa Majestade para aceitar, porque sou bom filho e fiel súbdito. Ainda que isto aconteça, o que espero que não, conte Vossa Majestade que eu serei rei do Brasil, mas também gozarei da honra de ser súbdito de Vossa Majestade.

D. João VI, rei de Portugal. Nasceu e faleceu em Lisboa (1767-1826)
Vossa Majestade, que é rei há tantos anos, conhece muito bem as diferentes situações e circunstâncias de cada país. Por isso, igualmente Vossa Majestade conhecerá que os estados independentes (digo, os que de nada carecem, como o Brasil) nunca são os que se unem aos necessitados e dependentes.
Portugal é hoje em dia um estado de quarta ordem e necessitado, por consequência dependente. O Brasil é de primeira ordem e independente. A união é sempre procurada pelos necessitados e dependentes: portanto, a união dos dois hemisférios deve ser (para poder durar) de Portugal com o Brasil, e não deste com aquele, que é necessitado e dependente.
Uma vez que o Brasil todo está persuadido desta verdade eterna, a separação do Brasil é inevitável, se Portugal não buscar todos os meios de se conciliar com ele por todas as formas.

Peço a Vossa Majestade que deixe vir o mano Miguel para cá, seja como for, porque ele é aqui muito estimado, e os brasileiros querem-no ao pé de mim para me ajudar a servir o Brasil e, a seu tempo, casar com a minha linda filha Maria.
Espero que Vossa Majestade lhe dê licença e lhe não queira cortar a sua fortuna futura, quando Vossa Majestade, como pai, deve por obrigação cristã contribuir com todas as suas forças para a felicidade de seus filhos.
Vossa Majestade conhece a razão; há-de conceder-lhe a licença, que eu e o Brasil tão encarecidamente pedimos pelo que há de mais sagrado.

7 de Setembro de 1822 - Grito do Ipiranga: "Independência ou Morte!"
O Brasil declarava-se independente de Portugal.

Como filho respeitoso e súbdito constitucional, cumpre-me dizer sempre a meu rei e meu pai aquela verdade que de mim é inseparável. Se abusei, peço perdão, mas creio que falar verdade nunca é abuso, antes obrigação e virtude.

Dou parte a Vossa Majestade que as minhas filhas estão boas. Da Maria remeto um retrato, tal qual ela, e a Princesa [Dona Leopoldina, esposa de D. Pedro] está também boa.
Remeto no meio dos papéis um figurino a cavalo da guarda de honra, formada voluntariamente pelos paulistas mais distintos da província, mas em que têm também entrado desta província. Os de São Paulo têm na correia da canana [cartucheira] S. P.; e os do Rio de Janeiro R. J.

Tenho a honra de protestar novamente a Vossa Majestade os meus sentimentos de amor, respeito e submissão de filho para um pai carinhoso, e de súbdito para um rei justo.
Deus guarde a preciosa vida e saúde de Vossa Majestade, como todos os bons portugueses, e mormente nós brasileiros, havemos mister.
Sou de Vossa Majestade súbdito fiel e filho obedientíssimo, que lhe beija a sua real mão,
Pedro"

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Fonte: ANTÓNIO VIANNA - A Emancipação do Brazil (1808-1825). Editado em Lisboa, Portugal, no ano de 1922 (Págs. 503-507)

Como é hoje o riacho Ipiranga, em São Paulo.
A palavra vem do idioma tupi (Ypirang). Pode ser traduzida como "rio vermelho", "água vermelha" ou "água barrenta" (composta de Y = rio e de pirang = vermelho).

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Oiça, abaixo, o que o Professor José Hermano Saraiva disse sobre o Grito do Ipiranga numa visita que fez ao Brasil:


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