Falecido hoje, 18 de Junho de 2010, em Lanzarote, Espanha.
Prémio Nobel da Literatura - 1998.
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“Vai sair a procissão de penitência.
Castigámos a carne pelo jejum, maceremo-la agora pelo açoite.
Comendo pouco purificam-se os humores, sofrendo alguma coisa escovam-se as costuras da alma.
Os penitentes, homens todos, vão à cabeça da procissão, logo atrás dos frades que transportam os pendões com as representações da Virgem e do Crucificado.
Seguinte a eles aparece o bispo debaixo do pálio rico, e depois as imagens nos andores, o regimento interminável de padres, confrarias e irmandades, todos a pensarem na salvação da alma, alguns convencidos de que a não perderam, outros duvidosos enquanto se não acharem no lugar das sentenças, porventura um deles pensando secretamente que o mundo está louco desde que nasceu.
Passa a procissão entre filas de povo, e quando passa rojam-se pelo chão homens e mulheres, arranham a cara uns, arrepelam-se outros, dão-se bofetões todos, e o bispo vai fazendo sinaizinhos da cruz para este lado e para aquele, enquanto um acólito balouça o incensório.
Lisboa cheira mal, cheira a podridão, o incenso dá um sentido à fetidez, o mal é dos corpos, que a alma, essa, é perfumada.” (*)
(*) José Saramago - Memorial do Convento - Editorial Caminho - Lisboa - Portugal - 1982.
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