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“O sol abrasador da Síria não atingira ainda a sua máxima altura quando um guerreiro, exibindo a Cruz Vermelha, que abandonara a sua longínqua pátria do Norte para se reunir às hostes dos Cruzados da Palestina, atravessava vagarosamente a extensa planura de areia, situada próximo do Mar Morto ou Lago Asiático, onde as águas do Jordão se precipitam como num mar interior.
Durante as primeiras horas do dia o cavaleiro peregrino transpusera precipícios e desfiladeiros escarpados, entrando por fim numa planície onde outrora se erguiam as cidades amaldiçoadas que tinham chamado sobre si a cólera do Todo-Poderoso.
A fadiga, a sede, os perigos de toda a espécie, vencidos durante o caminho, tudo o cavaleiro esqueceu quando recordou a tremenda catástrofe que convertera em árida planície o fértil e formoso vale de Sodoma, outrora banhado por águas frescas e abundantes como o Jardim do Senhor, agora reduzido a deserto árido, requeimado pelo sol, condenado à eterna esterilidade.
O cavaleiro fez o sinal da Cruz mal avistou a massa sombria das águas, tão diferentes na cor e no aspecto das dos outros lagos, e estremeceu ao recordar que, sob a toalha imóvel e glauca, se encontravam as cidades que, em tempos remotos, se haviam erguido na planície, orgulhosas e imponentes.
Cavara-lhes a sepultura o raio caído do céu, ou, quem pode sabê-lo, a súbita erupção do fogo subterrâneo. Mas, de qualquer forma, jazem no fundo desse estranho mar - que não consente peixe no seu seio nem barco algum à superfície, e que, como se as suas águas maléficas não admitissem outro berço senão o seu leito negro, não paga o seu tributo ao oceano.
Em volta, tal como nos tempos de Moisés, a terra não é mais do que enxofre e sal. Não aceita sementes, não produz nem sequer uma ervinha. E, tal como a água do lago, essa terra bem se pode chamar morta, porque, além de estéril, até a própria atmosfera parece abandonada pelos seus habitantes naturais, e as aves não cortam o espaço em voos elegantes nem o enchem com harmoniosos cantos.
O sol brilhava sobre esta cena de desolação, atormentando-a com um calor quase intolerável, e toda a Natureza - tudo quanto tinha um sopro de vida - se escondia, esquivando-se aos seus raios ardentes, excepto a figura isolada que pisava as areias movediças do deserto, e dir-se-ia o único ser vivo na imensa planície. (…)”
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