"O acordo de dois partidos, revezando-se sucessivamente no poder, dizendo-se um liberal e outro conservador, segundo o regime inglês, falhara inteiramente na sua reiterada aplicação prática.
O jogo permanente dessa rotatividade representativa, com vinte anos de funcionamento automático, desgastara todas as engrenagens, boleara todos os ângulos, puíra todas as arestas, safara todos os cunhos que caracterizavam o sistema.
O jogo permanente dessa rotatividade representativa, com vinte anos de funcionamento automático, desgastara todas as engrenagens, boleara todos os ângulos, puíra todas as arestas, safara todos os cunhos que caracterizavam o sistema.
Quem eram os liberais que pela contribuição de novas ideias se propunham acelerar a energia propulsora do parlamentarismo no sentido do mais rápido progresso?
Quem eram os conservadores incumbidos de coordenar a marcha e de manobrar os travões do maquinismo?...
Ninguém o saberia dizer, porque nenhum dos dois partidos a si mesmo se distinguia do outro, a não ser pelo nome do respectivo chefe, politicamente diferenciado, quando muito, pela ênfase pessoal de mandar para a mesa o orçamento ou de pedir o copo de água aos contínuos.
Um facto sumamente grave preocupava, no entanto, a atenção dos que isoladamente contemplavam a integral concatenação dos acontecimentos.
Esse facto era a decomposição da sociedade, lentamente, surdamente, progressivamente contaminada pela mansa e sinuosa corrupção política.
Quantos sintomas inquietantes!
A indisciplina geral,
o progressivo rebaixamento dos caracteres,
a desqualificação do mérito,
o descomedimento das ambições,
o espírito de insubordinação,
a decadência mental da Imprensa,
a pusilanimidade da opinião,
o rareamento dos homens modelares,
o abastardamento das letras,
a anarquia da arte,
o desgosto do trabalho,
a irreligião,
e, finalmente,
a pavorosa inconsciência do povo."
(Ramalho Ortigão - Últimas Farpas - 1911)
José Duarte Ramalho Ortigão nasceu no Porto a 24 de Outubro de 1836. Os primeiros anos da infância passou-os no campo, em casa da avó materna. Frequentou o curso de Direito em Coimbra, que não concluiu.
De regresso à sua cidade natal, leccionou Francês, durante alguns anos, no Colégio da Lapa, dirigido por seu pai, onde teve como aluno o jovem Eça de Queirós.
A partir de 1862 dedicou-se ao jornalismo. Foi crítico literário do Jornal do Porto e colaborou na Revista Contemporânea e na Gazeta Literária. Iniciou-se no jornalismo e na literatura no momento em que a segunda geração romântica dominava as letras portuguesas (Camilo, Soares de Passos, Arnaldo Gama...).
Por esse motivo, não é de estranhar que tenha participado na célebre polémica conhecida por Questão Coimbrã, com o texto Literatura de Hoje (1866), defendendo António Feliciano de Castilho dos ataques que lhe eram dirigidos.
De regresso à sua cidade natal, leccionou Francês, durante alguns anos, no Colégio da Lapa, dirigido por seu pai, onde teve como aluno o jovem Eça de Queirós.
A partir de 1862 dedicou-se ao jornalismo. Foi crítico literário do Jornal do Porto e colaborou na Revista Contemporânea e na Gazeta Literária. Iniciou-se no jornalismo e na literatura no momento em que a segunda geração romântica dominava as letras portuguesas (Camilo, Soares de Passos, Arnaldo Gama...).
Por esse motivo, não é de estranhar que tenha participado na célebre polémica conhecida por Questão Coimbrã, com o texto Literatura de Hoje (1866), defendendo António Feliciano de Castilho dos ataques que lhe eram dirigidos.
Essa atitude acabou por levá-lo a enfrentar Antero de Quental em duelo.
Apesar disso, anos mais tarde, vamos encontrá-lo ao lado dos jovens da Geração de 70. Foi nessa altura que escreveu, em colaboração com Eça de Queirós, O Mistério da Estrada de Sintra (1871) e as primeiras Farpas.
Apesar disso, anos mais tarde, vamos encontrá-lo ao lado dos jovens da Geração de 70. Foi nessa altura que escreveu, em colaboração com Eça de Queirós, O Mistério da Estrada de Sintra (1871) e as primeiras Farpas.
Quando Eça ingressou na carreira diplomática e foi nomeado cônsul em Havana (Cuba), Ramalho continuou sozinho a redacção das Farpas.
Em 1870 tinha sido admitido como funcionário da Academia das Ciências, o que lhe permitiu instalar-se definitivamente em Lisboa e dedicar-se, paralelamente, ao jornalismo e literatura.
Em 1870 tinha sido admitido como funcionário da Academia das Ciências, o que lhe permitiu instalar-se definitivamente em Lisboa e dedicar-se, paralelamente, ao jornalismo e literatura.
Anos mais tarde, em 1895, viria a ser nomeado bibliotecário do Palácio da Ajuda.
Outro aspecto em que se distinguiu foi o das impressões de viagem, deixando-nos algumas obras que ainda hoje podem ser lidas com algum prazer.
Faleceu em Lisboa, a 27 de Setembro de 1915.
Ramalho Ortigão, embora tenha mantido durante dezenas de anos um certo prestígio, nunca ombreou com Eça ou Antero como criador literário.
Na fase inicial das Farpas, mostrou-se um observador atento e crítico da vida portuguesa. No espírito da Geração de 70, e recorrendo a um estilo irónico, pretendia aproximar Portugal das sociedades modernas de então. A partir de 1872, a sua formação mais tradicionalista impôs-se e passou a dar mais atenção aos aspectos pitorescos da realidade portuguesa e a orientar-se por um certo bom senso burguês, pouco propício às mudanças radicais. Esse espírito conservador foi-se acentuando com a idade e, já no século XX, Ramalho acabou por se integrar na corrente nacionalista, então em formação.
Faleceu em Lisboa, a 27 de Setembro de 1915.
(De: Aprender Português - 2000)
Sem comentários:
Enviar um comentário