"A globalização abriu uma excepção cultural que tende a aniquilar o mais nobre dos direitos humanos: o direito ao trabalho.
Um pouco por todo o lado, esse direito é espezinhado ou, simplesmente, não existe.
Criaram-se leis que parecem constituir uma fuga dilatória de qualquer discussão sobre o assunto, como se este permanecesse definitivamente encerrado.
Não será de mais insistir na interiorização do princípio de igualdade, recomendado na Carta dos Direitos Humanos.
O direito ao trabalho concentra, em si mesmo, o conceito de liberdade e de justiça social, numa compreensão das razões do outro que deve tornar-se num compromisso político e ético.
No mesmo dia em que, no Público, Francisco Sarsfield Cabral, abandonando o estilo pungente que o torna no espírito mais mortificado dos "colunistas" portugueses, dava com o sarrafo nos protestatários antiglobalização, - nesse mesmo dia [11. Junho p.p.], no Diário de Notícias, Céu Neves assinava a segunda parte de uma notável reportagem, sobre os "prestígios" do mercado, através de experiência pessoal na Holanda.
E, à noite, no Prós e Contras, da RTP, os depoimentos sobre os escravos do século XXI atingiram níveis de dramática tensão, sobretudo com as corajosas declarações de António Esteves Martins.
Entre a urgência em se combater os novos códigos sociais, impostos por uma ordem económica cuja selvajaria é constantemente omitida, e os que invocam e ratificam o inverso dos princípios - creio não haver hesitação na escolha.
Sarsfield Cabral estabelece confusos paralelismos entre "acesso aos mercados dos países desenvolvidos" e o que entende ser "folclore mediático".
O G8 não estabelece novas relações de civilidade, nem a natureza da sua estrutura é de bonomia. A agressividade está-lhe na índole; o coração gelado é a sua profissão de fé.
Como num contraponto, o impressionante requisitório de Céu Neves fornece-nos amplos motivos de reflexão. Durante duas semanas ela foi operária numa fábrica de tomates.
Ganhou 200 euros e experimentou a brutalidade do trabalho escravo.
Muitos outros portugueses, por essa Europa fora, são submetidos a leis atrozes, reveladoras de um sistema monstruoso, apregoado como "melhorável", embora "inevitável".
Em Portugal as condições de trabalho dos imigrados são semelhantes.
Os novos protagonistas dos grandes desesperos nacionais andam de um para outro lado, em busca do pão e da equidade que lhes negam.
É esta Europa "globalizada" que desejamos - criadora de sociedades a funcionar segundo regras tão implacáveis quanto desumanas?
E como devemos qualificar os seus panegiristas?"
(Baptista-Bastos - Diário de Notícias - 13 de Junho de 2007)
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