sábado, 8 de agosto de 2020

Brasil Antigo - Índios, Portugueses e Outros - 2.ª Parte

(Continuação de 1.ª Parte - aqui)



Os portugueses cedo começaram a obter informações sobre as populações costeiras do Brasil. A maior parte dos relatos ficou a dever-se a homens que, voluntariamente ou pela força, puderam conviver com os índios durante períodos mais ou menos prolongados.

Isso começou logo nos tempos de Pedro Álvares Cabral, que desembarcou degredados na região de Porto Seguro, aos quais se juntaram vários desertores. Com o decurso dos anos, algumas vítimas de naufrágios foram sendo arrojadas ao litoral, onde, para além de sobreviverem aos índios, lograram alcançar grande influência entre estes.

Foram os casos, entre outros, de João Ramalho e de Diogo Álvares (o famoso Caramuru), dos quais falaremos um dia mais detidamente.
Embora casados com índias - filhas de caciques ou dos principais das tribos -, eles não enjeitavam a poligamia, vulgar entre os seus anfitriões. Foi assim que lançaram ao mundo uma profusão de filhos mestiços (os mamelucos) que se revelariam importantíssimos nas incursões pelo sertão - em paz ou em guerra.

Esses homens, inseridos no quotidiano local durante dezenas de anos, agiam frequentemente como intermediários entre os seus compatriotas e os autóctones brasileiros. Influentes entre estes e assumindo por vezes a sua chefia, ajudaram também, quando chegaram os momentos de guerra, a definir e a manter as principais alianças dos portugueses.


Cena do quotidiano numa tribo índia.

As acções militares tornaram-se inevitáveis, poucas décadas mais tarde, quando aumentou a presença portuguesa na região, com o consequente incremento da actividade económica ligada ao cultivo da terra (com destaque para as plantações de cana e a instalação dos engenhos de açúcar).

Necessitados de braços, os senhores dos engenhos tiveram que recorrer ao trabalho dos índios. E, na maior parte dos casos, obtiveram-no através da captura destes e da sua sujeição à escravatura.

Foi então que as rivalidades ancestrais e os conflitos entre tribos facilitaram os objectivos dos colonizadores. Um número bastante significativo de índios escolheu associar-se a eles para combaterem os inimigos tribais. Ficou célebre, por exemplo, a aliança dos tupiniquins com os portugueses para atacarem os odiados tupinambás (que os tinham expulsado da região da Guanabara).

Em certas ocasiões, as tribos lançavam-se por iniciativa própria ao ataque de outras para fazerem prisioneiros que logo encaminhavam para o trabalho nas plantações dos brancos.

Sempre que tal sucedia, eles estavam a fugir às suas velhas tradições de guerra.




Com efeito, e como os europeus não tardaram a perceber - para seu espanto e terror -, as tribos costumavam dar outro fim aos inimigos que lhes caíam nas mãos. Estes, por regra, não eram torturados nem sujeitos a maus tratos. Pelo contrário, assim que chegavam às aldeias dos vencedores eram alvo de múltiplas atenções e deferências.

Cada prisioneiro - que sabia perfeitamente qual seria o epílogo da história - era fartamente alimentado durante meses, o que significa que entrava num "programa de engorda" atentamente controlado pelos seus captores.
Para que nada lhe faltasse, era-lhe até oferecida a companhia de uma mulher com a qual poderia conviver como se fosse sua. Nenhum prisioneiro pensava em fugir: tal seria encarado por todos, incluindo o próprio, como "uma desonra".

Mas, um dia, soava a hora fatal. Bem nutrido e amarrado pela cintura com uma corda de fibras de palmeira, o prisioneiro era conduzido até ao centro da aldeia. Levava os braços livres para que se pudesse defender até ao fim. O seu destino estava, porém, traçado. Abatido quase sempre com uma pancada na nuca, era logo de seguida esquartejado, cozinhado no moquém (grelha) e festivamente devorado por homens, mulheres e crianças da aldeia.


Canibalismo ritual entre os índios brasileiros. Os despojos do inimigo, cozinhados no moquém (grelha), eram logo devorados por homens, mulheres e crianças.

(Gravura baseada na narrativa de Hans Staden, que aparece, horrorizado, em segundo plano. Este mercenário alemão, ao serviço dos portugueses como artilheiro, foi capturado pelos tupinambás e entre eles viveu durante meses. Teve a sorte de sobreviver e de poder contar, em livro, a sua vivência com os índios).



(Continua em 12-Agosto-2020 - 3.ª Parte - aqui)

Sem comentários:

Enviar um comentário