sábado, 17 de agosto de 2019

Hernán Cortés e os Astecas - A Conquista do México pelos Espanhóis - 4.ª Parte

Cortés conferenciando com os habitantes do território.
A seu lado, trabalhando como intérprete, a famosa Dona Marina (Malinche para os índios).
Continuação de:
27-Julho-2019 - 1.ª parte (ver aqui)
03-Agosto-2019 - 2.ª parte (ver aqui)
10-Agosto-2019 - 3.ª parte (ver aqui)

Uma das vinte escravas oferecidas pelos chefes de Tabasco a Cortés ficaria para sempre na história da conquista espanhola do México. De rara formosura, expressiva, afável e muito inteligente, logo encantou os expedicionários. Nascida em território asteca, ficara órfã de pai em criança e acabara por andar de mão em mão até ser vendida aos Tabasquenhos. Os Espanhóis baptizaram-na com o nome de Marina, ficando conhecida nas suas crónicas como "Dona Marina". Os índios chamavam-lhe Malinche.

Depois do resgate de Gerónimo de Aguilar em Cozumel, o aparecimento de Dona Marina, ou Malinche, foi a ocorrência mais relevante da primeira fase da conquista, tanto mais que o tradutor índio Melchorejo se havia posto em fuga durante os recentes combates em Tabasco.
Com efeito, a jovem escrava tanto dominava a língua dos Astecas (o "náuatle") como o idioma "maia", que imperava entre os Tabasquenhos e seus vizinhos. Como Aguilar falava "maia", Dona Marina tornou-se imprescindível para a comunicação de Cortés com os povos que foi encontrando. Ela traduzia de náuatle para maia e Aguilar passava de maia para castelhano, assim se evitando os equívocos e conflitos suscitados por interpretações erróneas.

Com o tempo, e dada a sua capacidade aprendizagem, Malinche começou a falar com fluência a língua castelhana, pelo que Cortés pôde entender-se quase directamente com os naturais do território. Isso constituiu um factor fundamental para o desenvolvimento da sua política de alianças (e de confrontos) com os diferentes interlocutores.
Também com o tempo, Dona Marina tornou-se confidente, conselheira e amante do comandante espanhol e com ele teve um filho - Martín Cortés.

Nota: O papel de Dona Marina (Malinche) é ainda hoje objecto de discussão e controvérsia. Para alguns ela deve ser considerada "traidora", por se ter posto do lado dos conquistadores e ajudando-os a comunicar com os nativos (parecendo haver aqui alguma confusão entre mensagem e mensageira).
Para outros, ela foi sobretudo a hábil sobrevivente de um choque brutal. E, como progenitora de mestiços, acabou por transformar-se na "mãe da nação mexicana" (ou na "Eva mexicana"), constituindo-se como verdadeiro símbolo da mescla de culturas que caracteriza o México.
Tzvetan Todorov, numa síntese feliz, escreveu que Malinche, no desempenho do seu papel de intermediária, glorifica a mistura em detrimento da pureza (espanhola ou asteca).
Cortés com os emissários de Moctezuma. Aguilar e Dona Marina (Malinche) servem de intérpretes.

Embora estivesse já com o sentido no ouro, Cortés resolveu prosseguir durante mais algum tempo o reconhecimento da costa antes de se lançar à exploração do interior. No dia 21 de Abril de 1519 fundeou próximo do local onde actualmente se ergue a cidade de Veracruz e recebeu a bordo uma delegação de índios. Ainda que parecessem bem-intencionados, ninguém conseguia entender o que diziam, pois falavam "náuatle". Foi então que se lembraram de Dona Marina. Coadjuvada por Gerónimo de Aguilar, ela fez com que Cortés tivesse enfim acesso às informações por que ansiava.

Os índios - que não eram, ainda, os emissários de Moctezuma - falaram de uma magnífica cidade do interior, erigida na ilha de um enorme lago, que distaria dali cerca de três centenas de quilómetros. A cidade chamava-se Tenochtitlán e era a capital de um povo próspero e poderoso, os Astecas, aos quais quase todas as tribos tinham que pagar tributos. O chefe era uma espécie de rei-deus e tinha por nome Moctezuma.
Cortés ficou entusiasmado com as notícias. E compreendeu que os Astecas possuíam uma civilização mais rica e mais avançada do que qualquer outra achada pelos Espanhóis no Novo Mundo. Trocou presentes com os visitantes. No dia seguinte chegaram mais ofertas e o comandante confidenciou aos portadores que ele e os seus homens sofriam de uma doença no coração que só se curava com ouro.

A estranha e despudorada queixa de Cortés não caiu em saco-roto. Uma semana depois chegaram emissários do próprio imperador asteca, trazendo consigo presentes esplêndidos: dois discos de ouro e de prata do tamanho de rodas de carruagem, ornamentos cobertos de pérolas e turquesas, vestes enfeitadas com jóias e vistosos leques e penachos confeccionados com plumas. No entanto, ainda que indirectamente, os recém-chegados procuravam dissuadir os expedicionários de irem mais longe. Segundo eles, o imperador Moctezuma não poderia vir até ali porque se sentia doente e estava impossibilitado de viajar. Mas também não valia a pena que o comandante se deslocasse até Tenochtitlán: os caminhos atravessavam montanhas íngremes e vales desérticos, que se podiam tornar muito perigosos para estrangeiros. Cortés, fazendo-se desentendido, afirmou que aquelas dificuldades só lhe aumentavam o desejo de conhecer o grande imperador. E com isto se fechou a conferência e se despediram os emissários.

Aquele encontro só contribuiu para fazer germinar no comandante, e nos que o acompanhavam, as sementes da cobiça. Cortés tinha já elementos suficientes para farejar a imensa fortuna que se escondia no interior e, nessa conformidade, congeminou um plano para se apoderar dela.

Inutilização dos navios da expedição.

Nessa altura, ele já não estava interessado numa simples expedição comercial: passara a acreditar que, com o auxílio dos nativos que conseguisse pôr do seu lado, seria possível conquistar todo o reino de Moctezuma. O comandante percebera que alguns povos não aceitavam de bom grado o domínio dos Astecas e o consequente pagamento de tributos. Pensou então que seria vantajoso incentivá-los a recusar esse encargo, oferecendo-lhes ao mesmo tempo a protecção espanhola contra eventuais retaliações. Isso sucedeu, por exemplo, com o povo de Cempoala, de raça Totonaca, que se transformou subitamente em aliado dos invasores.

Antes do avanço final, Cortés tratou de consolidar jurídica e militarmente a sua posição. Assim, navegando um pouco mais para norte, fundou na costa uma colónia permanente, que recebeu o nome de Vila Rica de Vera Cruz e que se tornaria daí em diante uma testa-de-ponte para a conquista do território. Foram imediatamente designadas as autoridades da nova colónia - o Ayuntamiento.
Querendo ficar com as mãos livres para executar o seu plano, Cortés precisava de se furtar à autoridade que Diego Velásquez, o governador de Cuba, ainda tinha sobre ele. Tratou então de renunciar formalmente ao comando da expedição que este lhe atribuíra, e, em contrapartida, o Ayuntamiento de Vera Cruz nomeou-o capitão-general e primeiro magistrado da colónia. Com isto, passaria a agir doravante com autonomia.

O passo seguinte de Cortés foi o de enviar um navio para Espanha, com os tesouros recebidos de Moctezuma e um pedido ao rei (Carlos V) para que o reconhecesse como governador da colónia recém-fundada. O que fez depois demonstra o quão decidido estava em cumprir o objectivo. Quando alguns dos seus subordinados o acusaram de usurpar os poderes do governador Velásquez e expressaram o desejo de regressar imediatamente a Cuba, ele não esteve com meias medidas: fez enforcar dois deles, mandou açoitar os restantes e, não satisfeito com isso, ordenou que os navios da frota fossem afundados ou inutilizados para impedir quaisquer veleidades de fuga.
Com a sua posição de líder consolidada, Hernán Cortés deixou em Vila Rica de Vera Cruz uma guarnição de 100 homens comandada por Juan Escalante e partiu com os restantes na direcção das mesetas interiores onde se situava Tenochtitlán, a capital asteca (a mais de 2000 metros de altitude). Levava com ele o importante reforço de mil cempoaltecas.


Para prosseguir o avanço, Cortés teria que atravessar a região de Tlaxcala, que ele sabia independente do império asteca. Para sua surpresa, os Tlaxcaltecas receberam-no com uma saraivada de setas e ele teve que combatê-los durante várias semanas até conseguir dominar a inesperada resistência. No dia 23 de Setembro de 1519, os Espanhóis entravam na capital inimiga e conseguiram o que mais ambicionavam no momento: a celebração de um tratado que fazia dos Tlaxcaltecas aliados poderosos na conquista do México. Nos dias seguintes, os vencidos deram guarida aos expedicionários e cumularam-nos de amabilidades, oferecendo-lhes, para seu sustento, presentes de galinhas, tortilhas e figos-da-índia. Cortés tentou convencê-los a renunciarem aos seus ídolos e a tornarem-se cristãos, mas, quando eles recusaram - e porque precisava deles -, achou mais prudente não insistir.

Em meados de Outubro os Espanhóis retomaram a marcha, agora acompanhados por cerca de seis mil guerreiros tlaxcaltecas. Em breve chegavam a Cholula, cidade sagrada dos Astecas e importante centro religioso, que atraía peregrinos de todo o império. Nessa altura, estavam a pouco mais de uma centena de quilómetros do objectivo final, Tenochtitlán. A princípio os Cholultecas receberam bem os estrangeiros, aos quais forneceram alimentos. Mas três dias depois suspenderam os fornecimentos e informaram Cortés que Moctezuma o proibia de ir mais longe. O comandante, desafiador, ordenou às tropas que se preparassem para retomar a marcha no dia seguinte.

Nessa mesma noite, Cortés recebeu informações de que os Cholultecas planeavam armar-lhe uma emboscada quando as tropas saíssem da cidade. Resolveu, então, reagir com extrema violência. Os canhões entraram em acção e espalharam o terror pelas ruas da cidade, no que constituiu o prelúdio de uma luta encarniçada. Mas não havia hipóteses de  resistência séria aos invasores e aos seus recentes aliados. Ao cair da noite, milhares de cadáveres de cholultecas juncavam as ruas e os edifícios foram saqueados e incendiados.
A 1 de Novembro de 1519, depois de ter deixado um cacique de confiança a governar Cholula, Cortés colocou-se na dianteira das tropas e empreendeu a etapa final do seu avanço. Uma semana depois, os Espanhóis tinham Tenochtitlán à vista.

Rota de Hernán Cortés, desde o litoral, no Golfo do México, até à capital asteca, Tenochtitlán.
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(Continua em 24-Agosto-2019 - 5.ª Parte - ver aqui)

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