domingo, 6 de dezembro de 2020

Revolução Francesa - Charlotte Corday assassina Jean-Paul Marat na banheira (1793) - 2.ª Parte

 (Continuação daqui)

Charlotte Corday
(Pintura de Jean-Jacques Hauer)


Charlotte Corday, chegada a Paris por volta do meio-dia de quinta-feira, 11 de Julho de 1793, dirigiu-se ao Hôtel de la Providence e aí repousou até ao dia seguinte.
Na manhã de sexta-feira tratou de um aspecto fundamental do seu plano: comprou uma faca nas arcadas do Palais Royal.
Não conhecia ninguém em Paris, era a primeira vez que visitava a cidade e nem sequer sabia onde morava Jean-Paul Marat. Mas não há qualquer sinal de que tenha vacilado em algum momento quanto ao que tinha em mente e que acabaria por concretizar no sábado seguinte.

Nessas horas de espera, que lhe devem ter parecido demasiado longas, Charlotte teve tempo para escrever algumas linhas que ficaram para a posteridade. Nelas reitera a sua intenção e as correspondentes motivações - Marat era um monstro e um fora-da-lei que fazia mal à França e aos Franceses, e, por isso, urgia acabar com ele. Será esta a posição que manterá, com toda a tranquilidade e coerência, durante os interrogatórios a que a polícia e o tribunal a sujeitarão daí a poucos dias.

No refúgio e no silêncio do seu quarto do Hôtel de la Providence, ela dirige-se, deste modo, aos seus concidadãos:

"Até quando, ó infelizes franceses, vos conservareis na desordem e na anarquia? Há já longo tempo e muito intensamente, alguns celerados e facciosos colocaram os seus interesses no lugar do interesse geral. Porquê, infortunadas vítimas do seu furor, porquê vos aniquilais por vossas próprias mãos, erguendo assim o edifício da tirania sobre as ruínas da França desolada? (...)

As facções avançam de todos os lados. A Montanha [Jacobinos] triunfa pelo crime e pela opressão; alguns monstros sedentos do nosso sangue dirigem esses sabujos odientos e conduzem-nos ao precipício por mil caminhos.

França! O teu sossego depende da execução da lei. Não atento contra ela matando Marat; condenado pelo Mundo, ele está fora da lei. Que tribunal me julgará? 


Morte de Marat (Quadro de Paul Baudry)

Na manhã de sábado, 13 de Julho, Charlotte Corday começou a executar a parte decisiva do plano. Tendo obtido o endereço de Marat através de um condutor de fiacre, pediu a este que a levasse até lá (Rue des Cordeliers, 30).

Tendo chegado cerca do meio-dia, foi recebida por Simone Évrard, de vinte e sete anos, que se apresentava como irmã de Marat (na verdade, era sua amante). Charlotte pediu-lhe que a deixasse ver o "irmão", pois tinha importantes revelações políticas a fazer-lhe. Simone respondeu que isso era impossível, porque ele se achava muito doente.
Não há indícios de que tenha existido qualquer desconfiança de Simone em relação a Charlotte. Havia, aliás, mais gente na casa (a porteira, a cozinheira e quatro empregados  do jornal L'Ami du Peuple) e ninguém suspeitou que a jovem de Caen escondesse más intenções.

A amante de Marat não mentia: ele padecia de uma torturante doença crónica de pele, para a qual só obtinha alívio metendo-se numa banheira cheia de água preparada com ervas medicinais. Era o que acontecia naquele dia - Marat estava entregue ao seu banho terapêutico. Não interrompia, contudo, a actividade panfletária: escrevia os seus artigos incendiários sobre uma tábua atravessada na banheira.

Foi o começo de um longo dia para Charlotte Corday. Recusada a entrada, ela insistiria horas depois numa segunda visita. Obteve idêntico resultado. Escreveu então uma carta para ser levada a Marat e, tempos depois, voltou para saber a resposta. Desta vez, o próprio Marat - apercebendo-se da  altercação na porta de entrada - ordenou que a deixassem passar.
A carta, e as promessas nela contidas, tinham aguçado a curiosidade do político.


Morte de Marat (Quadro de David)

Charlotte foi encontrar Marat na sua banheira e ficaram os dois a sós. Sentada numa cadeira, a jovem começou a denunciar aquilo que parecia ser uma conspiração anti-revolucionária em Caen. Cada vez mais interessado, Marat pediu avidamente nomes. Charlotte ditou-lhe alguns, que ele, satisfeitíssimo, foi anotando num papel.

O encontro durava já há sete ou oito minutos. Marat fez menção de se despedir, agradecendo efusivamente à visitante o seu zelo revolucionário e as denúncias feitas. Charlotte levantou-se da cadeira e tacteou o corpete onde escondera a faca adquirida no Palais Royal. Marat, sem o menor sinal de desconfiança, continuava eufórico. Obrigado, cidadã! Eu mandarei guilhotinar os culpados!

Para Charlotte, esse foi o momento de atacar. Empunhando a faca, cravou-a com força insuspeitada no peito do odiado político. Ele gritou: Acuda-me, minha querida, que me matam! Chamava por Simone, a amante, mas ela já nada poderia fazer por ele. Achava-se ferido de morte. Deixou pender a cabeça e expirou.


Os gritos de Marat alertaram os outros habitantes da casa. Acorreram as mulheres, os vizinhos, alguns guardas, gente que passava na rua. Um dos empregados do jornal, Laurent Bas, penetrou no local do crime e derrubou brutalmente Charlotte atirando-lhe uma cadeira. Depois agrediu-a no chão. 

Ainda na residência que fora de Marat, Charlotte foi submetida ao primeiro interrogatório por um comissário da polícia. Arrastaram-na depois para a prisão. Ela exibia uma calma impressionante, uma espécie de fria impassibilidade que espantava todos os que se aproximavam dela. Manteve essa atitude durante os quatro dias que a separavam da morte. Argumentou sempre que havia cumprido o seu dever, libertando a França do monstro que a destruía.

No tribunal perguntaram-lhe quem lhe tinha inspirado tanto ódio por Jean-Paul Marat. Buscavam, obviamente, cumplicidades, mas ela sustentou sempre que agira sozinha: Eu não precisava do ódio dos outros; o meu era suficiente.
O juiz tentou ser irónico: Julga, então, ter liquidado todos os Marat?
E Charlotte: Não! Mas matei esse para que os outros saibam que ainda há alma e consciência em França.

Com a mesma serenidade, resumiu tudo da seguinte maneira: Eu via que Marat arruinava a França. Matei um homem para salvar cem mil; matei um celerado para poupar a vida de inocentes; matei uma fera para trazer a paz ao meu país. Eu já era republicana antes da revolução.


Condenada à morte, Charlotte Corday foi conduzida a 17 de Julho até à guilhotina, na mesma Praça da Revolução em que tinha morrido Luís XVI e em que seria também guilhotinada a rainha Maria Antonieta, dentro de três meses.
Tinham passado apenas quatro dias sobre o drama da Rue des Cordeliers.

Charlotte Corday em nenhum momento deu sinal de fraqueza ou duvidou da justeza do acto que praticara. Quando quiseram fixar-lhe o retrato, acedeu e posou tranquilamente, na prisão, para o pintor Jean-Jacques Hauer (ver o primeiro quadro acima).
O artista terminou o trabalho momentos antes de virem buscar Charlotte para a sua derradeira viagem.

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