quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

O que ficará das figuras importantes que têm andado por este mundo?

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Compreende-se que lá para o ano três mil e tal
ninguém se lembre de certo Fernão barbudo
que plantava couves em Oliveira do Hospital,

ou da minha virtuosa tia-avó Maria das Dores
que tirou um retrato toda vestida de veludo
sentada num canapé junto de um vaso com flores.

Compreende-se.

E até mesmo que já ninguém se lembre
que houve três impérios no Egipto
(o Alto Império, o Médio Império e o Baixo Império)

com muitos faraós, 
todos a caminharem de lado e a fazerem tudo de perfil,

e o Estrabão, o Artaxerxes,
e o Xenofonte, e o Heráclito,
e o desfiladeiro das Termópilas,
e a mulher do Péricles,
e a retirada dos dez mil,


e os reis de barbas encaracoladas
que eram senhores de muitas terras,
que conquistavam o Lácio e perdiam o Epiro,
e conquistavam o Epiro e perdiam o Lácio,

e passavam a vida inteira a fazer guerras,
e quando batiam com o pé no chão faziam tremer todo o palácio,
e o resto tudo por aí fora,

e a Guerra dos Cem Anos,
e a Invencível Armada,
e as campanhas de Napoleão,
e a bomba de hidrogénio
e os poemas de António Gedeão.
 
Compreende-se.

Mais império menos império,
mais faraó menos faraó,
será tudo um vastíssimo cemitério,
cacos, cinzas e pó.

Compreende-se.
Lá para o ano três mil e tal.


E o nosso sofrimento para que serviu afinal? 
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(*) - Poema do Alegre Desespero, António Gedeão, Portugal.

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