quarta-feira, 7 de outubro de 2020

O assassínio da família imperial da Rússia pelos bolcheviques de Lenine (17 de Julho de 1918) - 3.ª Parte

Palácio de Alexandre, em Tsarskoe Selo.

 

Nicolau II, o czar deposto, foi encaminhado com escolta militar para o Palácio de Alexandre, em Tsarskoe Selo (localizado nas proximidades da capital, Petrogrado), onde já se encontrava a ex-czarina Alexandra com os filhos.

O palácio fora em tempos transformado numa espécie de residência rural da família imperial, e era ali que, sempre que possível, esta buscava refúgio, distracção e paz. As cercanias eram povoadas de mansões e de casernas, onde chegaram a estar aquartelados largos milhares de soldados.

A Rússia era agora republicana, e os tempos da monarquia estavam definitivamente para trás. Nicolau II, que chegou a Tsarskoe Selo cerca de três semanas após a abdicação (a 22 de Março de 1917), teve logo a percepção de quanto as coisas se haviam alterado.

A guarda do palácio tinha sido substituída por militares imbuídos do espírito revolucionário, e, quando o antigo imperador ali deu entrada, não recebeu quaisquer saudações especiais, sendo tratado, simplesmente, pelo nome próprio.

Ninguém o maltratou ou desrespeitou ostensivamente, mas nenhum dos soldados correspondeu ao cumprimento que ele lhes dirigiu, nem no momento da chegada nem nos dias seguintes.

O ex-czar  Nicolau II, guardado à vista em Tsarskoe Selo.

Nicolau e a família mais próxima – a esposa, Alexandra, e os cinco filhos -, não passavam agora de cativos da revolução: a sua situação correspondia, na prática, a uma prisão domiciliária. Podiam sair do palácio para o parque circundante, mas só com autorização prévia e a horas marcadas.

As mesmas regras seriam aplicadas aos acompanhantes autorizados a ficar com a família imperial: quem não se mostrou disposto a cumpri-las teve de partir de imediato.

A detenção da família fora exigida pelo Soviete de Petrogrado ao Governo Provisório, permanentemente pressionado por aquele para endurecer as condições de vida dos prisioneiros.

O exílio em qualquer país estrangeiro teria sido uma solução aceitável, tanto para os Romanov como para uma parte significativa do Governo Provisório. O Reino Unido, por exemplo, cujo trono era ocupado por Jorge V, primo de Nicolau II, manifestou de início alguma vontade de acolher os parentes russos caídos em desgraça. Mas Jorge V recuaria posteriormente nessas boas intenções, acabando por recusar estender a mão aos prisioneiros.

O czar Nicolau II (à esq.) com o seu primo britânico, o rei Jorge V.

Por seu turno, o Soviete não queria sequer ouvir falar em exílio, e o Governo Provisório, condicionado por essa atitude, teve de agir em conformidade.
Sem que Nicolau e os familiares se apercebessem disso, as discussões sobre o seu destino assumiam por vezes cambiantes sinistros. 

Kerensky, que integrava o Governo Provisório (sucessivamente com as pastas da Justiça, da Guerra e, finalmente, com o cargo de Primeiro-Ministro), deslocou-se um dia a Moscovo e foi ali rudemente confrontado com a exigência do respectivo Soviete: nada mais nada menos do que a imediata execução do antigo czar.

Por essa altura, os bolcheviques achavam-se ainda distantes do poder absoluto que alcançariam, com Lenine, em Outubro de 1917. Mas estas cenas de bastidores não faziam antever nada de bom para os Romanov quando a relação de forças se modificasse significativamente. Por enquanto, o Governo Provisório – e particularmente Kerensky – resistia às pressões mais radicais.

Os Romanov passavam grande parte do tempo trabalhando voluntariamente nos parques do Palácio de Alexandre.
Na imagem, Nicolau II (4.º a contar da esq.) troca impressões com uma das filhas (de blusa branca).


Não obstante as dificuldades da sua situação, a antiga família imperial – especialmente Nicolau e os filhos - procurou adaptar-se a ela com paciência e espírito aberto.

Alexandra, a ex-czarina, reagiu pior e com algum azedume, pois esteve sempre convencida de que os conselheiros do marido o haviam traído ao convencê-lo a abdicar. Acreditava que, se tivesse estado perto de Nicolau naquelas horas difíceis, o teria levado a manter-se no trono e a bater-se por ele.

Outra das filhas do czar deposto trabalhando nos parques do palácio.
Aqui, ajudada por um guarda, transporta terra e relva.


Nicolau dedicava o seu tempo à leitura e a trabalhos no exterior. Serrava e partia lenha para as lareiras do palácio e fazia trabalhos de jardinagem por vezes acompanhado pelas filhas. 

Procurava acercar-se dos soldados incumbidos de vigiar a família (ele sempre adorara as forças armadas), mas quase nunca lhe retribuíam as saudações. Não obstante, ao verem a forma como ele se resignava com o cativeiro e se entregava a trabalhos físicos extenuantes, vários guardas manifestaram sentimentos de pena e, até, alguma simpatia por ele.
Para evitar o desenvolvimento dessas aproximações, as novas autoridades procediam frequentemente à rotação das guarnições.

Nicolau fazia questão de se despedir das forças rendidas, mas isso levava-o frequentemente a passar por situações mortificantes. Um dia, quando tentou dizer adeus a um oficial que partia, o homem não só lhe recusou o cumprimento, deixando-o de mão estendida, como lhe deu uma resposta grosseira. O antigo czar ficou à beira das lágrimas com essa atitude.

Alexander Kerensky, Primeiro-Ministro do Governo Provisório.
Preocupou-se sinceramente com a segurança da família imperial.

Kerensky visitou a família imperial por diversas vezes. Com o tempo, tanto Nicolau como a esposa acabaram por reconhecer-lhe as qualidades e as boas intenções. O ex-czar chegou mesmo a confidenciar aos seus próximos que lamentava não o ter conhecido antes, quando ainda era imperador: achava que ele lhe teria sido muito útil e que o teria ajudado a evitar vários erros de governação.

Kerensky achava-se numa situação delicada. Por um lado era pressionado pelos radicais e especialmente pelo Soviete de Petrogrado para endurecer a posição em relação à família deposta. O Soviete achava que todos os Romanov confinados no Palácio de Alexandre deveriam ser rapidamente enclausurados na fortaleza de S. Pedro e S. Paulo.

Kerensky recusou. Receava as consequências, no exterior, de quaisquer maus tratos que a família pudesse vir a sofrer. O Governo Provisório necessitava desesperadamente de financiamento externo, e ele temia que uma eventual violência sobre Nicolau e os seus provocasse retaliações nesse domínio.

Quando eclodiram tumultos em Petrogrado, Kerensky receou que eles se estendessem a Tsarskoe Selo e ao Palácio de Alexandre: um bando de militares amotinados poderia aparecer por ali a qualquer instante e ocasionar danos irreparáveis.
Concluiu, por isso, que urgia retirar dali a família cativa, levando-a para bem longe de Petrogrado, em direcção às terras de Leste.

Linha transiberiana, mostrando os milhares de quilómetros percorridos pelos Romanov. O nome de Tobolsk, a nordeste de Tyumen, surge meio oculto pelo de Yekaterinburg (Ecaterimburgo).

Quando propôs a evacuação a Nicolau, este concordou que isso seria o melhor para a segurança de todos. Kerensky não lhe revelou o destino, mas recomendou que todos levassem roupas quentes.

A 13 de Agosto de 1917, a família imperial tomou os seus lugares no comboio e viajou, pela Linha Transiberiana, até Tyumen, a sul de Ecaterimburgo (4.Yekaterinburg). Aqui embarcaram em ferries que os conduziram para nordeste, pelo rio, até ao destino decidido pelo Governo Provisório: Tobolsk, na Sibéria Ocidental. Chegaram a 19 de Agosto e foram hospedados na antiga casa do governador da província.

Era o segundo e penúltimo apeadeiro do dramático fim de vida dos Romanov.

(Continua em 10 de Outubro de 2020)

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