sábado, 3 de outubro de 2020

O assassínio da família imperial da Rússia pelos Bolcheviques de Lenine (17 de Julho de 1918) - 2.ª Parte

Família imperial russa.
Atrás, da esq. para a dir. - Maria, Tatiana e Olga.
Fila do centro: czarina Alexandra, Nicolau II e Anastácia.
À frente, sentado no chão: czarevitch Alexei.


A sorte trágica da família imperial da Rússia – os Romanov, pertencentes a uma dinastia que se mantinha no poder há três séculos – ficou traçada em 1917, ano da revolução russa.

A bem dizer, o movimento revolucionário teve dois momentos relevantes: no mês de Fevereiro (*) colocou no poder um Governo Provisório, relativamente moderado, mas que foi o suficiente para forçar o czar Nicolau II à abdicação; em Outubro (*), os bolcheviques conseguiram derrubar o Governo Provisório e assenhorearam-se do poder com o seu líder Vladimir Lenine, entrando-se num período de crescente radicalização e de guerra civil (Lenine, exilado, só reentrara no país em Abril de 1917, já depois da abdicação do czar).

(*) NOTA: As datas observam o calendário juliano, vigente na Rússia durante o período em questão; o calendário gregoriano, ou ocidental, que foi posteriormente adoptado pelos russos, tem mais 13 dias. Segundo este último, os dois momentos revolucionários ocorreram em Março e Novembro de 1917.


O czar Nicolau II (ao centro) visitando militares russos feridos na guerra.


 A Rússia atravessava circunstâncias muito difíceis na época. Para além da precária situação dos camponeses e da agitação entre os operários desejosos de condições de trabalho mais favoráveis (por ex: remuneração e duração da actividade diária), o país intervinha há anos na 1.ª Guerra Mundial, aliado a potências como o Reino Unido, a França e, a dado momento, os Estados Unidos da América. A estes se juntariam, pelas mais variadas razões, outras nações (incluindo Portugal).

Do outro lado estavam os chamados Impérios Centrais, Alemanha e Áustria-Hungria, a que também se juntaram outros e poderosos aliados (como o Império Otomano).


A componente feminina da família imperial trabalhou em hospitais e sanatórios para socorrer os feridos de guerra (a própria czarina chegou a fazê-lo).
Na imagem, as grã-duquesas Olga e Tatiana no seu serviço de enfermeiras.

 

A guerra, que vinha sendo mortífera para os russos, provocou o caos nas cadeias de distribuição alimentar do país, notando-se a falta ou a carência extrema de géneros essenciais, como o pão. Inflação galopante, cuidados de saúde periclitantes, infraestruturas sanitárias deficientes, condições de habitação deploráveis, tudo contribuiu para elevar, a um nível explosivo, o descontentamento popular.

Se o regime político - uma autocracia repressiva que tinha na cúpula o czar Nicolau II - não era popular entre os cidadãos dos grandes centros urbanos, mais impopular se tornou com o acentuar das dificuldades quotidianas.

Bastaria uma faísca para que tudo se precipitasse.

 
Revolução nas ruas (1)


O dia 23 de Fevereiro de 1917 ficou a assinalar o começo da revolução que destruiria, em cerca uma semana, a dinastia tricentenária dos Romanov, e que projectaria a Rússia, e o resto do mundo, para caminhos inteiramente novos.

Nesse dia, estavam previstas na capital, Petrogrado (São Petersburgo), diversas comemorações do Dia Internacional da Mulher, uma data memorável para todos os socialistas. Não estavam convocadas greves nem manifestações políticas violentas. Esperavam-se, ao invés,  desfiles de celebração da data, comícios, discursos e uma difusão de panfletos que se adivinhava mais ou menos inofensiva. 

Subitamente, na manhã desse 23 de Fevereiro, brilhou enfim a faísca revolucionária. Um grupo de mulheres trabalhadoras da indústria têxtil foi contra as ordens recebidas e resolveu entrar em greve. Fez mais do que isso, enviando representantes aos operários metalúrgicos em busca de apoio e solidariedade. Eles aderiram e engrossaram os efectivos grevistas. Outros apoios surgiram, e estima-se que, nesse dia 23, estiveram em greve um pouco menos de 100.000 operários.


Revolução nas ruas (2)

 

 Nos dias seguintes, a onda cresceu - mais de 200.000 grevistas - e as ruas transbordaram de manifestantes. Mais do que os gritos de “Queremos Pão!”, faziam-se ouvir outros como “Abaixo a Autocracia!” e, significativamente, “Abaixo a Guerra!”. A Avenida Nevsky, a principal de Petrogrado, foi inundada por operários que entoavam canções revolucionárias, seguidos de estudantes e de cidadãos da classe média. 

A polícia e alguns corpos de soldados foram enviados para conter a multidão. Mas, apesar de se terem registado vítimas mortais de um lado e do outro, não se verificou nenhum choque frontal, de que teriam resultado consequências bem mais nefastas. Surpreendentemente, muitos elementos do exército entraram em diálogo com os manifestantes e alguns passaram deliberadamente para o lado destes. 

Por outro lado, os cossacos – que tinham sido sempre o escudo e a guarda pretoriana do regime czarista – não intervieram com a violência esperada, e, nalguns casos, permitiram mesmo que alguns manifestantes se infiltrassem nas suas fileiras e falassem com eles. Tendo reagido tarde e mal, as autoridades mais conscientes pressentiram que a onda era imparável. Vários regimentos do exército amotinaram-se para logo se juntarem às multidões que pejavam as ruas.

Em 27 de Fevereiro, na Duma (parlamento), formou-se o Governo Provisório e reuniu-se, em paralelo, o Soviete dos Operários e Soldados, bastante mais radical (o poder passou assim a exibir duas cabeças, nem sempre concordantes).

No dia seguinte, 28, foram presos os ministros czaristas.


Nicolau II


 Enquanto isto se passava, isto é, enquanto o seu imenso poder se esboroava diante do ímpeto das multidões, o czar Nicolau II achava-se longe de Petrogrado, em Mogilëv, quartel-general das Forças Armadas Russas. Estavam próximos da linha da frente, procurando a melhor estratégia para fazer face aos exércitos alemães. 

Tudo indica que Nicolau II só muito tardiamente se apercebeu da gravidade da situação, provavelmente iludido pelas informações de alguns dos seus ministros, que davam como controlada a situação em Petrogrado. 

Quando a dura realidade lhe tombou sobre os ombros, o czar compreendeu que tinha chegado ao fim da linha. Pressionado pelos seus próprios generais e por alguns dos seus antigos partidários, resolveu abdicar.

Era o dia 2 de Março de 1917 (rever nota acima) e ele encontrava-se no comboio de regresso, em Pskov. 

Num primeiro momento procurou abdicar no filho, Alexei, mas a realidade da grave doença deste (hemofilia) fê-lo retroceder e procurar transferir o poder para o seu irmão, Mikhail Romanov. No dia seguinte, 3 de Março, este não aceitou o gesto de Nicolau – que, de qualquer modo, seria certamente ignorado pelos revolucionários. 

Nessa altura, a czarina Alexandra estava, com os filhos, no Palácio de Alexandre, em Tsarskoe Selo, uma residência rural dos Romanov situada nas proximidades de Petrogrado.

Brasão dos Romanov

Os Romanov talvez não avaliassem ainda, com total consciência, o significado do que ocorrera nos derradeiros dias. Mas, para eles, o destino próximo seria o cativeiro, mais ou menos atenuado.

As sucessivas etapas conduzi-los-iam a situações cada vez mais penosas e ameaçadoras, embora nunca pareça ter-lhes ocorrido o quanto era precária a sua própria sobrevivência física.

Tsarskoe Selo, Tobolsk e, finalmente, Ecaterimburgo, foram os apeadeiros que os levariam, em cerca de dezasseis meses, a muitas provações e a uma morte horrenda.

Nesse tempo, os bolcheviques estavam ainda longe do poder.

Lenine, ainda que com renovadas esperanças revolucionárias, continuava no estrangeiro, onde se tinha exilado. Regressaria no seguinte mês de Abril.


(Continua em 7 de Outubro de 2020)


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