sábado, 23 de novembro de 2019

O drama dos índios norte-americanos: de Sitting Bull ao massacre de Wounded Knee (2.ª Parte)

Sitting Bull ao lado de William F. Cody ("Buffalo Bill")

Após quatro anos de exílio no Canadá, Sitting Bull, o grande líder sioux, ficou preso em Forte Randall por mais de um ano. Mas, apesar da longa ausência, não tinha sido esquecido - nem pelo seu povo, nem pelos brancos, que o acusavam de ter sido o "matador de Custer". Durante o período de reclusão recebeu a visita dos chefes índios que viviam na Grande Reserva Sioux, entretanto criada pelas autoridades americanas: todos demonstraram júbilo por tornarem a vê-lo, honrando-o e desejando-lhe boa sorte. Muitos aproveitaram para lhe pedir conselhos sobre os problemas que os afectavam na Grande Reserva.
Também a imprensa dos Estados Unidos contribuiu para aumentar exponencialmente a fama do líder: jornalistas deslocavam-se propositadamente a Forte Randall para o entrevistarem, e as suas palavras eram sofregamente devoradas pelos leitores brancos.

Em 1884, já depois da sua admissão em Standing Rock, na Grande Reserva Sioux, o governo americano promoveu uma viagem de Sitting Bull por quinze cidades americanas - talvez uma forma de provar que o formidável inimigo de outrora estava definitivamente vencido e era agora inofensivo. O sucesso das suas apresentações ao público foi tão grande, que William F. Cody, o renomado "Buffalo Bill", o convidou para integrar o seu Show do Oeste Selvagem. Obtida a concordância das autoridades, o chefe sioux juntou-se ao Show  no Verão de 1885 e com ele percorreu os Estados Unidos e o Canadá.
As aparições de Sitting Bull suscitavam um misto de sentimentos - assombro, fascínio e, também, hostilidade, porque o fantasma de Custer pairava teimosamente em seu redor. Por vezes, o chefe era acolhido com vaias e apupos. Todavia, era normalmente aplaudido no termo das exibições, e os espectadores ofereciam-lhe moedas para obterem as suas fotografias assinadas (ele aprendera a desenhar o seu nome - em inglês - com as letras dos brancos).

Cartaz do Show do Oeste Selvagem


As moedas, ao que se conta, ficavam pouco tempo na posse de Sitting Bull. Com efeito, ele pudera testemunhar chocantes desigualdades sociais entre os habitantes das urbes americanas. A ostentação luxuosa de alguns contrastava violentamente com a miséria de muitos, e isso impressionava o líder sioux, acostumado à generosa solidariedade das comunidades índias.
Certo dia, conversando com Annie Oakley, uma das maiores estrelas do Show (exímia atiradora), Sitting Bull confessou-lhe que não conseguia compreender a revoltante indiferença dos brancos para com os seus pobres. E rematou: O homem branco sabe como fazer tudo… mas não sabe como distribuir o que faz.
Por consequência, a maioria das moedas recebidas no Show passava rapidamente das mãos de Sitting Bull para as dos meninos andrajosos e famintos que, atraídos pela sua fama, apareciam a rodeá-lo em todos os locais por onde passava.

No fim da digressão com o Show do Oeste Selvagem, Sitting Bull retornou à agência de Standing Rock, na Grande Reserva, trazendo dois presentes de despedida de Buffalo Bill: um enorme chapéu branco e um cavalo treinado para se sentar e para mover uma das patas quando ouvia disparos de armas de fogo. Mas Buffalo Bill ficara tão agradado com o desempenho do líder sioux, que, dois anos mais tarde, o convidou para acompanhar o Show numa viagem pela Europa. Sitting Bull recusou, dizendo que a sua presença se tornara indispensável em Standing Rock: os brancos - explicou - estavam a tentar reapoderar-se das terras da Grande Reserva que ainda se achavam na posse dos Sioux.

Catherine (ou Caroline) Weldon (1844-1921)

Não obstante os acordos celebrados, as tentativas de recuperação das terras dos índios haviam começado logo depois da constituição das reservas, quando foi descoberto o valor das mesmas. No caso dos Sioux, após o esbulho dos seus territórios do Rio Powder e das Black Hills, o que sobejou foi uma extensão de cerca de 90 000 km2 - área considerável, mas que, segundo os técnicos, era praticamente desprovida de valor.
À medida que reconsideravam o juízo inicial e o que tinha ficado acordado, as autoridades (sempre pressionadas pelos rancheiros, garimpeiros, colonos e companhias de caminhos-de-ferro) procuravam levar os índios a assinar novos papéis - desta vez para se desfazerem das terras em que viviam.

Ainda durante o seu tempo de reclusão em Forte Randall, Sitting Bull fora consultado por vários chefes sobre a venda das terras que lhes era proposta. O líder aconselhara-os sempre a não se desfazerem do que possuíam - e possuíam legalmente. Manteve a atitude e o conselho após dar entrada em Standing Rock, o que, devido ao imenso prestígio de que gozava entre o seu povo, se tornou um sério obstáculo para os agentes encarregados do negócio.

A partir de 1888, o governo intensificou esforços para reassumir a posse das terras. Uma comissão enviada de Washington propôs aos índios a divisão da Grande Reserva em seis reservas menores e a venda de 36 000 km2 (mais de um terço da superfície total) ao preço de 50 centavos de dólar por acre. A ideia era entregar essa vasta área - constituída pelas melhores terras da reserva - aos colonos vindos do Leste do país.
Aconselhados por Sitting Bull, os chefes rejeitaram a oferta e os comissários não conseguiram o número de assinaturas necessário. Uma nova comissão surgiu, oferecendo um dólar e meio por acre. As recusas continuaram, pelo que os comissários passaram a recorrer à intimidação: se os índios continuassem renitentes - disseram -, o governo acabaria por ficar com as terras a troco de nada.

Por altura destes acontecimentos, Sitting Bull recebeu a visita de uma viúva de New York, pintora e filiada na Associação Nacional de Defesa dos Índios. Chamava-se Catherine Weldon (nalgumas fontes é identificada como Caroline Weldon).
Ela viajou até Standing Rock com o pretexto de pintar um retrato do famoso líder sioux, mas, com o tempo, acabou por transformar-se em conselheira e secretária deste, participando activamente na resistência ao roubo das terras. Como seria de esperar, isso valeu-lhe a feroz hostilidade da comunidade branca: foi insultada, caluniada e, até, fisicamente agredida.

Sitting Bull retratado por Catherine Weldon (1890)
(Historic Arkansas Museum - Little Rock - Arkansas)

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Nota: Em 2017, Susanna White realizou um filme sobre o encontro e convivência de Sitting Bull (interpretado por Michael Greyeyes) com Catherine Weldon (Jessica Chastain).
O título da película é Mulher Que Segue à Frente (nome que os Sioux davam a Catherine).
Apesar de algumas imprecisões históricas, trata-se de uma obra interessante, de grande beleza pictórica e excelentes desempenhos dos dois actores mencionados.
Veja o trailer do filme:


Continua em 30 de Novembro de 2019 (3.ª Parte - aqui)

1.ª Parte - ver aqui

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