sábado, 2 de novembro de 2019

Apache! (Episódios da resistência dos povos do sudoeste norte-americano) (4)


Na Primavera de 1875, em resultado das investidas do exército norte-americano, grande parte do povo apache tinha já sido confinado em reservas. Os que recusaram tal destino tinham fugido para o México ou vagueavam ainda pelos seus antigos territórios, onde praticavam assaltos e se confrontavam a espaços com os invasores, militares ou civis.

Em Apache Pass, após a morte do grande Cochise, o seu filho mais velho, Taza, ascendera à chefia dos Chiricahuas, mantendo-se Tom Jeffords como responsável pela administração da reserva. Ainda que ambos se esforçassem por manter a orientação de Cochise, que proibira terminantemente os ataques, estes recomeçaram em força, levados a cabo por grupos de índios revoltados com o crescente assédio de garimpeiros, colonos e políticos desejosos de se apoderarem de parcelas da reserva. Como esta ficava próxima da fronteira, esses chiricahuas desgarrados iam e vinham entre o Arizona e o México.
(Taza morreria de pneumonia pouco tempo depois, em 1876, passando a chefia para Naiche, o outro filho de Cochise).
…...

Os americanos foram evoluindo na sua política índia. A partir de certa altura optaram por concentrar um número máximo de nativos em enormes reservas regionais, o que implicava a reversão das concessões originais e a transferência para os novos destinos, mesmo que contra vontade, de grandes massas de gente.

A reserva de White Mountain, no Arizona oriental (cuja agência se situava em San Carlos), era, com o seu milhão de hectares, maior do que todas as outras reservas apaches juntas. Transformara-se, por isso, no local de concentração preferido pelas autoridades. O seu agente era John Clum, homem íntegro e de perfil moderado, seguidor da Igreja Reformada Holandesa.

Naiche (1857-1919), filho de Cochise,
acompanhado por sua esposa

Embora não possuísse a experiência e as qualidades de Tom Jeffords (o agente da reserva de Apache Pass, que sabia pensar como um índio), Clum estava a realizar um trabalho notável em White Mountain. Começara por fazer retirar os militares do local. Depois formou uma companhia apache para policiar os territórios da agência e fundou tribunais índios para julgarem os violadores da lei.
Ainda que cépticos e desconfiados relativamente aos métodos de Clum, os seus superiores tiveram que reconhecer que ele, ao devolver uma parcela importante do processo decisório aos índios - restituindo-lhes também, dessa forma, algum amor-próprio -, conseguira manter a paz na reserva.
Não obstante, impelidas pelo furor concentracionário, as autoridades governamentais logo perfilharam uma via de abusiva dureza para com os Apaches: John Clum recebeu um telegrama do comissário dos Assuntos Índios, ordenando-lhe que fosse à reserva de Apache Pass, afastasse dali o agente Tom Jeffords e transferisse os apaches chiricahuas para White Mountain.

A contragosto, Clum obedeceu e foi até Apache Pass. Era ainda no tempo da chefia de Taza, o filho e primeiro sucessor de Cochise. Lembrando-se dos conselhos e do comportamento do pai no final da vida, Taza não levantou obstáculos à transferência para White Mountain. Cerca de metade do seu povo decidiu seguir com ele. A outra metade rejeitou o novo destino, e, por isso, quando o Exército entrou na reserva para obrigar os recalcitrantes a viajar até White Mountain, já não os encontrou. A maioria resolvera atravessar a fronteira, passando-se para o México.
Um dos líderes dos fugitivos era um homem de 46 anos, que em jovem se aliara a Mangas Coloradas e que, após a morte deste, se pusera ao lado de Cochise. O seu nome índio era Goyathlay, mas os brancos conheciam-no como Gerónimo.



No México, Gerónimo e o seu grupo infernizaram a vida de outros velhos inimigos, os Mexicanos, que por vezes se associavam ao Exército americano para perseguirem os Apaches.
Os fugitivos assaltaram ranchos e caravanas isoladas, efectuando ricas presas de gado e cavalos. Na Primavera de 1877, Gerónimo trouxe os animais roubados para o Novo México e vendeu-os a rancheiros americanos, o que lhe possibilitou a compra de armas e provisões. Depois foi refugiar-se nas proximidades da agência governamental de Ojo Caliente (Novo México), onde os apaches eram chefiados por outro chefe prestigiado, Victorio.

Justamente nessa altura, John Clum recebeu instruções de Washington para se deslocar a Ojo Caliente e conduzir Victorio e a sua gente (os apaches Warm Springs) para a reserva de White Mountain, no Arizona.
Embora relutante, o chefe apache seguiu com os seus até à nova reserva, onde Clum, com a diplomacia do costume, lhe outorgou mais autoridade do que aquela que ele tivera em Ojo Caliente. Mas a parte derradeira do drama de Victorio tinha já começado.

As condições em White Mountain, e em particular na agência de San Carlos, foram-se deteriorando com a passagem do tempo. O Exército reforçou ali os seus contingentes, contrariando os processos de auto-governo de Clum. Este protestou, mas não foi atendido. Então, o agente demitiu-se e partiu para Tombstone, no Arizona, onde acabaria por fundar o jornal Epitaph.

A ausência de Clum revelou-se um desastre para os apaches de Victorio, pois o agente seguidamente nomeado para San Carlos não tinha nada em comum com ele. Os abastecimentos, de que dependia a sobrevivência dos índios, começaram a sofrer enormes atrasos. Piorando as coisas, o novo agente exigiu que os apaches de White Mountain se deslocassem até à sede da agência para receberem provisões, o que obrigava muitos deles a percorrer mais de seis léguas. Velhos e crianças, incapazes de cobrir tão longas distância, ficavam excluídos das distribuições.
Por outro lado, bandos de garimpeiros invadiam os terrenos da reserva índia, instalando-se na parcela nordeste da mesma e recusando-se a sair dali. 


Victorio (1825-1880)

Finalmente, a paciência de Victorio chegou ao fim. Na noite de 2 de Setembro de 1877, evadiu-se da reserva com a tribo e fez-se aos trilhos que levavam a Ojo Caliente, a terra natal. Pelo caminho, viram-se obrigados a combater soldados e rancheiros, mas conseguiram chegar ao destino.
Durante cerca de um ano o Exército permitiu que eles morassem ali, tal como antes. Todavia, em finais de 1878 chegaram ordens para que os índios fossem outra vez para San Carlos (White Mountain). Victorio, desesperado, pediu aos militares que deixassem o povo viver onde havia nascido. Quando compreendeu que as ordens eram irreversíveis, gritou que lhes poderiam roubar as mulheres e as crianças, mas que ele e os seus guerreiros não obedeceriam. Em seguida pôs-se em fuga, com cerca de 80 guerreiros, e foi passar um Inverno rigoroso nas montanhas Mimbre.

Em Fevereiro de 1879, o chefe apache achava-se de regresso e disposto à rendição, desde que o Exército restituísse as mulheres e as crianças presas em San Carlos. As autoridades concordaram, mas Victorio não poderia continuar em Ojo Caliente: deveria viajar com a tribo até Tularosa, fixando-se junto dos Apaches Mescaleros
Victorio, mais uma vez, cedeu, mas o acordo teve duração efémera: a meio do ano de 1879 foi desenterrada uma antiga acusação de roubo de cavalos e de assassínio contra ele, e os soldados entraram na reserva para o prender. Convencido de que fora marcado para morrer, o chefe apache concluiu que só lhe restava a opção da guerra.

Firmemente decidido a nunca mais se deixar aprisionar numa reserva, internou-se no México e começou a recrutar guerrilheiros para uma luta sem tréguas. Em breve contava com duas centenas de guerreiros, entre Chiricahuas e Mescaleros, e com eles assaltou ranchos mexicanos para obter provisões, cavalos e armas. Depois efectuou investidas audaciosas no Novo México e no Texas, matando todos os colonos que conseguiu surpreender, armando emboscadas mortíferas aos que procuravam capturá-lo e desaparecendo logo de seguida para lá da fronteira como se fosse um fantasma.

A liquidação de Victorio e da sua gente tornou-se uma prioridade para os seus perseguidores. A luta não dava sinais de abrandamento e o ódio do chefe apache parecia crescer de dia para dia. Torturava e mutilava os inimigos que lhe caíam nas mãos e transformou-se num matador implacável. O seu extremismo chegou a tal ponto, que muitos dos companheiros se assustaram e resolveram abandoná-lo.
Finalmente, os exércitos dos Estados Unidos e do México uniram esforços para colocar termo à ameaça. Como resultado de uma vasta manobra conjunta, soldados mexicanos lograram cercar Victorio nos montes Tres Castillos, situados entre Chihuahua e El Paso. Victorio foi abatido, com 77 dos seus guerreiros. Foram aprisionadas 68 mulheres e crianças. Cerca de 30 guerreiros conseguiram escapar-se.


(Conclui em 9-Novembro-2019 (5.ª Parte)


Ver 1.ª Parte - aqui
Ver 2.ª Parte aqui
       Ver 3.ª Parte - aqui       


Bibliografia:

Principal:
Dee Brown - Bury My Heart at Wounded Knee - An Indian History of the American West - 1970.
Outros:
Albert Britt - Great Indian Chiefs - 1938.
Britton Davis - The Truth About Geronimo - 1951.
John C. Cremony - Life Among the Apaches - 1868.
John G. Bourke - An Apache Campaign in the Sierra Madre - 1958.

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