sábado, 26 de outubro de 2019

Apache! (Episódios da resistência dos povos do sudoeste norte-americano) (3)


Nos primeiros anos da década de 1870, ainda que a instabilidade persistisse nalgumas regiões do Sudoeste, um número elevado de apaches já havia sido confinado em reservas, por regra muito afastadas dos sítios de fixação tradicionais. Ao fim de décadas de confrontos, o próprio Cochise compreendera que os seus obstinados inimigos eram demasiado poderosos para que os Apaches tivessem qualquer possibilidade de vencê-los. O chefe índio estava agora próximo dos sessenta anos de idade e sentia-se bastante fatigado. Andara algum tempo pelo México com o seu povo, mas, quando soube que o governo local oferecia 300 dólares por cada escalpe apache, decidira regressar aos seus velhos refúgios das Montanhas Dragoon, em território americano. Aí, passou a ser procurado, vivo ou morto, por diversas companhias de soldados do Exército, comandadas pelo general George Crook, a quem os índios chamavam Lobo Cinzento.

Certo dia, em Cañada Alamosa, Cochise aceitou falar do fim das hostilidades com o general Gordon Granger. No longo discurso que fez, garantiu que os Apaches Chiricahuas queriam  uma paz boa, sólida e duradoura. Referindo-se aos hábitos livres e à forma de vida apache, acrescentou: O mundo não foi sempre assim. Deus não nos fez como vocês. Nós nascemos como os animais, na erva seca, não em camas como vocês. Por isso fazemos como os animais; saímos à noite, atacamos e saqueamos. Se eu tivesse as coisas que vocês têm, não faria o que faço, pois então não precisaria. Há índios que matam e roubam. Eu não os comando. Se os comandasse, não fariam isso.

O general americano explicou que a paz só seria viável se os apaches aceitassem instalar-se numa reserva. Cochise, em princípio, aceitou, o que equivalia, finalmente, à sua rendição. Mas quando perguntou onde seria a reserva, Gordon informou-o de que o governo tencionava enviá-los para Forte Tularosa, nas montanhas Mogollons [Novo México]. Cochise reagiu mal: Quero viver onde estou [no Arizona]. Não quero ir para Tularosa. É muito longe daqui. As moscas dessas montanhas comem os olhos dos cavalos. Os maus espíritos moram ali.
Gordon garantiu que faria o possível para que o governo americano autorizasse os Chiricahuas a viverem em Cañada Alamosa, com as suas correntes de água fria e limpa. O chefe índio prometeu que manteria o seu povo em paz. E assim se despediram.


Cochise foi fiel à sua palavra e viveu pacificamente com o seu povo nos meses seguintes. O general Gordon procurou defender o que prometera, mas o governo não lhe secundou as boas intenções. E um dia chegou a ordem para que todos os Chiricahuas fossem arrebanhados e transferidos de Cañada Alamosa para Forte Tularosa, exactamente o local rejeitado pelo chefe índio. Este não suportou o procedimento dos brancos, que só veio confirmar no seu íntimo aquilo que há muito pensava: eles eram traiçoeiros por natureza e indignos de confiança. Dividiu então o povo em pequenos grupos e mudou-se com eles para as montanhas secas e pedregosas do sudeste do Arizona. Mesmo que Lobo Cinzento (o general George Crook) o perseguisse até ali, estava disposto a resistir-lhe por todos os meios e, se tivesse que morrer, tombaria com honra.

Em Setembro de 1872, Cochise recebeu a visita de Tom Jeffords, o Barba Vermelha, e de um general, Oliver Otis Howard, também de barba cerrada, ao qual faltava o braço direito.
Tom Jeffords era provavelmente o único branco em quem Cochise e os seus homens confiavam sem reservas. Conheciam-se desde a época em que os Apaches combatiam os Casacos Azuis, depois do incidente de Apache Pass. Nesse tempo, Jeffords estava contratado para levar o correio entre Forte Bowie e Tucson. Mas ele e os seus ajudantes eram frequentemente emboscados pelos índios, o que ameaçava acabar-lhes com o negócio.

Certa ocasião, Jeffords apresentou-se desarmado e sozinho no acampamento de Cochise e disse ao chefe índio que pretendia fazer um acordo pessoal com ele, para poder ganhar a vida transportando o correio. Cochise ficou espantado com o arrojo do interlocutor, mas admirou-lhe a coragem. Nunca vira um branco assim. A verdade é que prometeu a Tom Jeffords que podia carregar o correio à vontade, sem quaisquer problemas, e cumpriu escrupulosamente o seu compromisso. Firmou-se entre os dois, a partir daí, uma forte amizade, e Tom aparecia muitas vezes nos acampamentos de Cochise para conversar e beber com este.


Foi sem dúvida devido à confiança depositada em Tom Jeffords que Cochise aceitou conversar com o general Oliver Howard. Este ambicionava, obviamente, combinar o termo das lutas. Cochise ripostou-lhe que ninguém desejava mais a paz do que ele próprio. Howard sugeriu que os Chiricahuas viveriam muito melhor se aceitassem transferir-se para uma grande reserva, por exemplo, no Rio Grande. Cochise respondeu que preferia a região de Apache Pass e das Montanhas Chiricahua. O general disse que talvez se pudesse considerar tal hipótese.

Oliver Howard permaneceu no acampamento apache durante onze dias, ao longo dos quais se desenvolveram as conversações. O general teve tempo para conhecer melhor o chefe índio, ficando sensibilizado com a sua cortesia, simplicidade e estilo directo. Encantou-se também com as mulheres e as crianças apaches. A conclusão foi feliz: Fui forçado a abandonar o plano inicial, escreveu ele depois, e a dar-lhes, como Cochise sugerira, uma reserva que abrangia parte das Montanhas Chiricahua e do vale adjacente a oeste.
Faltava ainda abordar um ponto: pela lei americana, a nova reserva deveria ter à sua testa um homem branco. Para Cochise, como para os restantes Chiricahuas, não havia que pensar muito para solucionar o problema: Tom Jeffords era o único branco em quem confiavam plenamente. Tom resistiu à ideia, afirmando não ter experiência para um cargo desse tipo. Mas Cochise insistiu, repetidamente, com ele. Por fim, Tom Jeffords acedeu ao pedido do amigo e os Apaches concordaram em transferir-se.

Na Primavera de 1874, Cochise começou a sentir-se doente e o seu estado geral era de grande debilidade. Tom Jeffords foi a Forte Bowie buscar um médico do Exército, que não conseguiu diagnosticar ao certo de que padecia o chefe apache, mas que lhe deu alguns remédios. Cochise não melhorou e passou a sentir dores intensas.
Jeffords dispôs-se a ir de novo a Forte Bowie, e Cochise perguntou-lhe: Acha que me verá vivo quando voltar?
Jeffords usou da franqueza habitual entre os dois amigos: Não, não acho.
Cochise, resignado, disse: Penso que morrerei amanhã, por volta das dez horas da manhã. Acha que nos tornaremos a ver?
Jeffords: Não sei. O que acha?
Cochise: Não sei, não está claro no meu espírito. Mas talvez nos vejamos, sim, nalgum outro lugar.
Cochise faleceu em 8 de Junho de 1874, antes que o seu amigo Tom Jeffords regressasse de Forte Bowie.


 Canção de guerra dos Apaches:

(Continua em 2-Novembro-2019) (4.ª Parte)

Ver 1.ª Parte - aqui
Ver 2.ª Parte - aqui


Bibliografia:

Principal:
Dee Brown - Bury My Heart at Wounded Knee - An Indian History of the American West - 1970.
Outros:
Albert Britt - Great Indian Chiefs - 1938.
Britton Davis - The Truth About Geronimo - 1951.
John C. Cremony - Life Among the Apaches - 1868.
John G. Bourke - An Apache Campaign in the Sierra Madre - 1958.

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