Continuação de:
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Numa espécie de farsa trágica, Moctezuma foi acolhido nos aquartelamentos espanhóis com os maiores sinais de respeito. Deixaram-no escolher aposentos a seu gosto e rodear-se dos luxos habituais. Continuou acompanhado pelas suas mulheres e pelos servidores domésticos. A mesa era-lhe servida com a pompa e a abundância do costume. Nos dias seguintes, pôde continuar a receber os súbditos e a dar audiências como se estivesse no seu palácio.
Os invasores, por sua vez, persistiam nas demonstrações de respeito: ninguém, incluindo o comandante, se acercava dele sem destapar a cabeça e sem lhe prestar as honras devidas. Da mesma forma, ninguém se sentava na sua presença sem que ele autorizasse.
Estas demonstrações de acatamento não podiam esconder, todavia, o facto essencial: Moctezuma não era mais do que um refém dos Espanhóis. Provavam-no as extraordinárias medidas de segurança com que o rodeavam: diante do aquartelamento havia sempre, dia e noite, uma guarda de dezenas de homens, tal como sucedia nas imediações dos seus aposentos. E provou-o, também, a terrível sorte do governador Cuauhpopoca e dos quinze nobres que o acompanhavam, chegados finalmente a Tenochtitlán. Julgados num processo sumaríssimo conduzido por Cortés, foram todos condenados a morrer na fogueira, sentença logo executada na praça fronteira ao aquartelamento. Moctezuma, como é evidente, nada pôde fazer.
Cortés sentiu-se suficientemente forte para exigir de Moctezuma o reconhecimento da soberania do rei de Espanha. O imperador, como que vivendo um pesadelo, acabou por aceder, diante dos seus nobres, a mais esta imposição. Tal como concordou em pagar tributo àquele desconhecido e misterioso monarca que vivia do outro lado dos mares. Por sua parte, entregou sem demora o tesouro que fora do seu pai. E os seus arrecadadores de impostos espalharam-se pelo império a recolher ouro e prata para os invasores.
Como remate deste longo processo de extorsão e humilhações, os Espanhóis obtiveram autorização do imperador - ainda que relutante - para instalar um altar cristão no grande templo onde os Astecas continuavam a adorar os "ídolos malditos".
Subitamente, um novo e distante acontecimento veio captar a atenção e as preocupações de Cortés. Com efeito, chegou-lhe a notícia de que, no litoral, próximo de Veracruz, desembarcara Pánfilo de Narváez, enviado pelo governador de Cuba - com 19 navios e um exército de quase mil homens - para o submeter à sua autoridade.
O comandante não perdeu tempo. Deixando um dos subordinados, Pedro de Alvarado (futuro conquistador da Guatemala), à testa da guarnição em Tenochtitlán, partiu para a costa com uma centena de homens. Quando localizou as forças de Narváez, em Cempoala, resolveu agir de surpresa e atacou-as durante a noite, sob chuva torrencial. A vitória foi total. Narváez, que perdeu um dos olhos no combate, acabou aprisionado. Cortés conseguiu depois uma coisa muito importante: à custa de promessas de ouro, a maior parte das tropas de Narváez passou para o seu lado.
Na altura em que se preparava para regressar a Tenochtitlán, o comandante recebeu a notícia de que os Astecas tinham montado cerco à guarnição chefiada por Pedro de Alvarado. Apressando a viagem, deu entrada na capital no dia 24 de Junho de 1520 e chegou ao seu quartel sem deparar com qualquer resistência.
Cortés foi então informado de que, na sua ausência, as tropas de Pedro de Alvarado tinham levado a cabo o horroroso massacre de seis centenas de nobres astecas enquanto eles se entregavam, no templo, a cerimónias rituais em honra dos seus deuses. Alvarado explicou ao comandante que receara um levantamento dos índios e que resolvera antecipar-se. Mas a sua versão foi posta em dúvida até hoje. Primeiro, porque a cerimónia asteca fora precedida de um pedido de autorização a que ele próprio anuíra; segundo, porque as vítimas se achavam desarmadas e indefesas; terceiro, porque o que se seguiu ao massacre não passou de um assalto, em que as vítimas foram despojadas das suas jóias pela soldadesca espanhola.
Cortés reagiu com aspereza às justificações de Alvarado. Disse-lhe que procedera mal e que não fora digno da confiança que nele depositara - em síntese, que ele se havia conduzido como um louco. Contudo, e embora lhe tivesse voltado as costas na ocasião, não se pôde dar ao luxo de dispensar os serviços de um oficial daquela têmpera.
Fosse como fosse, aquele dia - em que pereceu a fina flor da nobreza asteca - marcou uma importante viragem nas relações entre a população da cidade e os invasores. O ódio, longamente sustido por um medo supersticioso, soltou-se de vez: o ambiente da cidade tornou-se hostil para com os brancos e deixou de lhes ser fornecida alimentação. Foi até concretizado um primeiro, ainda que mal sucedido, ataque ao quartel. Quando Cortés reentrou na cidade, a situação mantinha-se tensa e não se adivinhava nada de bom para os Espanhóis. Ouviam-se ao longe, pela primeira vez, ameaçadores gritos de guerra. Grupos de populares empenhavam-se em destruir as pontes levadiças dos passadiços por forma a impedir a eventual fuga dos agressores.
O comandante sentiu que a situação se tornaria em breve insustentável, não tanto sob o ponto de vista militar - o quartel-general estava rodeado por um muro de pedra eriçado de canhões e arcabuzes - mas por razões de abastecimento: ele tinha agora que alimentar diariamente mais de mil soldados, bem como milhares de aliados tlaxcaltecas, e não via forma de o fazer.
Na madrugada seguinte, soou o alerta: aproximava-se uma enorme multidão ululante, encabeçada por aquele que os Astecas - na ausência de Moctezuma - pareciam ter escolhido como novo chefe: Cuitlahuac, irmão do imperador, desde sempre partidário da guerra contra os estrangeiros. Cortés, quando viu o inimigo a distância conveniente, deu ordem de fogo, lançando a confusão e o pânico nas linhas avançadas dos atacantes. Mas logo surgiram novas ondas de guerreiros, passando por cima de mortos e feridos, gritando e disparando setas incendiárias. Ao mesmo tempo, postadas nos telhados fronteiros, mulheres e crianças faziam tombar sobre os invasores uma chuva de pedras. A luta prolongou-se por todo o dia, mas o quartel espanhol logrou aguentar-se. Cortés, protegido por intenso fogo de artilharia, realizou uma surtida com a cavalaria e com centenas de guerreiros tlaxcaltecas, mas a oposição asteca foi tão feroz que ele teve que retroceder para o quartel após sofrer algumas baixas mortais.
O comandante, que até então menosprezara a capacidade militar daquele povo, compreendeu que tentar uma evasão de Tenochtitlán em tais condições constituiria um suicídio. Ele próprio recebera na refrega desse dia uma grave ferida na mão. Resolveu, por isso, pedir ajuda àquele que mais razões teria para recusá-la - o imperador Moctezuma.
O comandante, auxiliado pelo padre Olmedo, solicitou então ao soberano asteca que intercedesse junto do povo para que este permitisse aos Espanhóis uma saída pacífica da capital. Moctezuma respondeu com tristeza que o povo já não acreditava nele e muito menos nas promessas dos brancos. É impossível que possais sair daqui com vida, rematou. Cortés insistiu no pedido, e de tal maneira o fez que o imperador, exausto, concordou em dirigir-se ao povo.
Quando Moctezuma surgiu no topo do palácio, com as suas vestes e insígnias imperiais, fez-se um silêncio sepulcral entre a multidão que cercava o edifício. Alguns arrojaram-se ao solo em sinal de respeito. O imperador, em termos extremamente afectuosos, procurou falar ao coração dos que o ouviam. A sua intenção, segundo crêem muitos historiadores, residia sobretudo em poupar as vidas dos seus súbditos - e não as dos Espanhóis. Por isso, numa suprema tentativa de apaziguamento, insistiu na versão de que não se achava cativo, mas que, pelo contrário, poderia abandonar aquele quartel quando lhe aprouvesse. Os brancos - prosseguiu - eram seus hóspedes e estavam agora na disposição de se irem embora. Era portanto necessário que o povo lhes desimpedisse a passagem e os deixasse partir em paz. Concluiu dizendo que todos deviam depor as armas e voltar às suas casas: logo que os hóspedes partissem, tudo voltaria a ser como dantes em Tenochtitlán.
As palavras de Moctezuma produziram uma reacção contrária à desejada. Após um surdo murmúrio de mau agouro, ergueu-se da multidão uma ensurdecedora vozearia de protesto, e tudo o que restava da submissão e da reverência devidas ao imperador se desfez naquele instante. Ele tinha razão: ninguém confiava já nas suas palavras e todos o consideravam, como amigo dos Espanhóis, um traidor do seu povo. A escolta espanhola, iludida pelo silêncio, aparentemente respeitoso, com que o discurso do soberano fora escutado, nada pôde fazer para o proteger do dilúvio de setas e pedradas que caíram sobre ele. Moctezuma sofreu vários ferimentos graves e tombou por terra, inanimado.
Como que aterrados pelo sacrilégio que acabavam de cometer, os sitiadores do quartel soltaram um imenso grito de espanto e deitaram a correr em todas as direcções. Em pouco tempo, da multidão que enchia a praça não ficou um só homem ou mulher.
Moctezuma fora entretanto transportado para os seus aposentos. Quando recuperou os sentidos, mergulhou num mutismo absoluto. Rejeitou os tratamentos que os Espanhóis lhe queriam ministrar e também recusou alimentar-se. Consciente do ponto de degradação a que chegara aos olhos do seu próprio povo, só ambicionava despedir-se da vida. Os Espanhóis, vendo que o seu estado se agravava nos dias seguintes, insistiram para que se convertesse à religião cristã. O imperador quebrou o silêncio para dizer ao padre Olmedo, que o acompanhava junto do leito empunhando um crucifixo, que jamais abandonaria a religião dos seus avós. Moribundo, voltou a falar para rogar a Cortés que protegesse os seus filhos. Expirou, em fins de Junho de 1520, nos braços de alguns nobres astecas que se lhe tinham mantido fiéis até ao derradeiro instante.
Continua em 7-Setembro-2019 (7.ª Parte - Conclusão - ver aqui)