domingo, 9 de junho de 2019

D. Sebastião morreu em Alcácer-Quibir? (Os Falsos D. Sebastião) - 2.ª PARTE


(Continuação de 2 de Junho de 2019) (1.ª Parte - ver: O Sebastianismo)

O "rei de Penamacor"

Logo em 1584 surgiu um primeiro "D. Sebastião". Ficou conhecido como Rei de Penamacor, nome da pequena vila portuguesa  onde se tornou mais popular e onde acabou por ser preso. Ignora-se a sua verdadeira identidade, mas sabe-se que era filho de um pobre vendedor de loiça, de Alcobaça, a catorze léguas de Lisboa.
Viveu uns meses no convento de Nossa Senhora do Monte do Carmo. Quando saiu, obteve licença para usar o hábito de eremita e passou a subsistir da venda de terços e das esmolas de alguns compadecidos. Uma senhora, cujo marido tinha perecido em Alcácer-Quibir, tomou-o sob a sua protecção e forneceu-lhe roupas, dinheiro e um cavalo.
Assim equipado, o jovem (não contaria mais de vinte anos) pôs-se a percorrer a região de Alcobaça dizendo a quem o queria ouvir que tinha participado na batalha de Alcácer-Quibir. Ao mesmo tempo, gabava-se de ter conhecimentos da língua mourisca, o que foi facilmente acreditado pelos camponeses pouco instruídos que o escutavam.

O nome de D. Sebastião começou então a andar de boca em boca  e em breve um grande número de pessoas pensou que estava diante do infortunado rei. Dizia-se que o pobre monarca, vencido numa batalha tão importante, se condenara a si próprio a fazer penitência durante sete anos.
Parece que, ao princípio, o jovem procurou convencer os interlocutores de que não era, de facto, D. Sebastião. Mas depois, medindo as vantagens que poderia retirar da situação, arranjou dois cúmplices - um fazia de fidalgo e o outro de bispo - e deslocou-se para a vila de Penamacor. Aqui montaram e desenvolveram o seu embuste e a sua "corte".


D. Sebastião - Escultura de João Cutileiro em Lagos, Algarve, Portugal.
Foi daqui que o rei partiu para a última viagem, tragicamente concluída em Alcácer-Quibir.

O pretenso bispo recolhia avultados fundos dos mais crédulos e desempenhava gostosamente as funções de tesoureiro. Quando deambulavam pelas povoações vizinhas, um dos cúmplices introduzia-se num ou noutro ajuntamento murmurando o grande "segredo" que ali se ocultava: É o rei D. Sebastião, que um dia vos concederá favores em recompensa da vossa hospitalidade.
É claro que aquelas boas almas, ao ouvirem a bombástica "revelação" - que ia ao encontro dos seus sentimentos patrióticos -, sentiam-se felizes por oferecerem tudo quanto podiam ao seu amado soberano. E prostravam-se a seus pés.

Os Espanhóis, no entanto, vigiavam. E, um dia, o "rei de Penamacor", pretenso D. Sebastião, acabou preso, sendo transportado para Lisboa no dorso de um burro para ser julgado. Ele defendeu-se como pôde. Quando lhe perguntaram por que razão se fizera passar por D. Sebastião, respondeu: Não é verdade. Havia pessoas que me tratavam por rei, mas eu não as forçava nem as levava a isso. Puni-me por desonesto e mal-educado, mas não como culpado de conspiração ou de me querer fazer passar pelo rei D. Sebastião.

O impostor, que não era desprovido de simpatia, logrou amaciar os corações dos juízes. Sendo a primeira vez que estes se viam confrontados em Portugal com um caso assim, usaram de (relativa) benevolência: o réu saiu com uma condenação perpétua às galés. Diz-se que andou aos remos de uma galera na "Invencível Armada" que Felipe II enviou contra a Inglaterra. Em 1588, aportando a Lisboa, terá conseguido escapar, fugindo depois para França.
Nunca mais se ouviu falar dele.

Sorte diferente tiveram os cúmplices - o "fidalgo" e o "bispo"-, menos simpáticos ou menos hábeis nas falas do que o seu "rei". Acabaram ambos condenados à morte e foram executados.

(CONTINUA EM 16-JUNHO-2019) (3.ª Parte - O "rei da Ericeira")
-----------------------------------------
Fontes principais: MIGUEL D'ANTAS - Les Faux D. Sébastien - Étude sur l'histoire de Portugal - Publicado no ano de 1866 por Chez Auguste Durand, Libraire - Rue Cujas (ancienne Rue des Grès, 7), PARIS - FRANCE

J. LÚCIO D'AZEVEDO - A Evolução do Sebastianismo - Publicado no ano de 1918 por Livraria Clássica Editora - Lisboa - Portugal.

Sem comentários:

Enviar um comentário