Abertura do livro:
Jules Roy relata, nesta introdução, a chegada a Saigão (Vietname do Sul) do novo comandante-chefe das forças armadas francesas na Indochina - general Henri Navarre.
Substituía no cargo o seu companheiro de armas Raoul Salan.
Os franceses enfrentavam nos seus domínios coloniais da Indochina uma guerra feroz, que tivera o seu início em 1946 e que culminaria em Agosto de 1954, após a humilhante derrota de Dien Bien Phu.
Os americanos chegariam uns anos mais tarde para se empenharem numa guerra igualmente mortífera e sem glória...
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“19 de Maio de 1953.
Um comandante-chefe não é pessoa que se receba como um regedor qualquer.
Fardados de branco sob o calor sufocante do meio-dia, todos os generais e almirantes do Vietname do Sul esperam na pista do aeródromo de Than Son Nut, em Saigão, a aterragem do avião de longo curso de Paris, que sofreu um atraso de três quartos de hora, a fim de permitir que pousasse em primeiro lugar o Dakota do alto-comissário francês, que vem de Hanói.
A bordo do Constellation, o general Navarre contempla, sonhador, a imensa e temível extensão de pântanos e anéis líquidos, enrolados nas terras baixas onde o mar penetra, parcela do vasto reino que recebeu o encargo de defender.
As águas brilham à luz do Sol e as aldeias de colmo aninham-se sob os tufos de bambus gigantescos.
O avião dirige-se agora para o norte, sobrevoa o porto, a cidade e os seus jardins, rola no cimento da pista e pára.
Ao aparecer na escotilha do Constellation, Navarre não está apenas sufocado pelo calor de fornalha, que lembra o da escala de Calcutá.
Outro que não ele teria dificuldade em resistir ao cerimonial disposto para o receber.
Evidentemente, conhece todo este ritual desde os tempos em que transportava a pasta dos comandantes-chefes e dos marechais, mas, desta vez, é ele o príncipe esperado, é para ele que tocam as fanfarras e se queima o incenso.
Estes prazeres refinados que deliciariam Salan [seu antecessor] – agora em prolongadas visitas de despedida no Tonquim –, Navarre só os apreciará com um secreto prazer de que gostosamente prescindirá quando perceber qual o seu preço. (…)
(…) Navarre vê a seus pés todos os poderes.
Se quiser, o trem da sua casa poderá ser igual ao dum rei. Com o seu pavilhão a drapejar ao vento, poderá, com um simples gesto ou assinatura, decidir da sorte ou desgraça de muita gente.
Os seus ditos e silêncios serão estudados e todos ficarão suspensos das suas resoluções. Far-se-á tudo para o poupar às inclemências do clima, a fim de o seu génio poder resolver mais facilmente todos os problemas.
Nesse dia, através da escolta que o acompanhou, limitar-se-á a entrever Saigão, embora pressinta já o ambiente feroz dos negócios, do ágio, do dinheiro que corre a rodos, das casas de diversão nocturna e da vida dissoluta que nunca se interrompe.
Nesta cidade sem pássaros, as flores não têm perfume. Apresentam colorido brilhante, mas são pesadas, carnais, obcecantes.
Estas bandas de música, estes apitos da polícia, esta roda-viva de automóveis carregados de estrelas e bonés doirados celebram a chegada dum novo duque da Indochina ou o começo duma liquidação com ar festivo?
(…) No fim do jantar que o alto-comissário ofereceu em sua honra, chega a notícia da queda, após dois meses de resistência, do posto de Muong Khoua, alcandorado num pico rochoso, na confluência da Nam Ou e da Nam Pak, sessenta quilómetros a sudoeste de Dien Bien Phu, nome este que Navarre ainda não tinha sequer ouvido.
Uma companhia de soldados laocianos e alguns auxiliares desapareceram.
Pela primeira vez, os viets teriam utilizado granadas com fósforo, quer apanhadas do municiamento do corpo expedicionário, quer vindas da China. (…)”
A Batalha de Dien Bien Phu - Jules Roy (1907-2000) - Publicado por Livraria Bertrand - Lisboa - Portugal, 1965.
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Conquista de Dien Bien Phu pelos vietnamitas A França derrotada: prisioneiros franceses em Dien Bien Phu |
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Dança popular do Vietname:
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