segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Recadinhos do Padre António Vieira (2) - As "Cunhas" ou: Os Escolhidos e os Outros



“Vota o conselheiro no parente, porque é parente;
vota no amigo, porque é amigo;
vota no recomendado, porque é recomendado.
Os mais dignos e os mais beneméritos, porque não têm amizade, nem parentesco, ficam de fora.
Acontece isto muitas vezes? Queira Deus que alguma vez deixe de ser assim.

Agora quisera eu perguntar ao conselheiro que deu este voto e que o assinou, se lhe remordeu a consciência ou se soube o que fazia.
Homem cego, homem precipitado, sabes o que fazes? Sabes o que firmas?
Sabes que, ainda que o pecado que cometeste contra o teu cargo seja um só, as consequências que dele se seguem são infinitas e maiores que o mesmo pecado?
Sabes que com essa pena te escreves réu de todos os males que fizer, que consentir, e que não estorvar esse homem indigno por quem votaste, e de todos os males que deles se seguirem, até ao fim do Mundo?

Oh, grande miséria!
Miserável é a república onde há tais votos, miseráveis são os povos onde mandam ministros feitos por tais eleições; mas os conselheiros que neles votaram são os mais miseráveis de todos: os outros levam o proveito, eles ficam com o encargo.

Se o que elegestes furta, Deus há-de pedir-vos a conta a vós, porque o vosso voto foi causa de todos aqueles roubos.
Oprime o que elegestes os pobres, choram as viúvas, padecem os órfãos, clamam os inocentes; e Deus vos há-de condenar a vós, porque o vosso voto foi a causa de todas aquelas opressões, de todas aquelas tiranias (…)

E da parte dos beneméritos que deixastes de fora, quais serão as consequências?
Ficarem os mesmos beneméritos sem o prémio devido a seus serviços;
ficarem seus filhos e netos sem remédio e sem honra;
ficar a república mal servida;
os bons escandalizados;
os príncipes murmurados;
o governo odiado;
o mesmo conselho a que assistis, ou presidis, infamado;
o merecimento sem esperança;
o prémio sem justiça;
Deus ofendido;
o rei enganado;
a Pátria destruída (…)”

(Padre António Vieira)

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