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“Este livro tem uma história.
Começou a ser escrito em São Tomé, quando me encontrava deportado, sem prévio julgamento e por tempo indefinido, nessa pequena ilha equatorial.
Precisamente, a ideia surgiu-me quando tive conhecimento pela rádio, única fonte das notícias do dia, de que Salazar tinha sido operado a um hematoma craniano.
Nesse momento, compreendi que uma época da história portuguesa tinha terminado. E que era justo – e necessário – fazer o ponto de todo esse tão longo e doloroso período histórico.
Em vida de Salazar, um livro como o meu era, em sentido rigoroso, inconcebível. Esta simples verificação diz muito sobre a dureza dos tempos que nos tem sido dado viver, em Portugal, e explica por que razão este é o primeiro depoimento sobre a era salazarista. Outros se lhe seguirão, espero – enriquecidos com a visão de outros ângulos da realidade e mais bem elaborados.
É importante e urgente que assim aconteça, para que daí resulte um melhor conhecimento do período da história pátria que se encerrou com o desaparecimento de Salazar e que tanto tem pesado sobre nós. É importante, sobretudo, como contributo essencial para a reflexão que colectivamente todos temos de fazer sobre o nosso futuro.
Tendo-me colocado numa posição de combate clara e fortemente empenhada, não se pode pretender que o meu depoimento tenha a fria objectividade de um observador exterior aos factos. Não procurei fazer história, nem escrever capítulos esparsos de memórias, com o desprendimento de quem fala de um passado morto e encerrado, ou compõe, à sua maneira, os factos em que participou, para ilustração dos vindouros.
O meu objectivo foi outro: dar singelamente testemunho de um longo combate desigual, a que assisti e em que estive interessado, mas preocupando-me essencialmente com a preparação do futuro.
Entretanto, procurei redigir as páginas que se seguem com escrupulosa verdade (…)”.
Portugal Amordaçado - Mário Soares (1924-2017) - Publicado por Editora Arcádia - Lisboa - Portugal
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