quinta-feira, 25 de junho de 2020

Rafael Bordalo Pinheiro - Crítico Implacável da Política e da Sociedade em Portugal (1846-1905)

 

Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905) revelou-se um espírito brilhante, ímpar de criatividade, que aplicou a uma contínua intervenção crítica à vida portuguesa.

Permanecem de surpreendente actualidade os seus comentários à política, à economia e à sociedade da época nas revistas de caricatura e humor que editou, atitude que não raro reflectiu na cerâmica - que a partir de 1884 logrou revitalizar nas Caldas da Rainha.



Rafael Augusto Prostes Bordalo Pinheiro nasceu na Rua da Fé, em Lisboa, em 21 de Março de 1846, terceiro filho duma extensa prole de doze irmãos, a que pertenceria o célebre retratista Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929).
Foram seus pais o pintor romântico Manuel Maria Bordalo Pinheiro e D. Maria Augusta Carvalho Prostes.

Será com a caricatura artística que o génio de Rafael Bordalo Pinheiro deixará uma marca indelével e inconfundível no século XIX português.

O seu lápis traduz, no quotidiano, a perspicaz e oportuna observação da política do País, criando símbolos das realidades nacionais, dos quais o Zé Povinho se ergue como a imagem dum povo explorado e sofredor, mas conformado com a sorte que lhe cabe.




Em 1870, o sucesso obtido por uma caricatura alusiva à peça em cena - intitulada O Dente da Baronesa - revelara um talento e iria despoletar uma paixão.

Esse ano vê surgir sucessivamente o espirituoso álbum de caricaturas O Calcanhar d’Aquiles, a folha humorística A Berlinda, da qual saem sete números, e O Binóculo, periódico semanal à venda apenas nos teatros, com quatro números publicados.

Deu ainda à estampa o Mapa de Portugal, cujo êxito foi assinalado por vendas superiores a 4000 exemplares, no espaço de um mês.

Data de 1875 a iniciativa da criação do primeiro jornal dedicado à crítica social: A Lanterna Mágica, um projecto que faz a crónica dos factos sociais enquanto tece a crítica às políticas e às instituições.


Neste contexto, nasce a figura do Zé Povinho, tão acertada no seu conteúdo que permanece no imaginário português com uma reforçada carga simbólica.



Surgindo nessa época uma proposta de colaboração em O Mosquito, jornal brasileiro de humor, parte no Verão de 1875 para o Rio de Janeiro, onde viverá quatro anos.

A sua permanência no Brasil fica ainda assinalada pela criação de duas revistas de caricaturas: o Psit!!! (1877) e O Besouro (1878-79).

É a oportunidade para nascerem do seu lápis novas personagens-tipo da sociedade carioca, tais como o Psit!, o Arola ou o Fagundes.

Em Lisboa, publicava-se o Álbum de Caricaturas: Frases e Anexins da Língua Portuguesa (1876), ilustrado com desenhos de Bordalo.



 

Logo após o seu regresso à Pátria, em meados de 1879, dá início à publicação de O António Maria, cujo título alude a António Maria Fontes Pereira de Melo, figura política dominante que presidira ao Ministério.

Até Janeiro de 1885, conjuga-se nas páginas desta revista um combate de ideias que visa os partidos no exercício do poder e as debilitadas instituições da monarquia.

Em simultâneo, vão saindo as folhas do Álbum das Glórias, 42 caricaturas de personalidades e instituições portuguesas, comentadas por literatos contemporâneos.




É por esta época que Rafael Bordalo Pinheiro integra o Grupo do Leão (1881-89), importante formação livre apoiada por Alberto de Oliveira (1861-1922), que reúne artistas, escritores, intelectuais.

De 1885 a 1891 publica os Pontos nos ii, revista com idêntica intenção de defesa das causas portuguesas e de denúncia clara das manobras políticas, em que assumem particular relevo a Questão com a Inglaterra, o Monopólio dos Tabacos, o Ultimatum e a Revolta do Porto de 31 de Janeiro.

Em 1900 surge A Paródia, revista que atesta o desencanto de Rafael Bordalo face à vida política do País.
É nas capas dos primeiros números desta revista que caricatura os variados aspectos da realidade sócio-económica, de forma tão certeira que a sua aplicação continua a ser lembrada com acuidade, como em: A Política: a Grande Porca; A Finança: o Grande Cão; A Economia: a Galinha Choca; ou A Retórica Parlamentar: o Grande Papagaio.

Ele é ainda o pioneiro, nas suas revistas, da banda desenhada portuguesa.


 
A criação da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha - sob a direcção artística de Bordalo- e a sua instalação na vila, em 1884, contribui decisivamente para a revitalização da ancestral cerâmica local, quer pela revolução das formas, quer pela gramática decorativa de raiz francamente naturalista e tantas vezes duma exuberância a desafiar a realidade.

É a oportunidade de passar à argila a caricatura e o humor, criando os bonecos de movimento, como: o Zé Povinho; a Velha Maria; a Ama das Caldas; o Cura; o Sacristão; o Polícia.


 
Aos 58 anos, quando a sua produção artística ainda teria muito a revelar, Rafael Bordalo Pinheiro morre em Lisboa, no dia 23 de Janeiro de 1905.

Espírito criador, grande talento de artista, renovador da cerâmica das Caldas, o caricaturista “pai” do Zé Povinho deixa uma obra que se identifica com o próprio País e o seu povo, não só pelo génio do Artista, mas também pela intervenção do Homem.


(Adaptado de Matilde Tomaz do Couto, in Centro Virtual Camões)

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