Alcobaça e seus arredores |
Maria Rattazzi - que já conhecemos daqui - deslocou-se um dia a Alcobaça, no Centro de Portugal, por sugestão de alguns amigos portuenses: tinham-me recomendado
com particular insistência que não deixasse de visitar essa interessante vila,
onde os túmulos de Inês de Castro e de D. Pedro, em virtude da dramática lenda
dos dois amantes, atraem uma multidão de curiosos ou de peregrinos” [Pode relembrar esta tragédia aqui].
No seu famoso livro - Portugal de Relance -, ela descreveu do seguinte modo essa inesquecível viagem:
(…)
“Entra-se em Alcobaça por uns deliciosos caminhos arborizados e bordados de
enormes plátanos, que parecem avenidas de algum castelo grandioso, tanto a
solidão - interrompida apenas pelos gorjeios das avezinhas e pelo rumorejar das
folhas – é completa e majestosa.
Alcobaça
é fertilizada por dois rios, o Alcoa
e o Baça. A vila, em plena decadência
do seu esplendor primitivo, não oferece nada de notável senão o mosteiro. “Os
claustros parecem povoações, a sacristia uma igreja e esta uma basílica”,
disse, com razão, um autor português.
O
mosteiro foi fundado cerca de 1148 pelo rei Afonso Henriques, em testemunho de
reconhecimento pela vitória de Campo de Ourique, que assegurou a fundação da
monarquia portuguesa. Os religiosos da ordem instituída por S. Bernardo foram
chamados. O rei fez-lhes doação de todos os terrenos que se avistavam do alto
da igreja numa extensão considerável.
Mosteiro de Alcobaça |
A
frontaria está admiravelmente conservada. A igreja é do mais puro estilo
gótico. Tem três naves que se comunicam por arcadas de uma elevação pasmosa.
Portas
carunchosas e fendidas introduzem-nos na sacristia e nos claustros. (…)
Afigura-se-nos que vemos aparições fantásticas e estremece-se ao menor ruído,
como se sombras misteriosas adejassem em torno de nós ao perpassarem no seu
voo.
Quase todos os altares das capelas estão carregados de decorações.
Defrontando-se com os túmulos de Inês de Castro e de D. Pedro, nota-se uma cena
da morte de S. Bernardo, rodeado dos seus discípulos, trabalho de um gosto
delicado e originalíssimo.
Por
detrás do altar-mor há um sem-número de capelas particulares destinadas ao
culto de vários santos e santas. Na sacristia existem dois móveis antigos do
mais elevado preço.
Nave central |
Os
túmulos de Inês de Castro e do seu régio esposo são simplesmente maravilhosos.
É
pedra, marfim ou renda?
Os
dois sarcófagos estão unidos pelos pés, a fim de que, no dia do Juízo Final,
segundo reza a tradição, “quando a trombeta do arcanjo acordar os dois amantes,
o seu primeiro olhar seja um olhar de amor”.
Túmulo de D. Inês de Castro (c. 1320-1355) |
A
estátua de Inês está deitada, amparada pelos anjos que a contemplam lacrimosos,
suspendendo sobre a sua cabeça uma coroa.
Com a mão direita segura um colar de
pérolas.
Aos seus pés notam-se ainda os fragmentos de cães, que provavelmente
representavam o símbolo da fidelidade.
Nos quatro ângulos da urna destacam-se
relevos admiráveis. Seis esfinges de cabeças achatadas amparam a urna.
Túmulo do rei D. Pedro I (1320-1367) |
O
sarcófago de D. Pedro, o Justiceiro, repousa sobre seis leões.
A sua nobre
fisionomia respira doçura, a mão direita empunha a espada; aos seus pés está
deitado um cão de caça.
Aos cantos da capela, colocados sobre peanhas, vêem-se
três pequenos cofres de pedra. Os nichos laterais, modestamente rebocados a
cal, contêm caixões de reis, de rainhas e infantes, provenientes do princípio
do século XIII.
Outro ângulo do túmulo de D. Inês de Castro |
Desgraçadamente,
os túmulos de Inês de Castro e de D. Pedro foram roubados e mutilados.
A
estátua de Inês está danificada. O guia, presenciando a minha indignação
perante este acto de vandalismo, com voz sonora peculiar àqueles que vivem nas
solidões que repercutem ecos profundos, disse-me estas palavras, as únicas que
sabia do idioma francês, “mutilés par les
français!”[“mutilados pelos franceses” – alusão às depredações levadas a
cabo pelas tropas invasoras de Napoleão Bonaparte no início do século XIX –
Nota da Torre].
Confesso
que me senti incomodada.
Percorremos
a igreja e os claustros, mas nem um só momento se apartaram do meu espírito
essas quatro palavras que se erguiam como uma exprobração e uma ameaça. (…).
Continuei
o meu caminho presa da admiração e do encantamento. Que homens eram esses que
deixavam semelhantes traços da sua passagem?...
Ao cabo de muitos séculos o seu
poderio afirma-se ainda em monumentos imperecíveis que subsistem de pé como os
arquivos de um povo de gigantes.
Rios Alcoa e Baça |
O
sol esmorecia.
Era sempre o mesmo quadro formosíssimo, mas esfumado.
Ligeiras
nuvens deslizavam tingindo-se de púrpura no horizonte e afagando a lua, que se
erguia pálida e melancólica por entre a mata de pinheiros de troncos
desempenados e flexíveis.
As violetas perfumavam o ambiente, as boas noites
dilatavam a corola delicada e embrulhavam-se modestamente na folhagem.
Trabalhadores recolhiam, cantando, aos seus lares coroados de um fumo azulado,
onde os esperavam as mulheres e os filhos…
Aldeãs de pele queimada e grandes
olhos negros caminhavam alegremente, levando à cabeça feixes de espigas picadas
de papoulas e malmequeres. Rapariguinhas, ajoelhadas ao longo da estrada,
pediam esmola, sorrindo, mau grado seu, por entre a melopeia pungente do peditório.
Doces
esplendores de Portugal!...
Que clima vale o teu?
O teu céu irradia banhado
pela luz do sol.
O teu hino é o da Primavera.
Os teus ditosos filhos não
conhecem nem o desalento, nem a doença, nem a tristeza.”
Maria Rattazzi (1831-1902)
|
…………..
"Alcobaça"
(Maria de Lurdes Resende)
Sem comentários:
Enviar um comentário