sábado, 9 de maio de 2020

Portugal Antigo Visto por Estrangeiros (Maria Rattazzi visita Alcobaça)

Alcobaça e seus arredores

Maria Rattazzi - que já conhecemos daqui - deslocou-se um dia a Alcobaça, no Centro de Portugal, por sugestão de alguns amigos portuenses: tinham-me recomendado com particular insistência que não deixasse de visitar essa interessante vila, onde os túmulos de Inês de Castro e de D. Pedro, em virtude da dramática lenda dos dois amantes, atraem uma multidão de curiosos ou de peregrinos” [Pode relembrar esta tragédia aqui].

No seu famoso livro - Portugal de Relance -, ela descreveu do seguinte modo essa inesquecível viagem:

(…) “Entra-se em Alcobaça por uns deliciosos caminhos arborizados e bordados de enormes plátanos, que parecem avenidas de algum castelo grandioso, tanto a solidão - interrompida apenas pelos gorjeios das avezinhas e pelo rumorejar das folhas – é completa e majestosa.

Alcobaça é fertilizada por dois rios, o Alcoa e o Baça. A vila, em plena decadência do seu esplendor primitivo, não oferece nada de notável senão o mosteiro. “Os claustros parecem povoações, a sacristia uma igreja e esta uma basílica”, disse, com razão, um autor português.

O mosteiro foi fundado cerca de 1148 pelo rei Afonso Henriques, em testemunho de reconhecimento pela vitória de Campo de Ourique, que assegurou a fundação da monarquia portuguesa. Os religiosos da ordem instituída por S. Bernardo foram chamados. O rei fez-lhes doação de todos os terrenos que se avistavam do alto da igreja numa extensão considerável.

Mosteiro de Alcobaça

A frontaria está admiravelmente conservada. A igreja é do mais puro estilo gótico. Tem três naves que se comunicam por arcadas de uma elevação pasmosa.

Portas carunchosas e fendidas introduzem-nos na sacristia e nos claustros. (…) Afigura-se-nos que vemos aparições fantásticas e estremece-se ao menor ruído, como se sombras misteriosas adejassem em torno de nós ao perpassarem no seu voo.

Quase todos os altares das capelas estão carregados de decorações. Defrontando-se com os túmulos de Inês de Castro e de D. Pedro, nota-se uma cena da morte de S. Bernardo, rodeado dos seus discípulos, trabalho de um gosto delicado e originalíssimo.

Por detrás do altar-mor há um sem-número de capelas particulares destinadas ao culto de vários santos e santas. Na sacristia existem dois móveis antigos do mais elevado preço.

Nave central

Os túmulos de Inês de Castro e do seu régio esposo são simplesmente maravilhosos.

É pedra, marfim ou renda?

Os dois sarcófagos estão unidos pelos pés, a fim de que, no dia do Juízo Final, segundo reza a tradição, “quando a trombeta do arcanjo acordar os dois amantes, o seu primeiro olhar seja um olhar de amor”.

Túmulo de D. Inês de Castro (c. 1320-1355)

A estátua de Inês está deitada, amparada pelos anjos que a contemplam lacrimosos, suspendendo sobre a sua cabeça uma coroa.

Com a mão direita segura um colar de pérolas.

Aos seus pés notam-se ainda os fragmentos de cães, que provavelmente representavam o símbolo da fidelidade.

Nos quatro ângulos da urna destacam-se relevos admiráveis. Seis esfinges de cabeças achatadas amparam a urna.

Túmulo do rei D. Pedro I (1320-1367)

O sarcófago de D. Pedro, o Justiceiro, repousa sobre seis leões.
A sua nobre fisionomia respira doçura, a mão direita empunha a espada; aos seus pés está deitado um cão de caça.

Aos cantos da capela, colocados sobre peanhas, vêem-se três pequenos cofres de pedra. Os nichos laterais, modestamente rebocados a cal, contêm caixões de reis, de rainhas e infantes, provenientes do princípio do século XIII.

Outro ângulo do túmulo de D. Inês de Castro

Desgraçadamente, os túmulos de Inês de Castro e de D. Pedro foram roubados e mutilados.

A estátua de Inês está danificada. O guia, presenciando a minha indignação perante este acto de vandalismo, com voz sonora peculiar àqueles que vivem nas solidões que repercutem ecos profundos, disse-me estas palavras, as únicas que sabia do idioma francês, “mutilés par les français!”[“mutilados pelos franceses” – alusão às depredações levadas a cabo pelas tropas invasoras de Napoleão Bonaparte no início do século XIX – Nota da Torre].

Confesso que me senti incomodada.

Percorremos a igreja e os claustros, mas nem um só momento se apartaram do meu espírito essas quatro palavras que se erguiam como uma exprobração e uma ameaça. (…).

Continuei o meu caminho presa da admiração e do encantamento. Que homens eram esses que deixavam semelhantes traços da sua passagem?...

Ao cabo de muitos séculos o seu poderio afirma-se ainda em monumentos imperecíveis que subsistem de pé como os arquivos de um povo de gigantes.

Rios Alcoa e Baça

O sol esmorecia.
Era sempre o mesmo quadro formosíssimo, mas esfumado.
Ligeiras nuvens deslizavam tingindo-se de púrpura no horizonte e afagando a lua, que se erguia pálida e melancólica por entre a mata de pinheiros de troncos desempenados e flexíveis.
As violetas perfumavam o ambiente, as boas noites dilatavam a corola delicada e embrulhavam-se modestamente na folhagem.

Trabalhadores recolhiam, cantando, aos seus lares coroados de um fumo azulado, onde os esperavam as mulheres e os filhos…
Aldeãs de pele queimada e grandes olhos negros caminhavam alegremente, levando à cabeça feixes de espigas picadas de papoulas e malmequeres. Rapariguinhas, ajoelhadas ao longo da estrada, pediam esmola, sorrindo, mau grado seu, por entre a melopeia pungente do peditório.

Doces esplendores de Portugal!...
Que clima vale o teu?
O teu céu irradia banhado pela luz do sol.
O teu hino é o da Primavera.
Os teus ditosos filhos não conhecem nem o desalento, nem a doença, nem a tristeza.”

Maria Rattazzi (1831-1902)
…………..
"Alcobaça"
(Maria de Lurdes Resende)

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