sábado, 30 de maio de 2020

D. João V, rei de Portugal - Majestoso, Esbanjador, Mulherengo e Freirático (1.ª Parte)

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D. João V - Rei de Portugal de 1707 a 1750


D. João V foi o 24.º rei de Portugal.
Nasceu em 22 de Outubro de 1689 e faleceu em 31 de Julho de 1750.
Aclamado rei no dia 1 de Janeiro de 1707.
O seu nome completo: João Francisco António José Bento Bernardo de Bragança.

- Filho do rei D. Pedro II…


… foi pai de D. José (o rei que teve o célebre Marquês de Pombal como primeiro-ministro - ver aqui e aqui);

… avô de D. Maria I (que enlouqueceu e morreria no Brasil);

… bisavô de D. João VI, que se refugiaria a partir de 1808 em terras brasileiras para se furtar à ameaça napoleónica (facto que teria influência decisiva na declaração de independência do Brasil – ano de 1822);

… e trisavô de D. Pedro I, primeiro imperador do Brasil.

Casou em 1708 com D. Maria Ana Josefa, arquiduquesa de Áustria, filha do Sacro Imperador Germânico, Leopoldo I, e da condessa Leonor Madalena de Neuburg.
A rainha foi irmã dos Sacro Imperadores José I e Carlos VI.

Muito culta, D. Maria Ana Josefa conhecia e falava alemão, francês, italiano, espanhol e latim.

Resignou-se rapidamente ao abandono a que D. João V a votava.
Muito devota, entregava-se com frequência a práticas piedosas.
Interessava-se por coisas do mar, passeava ao longo do rio Tejo com a Família Real e a Corte, assistindo frequentemente a festas e serenatas no rio e a lançamentos de navios ao mar.

Apaixonada por música, assistia sempre aos concertos e aos serões de ópera da Corte.


A rainha D. Maria Ana Josefa, esposa de D. João V

.Chamaram a D. João V O Magnânimo ou O Rei-Sol Português, em virtude do luxo de que se revestiu o seu reinado; alguns historiadores recordam-no também como O Freirático, devido à sua conhecida apetência sexual por freiras.
A mais famosa de todas foi a Madre Paula, enclausurada no convento de Odivelas, Lisboa.
Esta Madre Paula, que se fez poderosa e influente pelo domínio que exercia sobre o seu régio amante, foi mãe de um dos filhos ilegítimos de D. João V, os chamados Meninos de Palhavã.

Estes amores freiráticos eram de resto generalizados entre os nobres portugueses do tempo, a tal ponto que, em 1724, alguns deles foram convocados à Secretaria de Estado para assinarem um termo em que se comprometiam a não mais visitarem as freiras nos conventos, a deixarem de lhes escrever e a não lhes fazerem acenos da rua.
É claro que o rei D. João V se considerava à partida isento de tais limitações.

Segundo Veríssimo Serrão, D. João V «era senhor de uma vasta cultura, bebida na infância com os padres jesuítas. Falava línguas, conhecia os autores clássicos e modernos, tinha boa cultura literária e científica e amava a música. Para a sua educação teria contribuído sua mãe (Maria Sofia, condessa de Neuburg), que o educou, e aos irmãos, nas práticas religiosas e no pendor literário.»
E a seguir: «Logo na cerimónia da aclamação se viu o pendor régio para a magnificência.” 


Convento de Odivelas, onde viveu a famosa Madre Paula (Lisboa)

.Oliveira Martins, o historiador português, escreveu sobre D. João V, e o seu reinado, palavras muito duras:


“(…) Um facto fortuito, alheio aos elementos naturais, tinha vindo pelos fins do século XVII influir poderosamente nos destinos da nação.
Despovoado e inculto o reino, miseráveis e nuas as povoações, sem riqueza nem trabalho – as minas de ouro do Brasil deram ao rei e ao povo uma fortuna que o país lhes negava.

Lisboa era mais a metrópole de um vasto império ultramarino do que a capital de um reino europeu.
Agora, as minas americanas (do Brasil) chamam todas as ambições e todas as forças para a cidade onde se encontra a vida inteira da nação.

Foi sobre o ouro e os diamantes do Brasil que se ergueu o trono absoluto de D. Pedro II; foi com eles que D. João V, e todo o reino, puderam entregar-se ao entusiasmo desvairado dessa ópera ao divino em que desperdiçaram os tesouros americanos.

O acaso concedeu a um tonto o uso de armas perigosas, abrindo-lhe de par em par as portas dos arsenais; e D. João V, enfatuado, corrompeu e gastou, pervertendo-se também a si e desbaratando toda a riqueza da nação. Tal foi o rei.
O povo, beato e devasso, pastoreado pelos jesuítas, arreava-se agora de pompas, para assistir como convinha à festa solene do desbarato dos rendimentos do Brasil.
 

Terreiro do Paço (Lisboa)
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Essa soma quase incalculável de riquezas não bastou para encher a voragem do luxo e da devoção do espaventoso e beato monarca.
O Inglês sentava-se com ele à mesa e aplaudia os desperdícios, porque todo o ouro do Brasil apenas passava por Portugal, indo fundear em Inglaterra para pagamento da farinha e dos géneros fabris com que ela nos alimentava e nos vestia.
As indústrias nacionais eram as óperas e as devoções: todo o comércio externo estava nas mãos dos ingleses, principalmente, e também de italianos.

Por isso, nem todo o ouro do Brasil chegou, a dívida nacional cresceu, e se Lisboa quis deixar de morrer à sede teve de pagar com um imposto especial a construção do seu Aqueduto.
Os dinheiros do Brasil tinham outro e melhor destino.
Iam para Roma custear o preço de concessões valiosas.

Era a elevação da capela do rei a Patriarcado – um arremedo do Vaticano.
Eram as insistências (sem resultado) para que se definisse o dogma da Imaculada Conceição de Maria, antiga teima dos reis Braganças.
Era a licença para os padres dizerem três missas em Dia de Finados.
Eram os lausperenes, as relíquias, as canonizações, as indulgências.

D. João V tinha o amor das cerimónias, e sabia todos os pontos da etiqueta do paço e da igreja.

Era mestre em liturgia. Queria bem a todos os santos, mas tinha um fraco particular por S. José e por S. Francisco de Assis. 

Luxo da corte de D. João V


A Patriarcal era para D. João V o reino, a corte.
Essa ópera contava quase quatrocentos figurantes.
Afora o patriarca, tinha vinte e quatro principais, setenta e dois prelados, vinte cónegos, setenta e três beneficiados, mais de trinta mestres-de-cerimónias, acólitos, capelães.

Custavam todos trezentos contos ao ano.
E, além disso, cento e trinta cantores e músicos, por trinta e oito contos.
E, por cima, as rendas principescas do patriarca.
E mais ainda o preço incalculável das festas magníficas, com o cenário deslumbrante de ouro, pedrarias, veludos, rendas, luzes, em nuvens de incenso despedidas pelos turíbulos cinzelados.

D. João V não regateava o preço das coisas; antes, como rei brasileiro, rico sem saber como, punha a honra na despesa, imaginando espantar o mundo com o modo perdulário com que dissipava.



Mais de duzentos milhões de cruzados foram para Roma; não tem conta o que deu pelo reino às igrejas, aos conventos de frades e freiras, e, na sua fúria de ser esmoler-mor do catolicismo, lembrava-se de todos derramando por toda a parte o ouro do Brasil.
Alexandre de Gusmão, atónito, apertava a cabeça com ambas as mãos, exclamando:
A fradaria absorve-nos, a fradaria suga tudo, a fradaria arruína-nos!

O rei não pensava em tal. E, emproado, soberano, a peruca majestosa, o pulso em fofas rendas, com a mão sobre a bengala, risonho de si, passeava os olhos pela ópera faustosa.
Vestia-se de Paris.
Era, deveras, um grandíssimo rei!
E os mitrados de púrpura, os tonsurados, de rastos, humildes, batendo nos peitos, louvavam e adoravam o Grande Lama do extremo ocidente..."


………...

Música portuguesa
do tempo de D. João V
(Compositor: Carlos Seixas)

(Conclui amanhã, 31-Maio-2020)

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