terça-feira, 12 de maio de 2020

Carta-Poema a Um Prefeito (Manuel Bandeira - Brasil)




Excelentíssimo Prefeito
Senhor Hildebrando de Góis,
Permiti que, rendido o preito
A que fazeis jus por quem sois,
 
Um poeta já sexagenário,
Que não tem outra aspiração
Senão viver de seu salário
Na sua limpa solidão,
 
Peça vistoria e visita
A este pátio para onde dá
O apartamento que ele habita
No Castelo há dois anos já.

É um pátio, mas é via pública,
E estando ainda por calçar,
Faz a vergonha da República
Junto à Avenida Beira-Mar!
 
Indiferentes ao capricho
Das posturas municipais,
A ele jogam todo o seu lixo
Os moradores sem quintais.

Que imundície!
Tripas de peixe,
Cascas de fruta e ovo,
papéis...
Não é natural que me queixe?

Meu Prefeito, vinde e vereis!
Quando chove, o chão vira lama:
São atoleiros, lodaçais,
Que disputam a palma à fama
Das velhas maremas letais!
 
A um distinto amigo europeu
Disse eu: - Não é no Paraguai
Que fica o Grande Chaco,
este é o Grande Chaco!
Senão, olhai!

Excelentíssimo Prefeito
Hildebrando Araújo de Góis
A quem humilde rendo preito,
Por serdes vós, senhor, quem sois!
 
Mandai calçar a via pública
Que, sendo um vasto lagamar,
Faz a vergonha da República
Junto à Avenida Beira-Mar!


…………..
 



Manuel Bandeira (Recife, 19 de Abril de 1886 - Rio de Janeiro, 13 de Outubro de 1968) foi um poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro.

Juntamente com escritores como João Cabral de Melo Neto, Paulo Freire, Gilberto Freyre e José Condé, representa o que há de melhor na produção literária do estado de Pernambuco. (Wikipédia).

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