sábado, 20 de julho de 2019

"Poema do Homem Novo" (na Lua, há precisamente 50 anos...)

Tripulação da Apolo XI, da esq. para a dir.:  Neil Armstrong, Michael Collins e Buzz Aldrin

Neil Armstrong pôs os pés na Lua
e a Humanidade saudou nele
o Homem Novo.
No calendário da História sublinhou-se,
com espesso traço,
o memorável feito.

Tudo nele era novo.
Vestia quinze fatos sobrepostos.
Primeiro, sobre a pele, cobrindo-o de alto a baixo,
um colante poroso de rede tricotada
para ventilação e temperatura próprias.

Logo após, outros fatos, e outros e mais outros,
catorze, no total,
de película de nylon
e borracha sintética.

Envolvendo o conjunto,
do tronco até aos pés,
na cabeça e nos braços,
confusíssima trama de canais
para circulação dos fluidos necessários,
da água e do oxigénio.


A cobrir tudo, enfim, como um balão ao vento,
um invólucro soprado de tela de alumínio.

Capacete de rosca,
de especial fibra de vidro,
auscultadores e microfones,
e, nas mãos penduradas,

tentáculos programados,
luvas com luz nos dedos.


Numa cama de rede,
pendurada da parede do módulo,
na majestade augusta do silêncio,
dormia o Homem Novo a caminho da Lua.

Cá de longe, na Terra,
num burburinho ansioso,
bocas de espanto e olhos de humidade,
todos se interpelavam e falavam,
do Homem Novo,
do Homem Novo,
do Homem Novo.


Sobre a Lua, Armstrong pôs finalmente os pés.
Caminhava hesitante e cauteloso,
pé aqui,
pé ali,
as pernas afastadas,
os braços insuflados como balões pneumáticos,
o tronco debruçado sobre o solo.
Lá vai ele.
Lá vai o Homem Novo
medindo e calculando cada passo,
puxando pelo corpo
como bloco emperrado.
Mais um passo.
Mais outro.
Num sobre-humano esforço

levanta a mão sapuda e qualquer coisa nela.

Com redobrado alento avança mais um passo,
e a Humanidade inteira,
com o coração pequeno e ressequido,

viu,
com os olhos que a terra há-de comer,
o Homem Novo espetar,
no chão poeirento da Lua,
a bandeira da sua Pátria,
exactamente como faria
o Homem Velho.

Poema de António Gedeão, Portugal (1906-1997)

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