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Máscara funerária do faraó Tutankhamon, que reinou por volta de 1350 a. C. (há cerca de 3370 anos).
Feita de ouro polido, incrustado com vidro multicolor, lazulite, feldspato verde, cornalina, alabastro e obsidiana.
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O Vale dos Reis situa-se na margem ocidental do Nilo, em frente de Karnac e de Luxor, e faz parte dos vastos terrenos onde outrora existia a necrópole de Tebas.
Foi ali que se construíram, sob o Novo Império, os túmulos dos mortos ilustres e os templos dos faraós.
O projecto daquela necrópole, a maior do mundo, deveu-se à iniciativa de Tutmés I (1545 a. C. a 1515 a. C.).
Foi Tutmés que decidiu separar o sepulcro do templo. Pensava obter desse modo a segurança que não tinham conseguido os seus predecessores, como demonstrava a sistemática violação de túmulos pelos ladrões.
Em 1922, o Vale dos Reis foi teatro de uma descoberta arqueológica que causou sensação: o túmulo do faraó Tutankhamon. Tal achado deveu-se à feliz conjugação de esforços de duas figuras: Howard Carter, o sábio especialista, “homem do terreno”, que dirigiu os trabalhos de escavação; e Lord Carnarvon, financiador do projecto, um amador de arte, desportista e globe-trotter.
Os trabalhos principiaram em 1916, numa altura em que especialistas garantiam que, no Vale, mexido e remexido por inúmeras escavações, fora já descoberto tudo quanto havia para descobrir.
Todos os grãos de areia tinham sido literalmente virados, revirados e peneirados, pelo que se compreende que tenham dito a Lord Carnarvon, quando ele conseguiu a concessão, que esta era inútil, pois o Vale não poderia oferecer mais nada.
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Howard Carter (1874-1939, Londres) |
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Howard Carter era um daqueles seres possuidores de inesgotável confiança em si próprio. Ele acreditava que em determinado local do Vale dos Reis acabaria por encontrar um túmulo importante.
Porquê? Porque em tempos ali se haviam realizado alguns achados que ele acreditava tratarem-se de pistas inequívocas: uma taça de faiança, alguns vasos de barro, meia dúzia de selos e, pormenor dos pormenores, um nome – Tutankhamon – gravado nalgumas peças.
A probabilidade de êxito de Carter era, à partida, mínima: tinham passado mais de três milénios sobre o eventual sepultamento de um faraó na zona. Acrescia a acção dos salteadores de túmulos, as inúmeras transferências “defensivas” levadas a cabo pelos sacerdotes ou a imperícia de muitos arqueólogos que o haviam antecedido - e que poderiam ter destruído vestígios importantes.
No primeiro Inverno, Carter desentulhou as imediações do túmulo de Ramsés IV (anteriormente descoberto). Interrompidos os trabalhos devido às visitas turísticas, as escavações concentraram-se perto da entrada daquele túmulo em 1919-1920.
Perante os fracos resultados (apenas os restos soterrados de antiquíssimas cabanas de operários), as escavações foram então concentradas em redor do túmulo de Tutmés III, situado num pequeno vale adjacente, onde também não se achou “nada que valesse a pena”.
Regressou-se portanto às proximidades do túmulo de Ramsés IV, onde antes se tinham negligenciado as cabanas dos trabalhadores (datadas, provavelmente, da XX.ª dinastia egípcia).
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Em 3 de Novembro de 1922 (com Lord Carnarvon em Inglaterra), Howard Carter começou a demolir as cabanas, fazendo enfim o que já poderia ter feito seis anos antes.
Na manhã seguinte achou debaixo da primeira cabana um degrau de pedra. Na tarde de 5 de Novembro já não restava a Carter a mínima dúvida de que havia realmente encontrado a entrada de um túmulo.
Mas principiaram então os receios.
Seria algum túmulo por acabar, que não tivesse sido sequer utilizado? Tratar-se-ia de um túmulo profanado e saqueado, como sucedera a tantos outros no Vale? Ou seria apenas o túmulo de algum cortesão ou de um sacerdote?
Os trabalhos continuavam, a ansiedade de Carter aumentava. Os degraus surgiam do entulho, uns após outros. E sob os últimos raios de sol apareceu o décimo segundo degrau e distinguimos a parte superior de uma porta selada, coberta de argamassa.
Carter examinou os selos. Eram os da necrópole real. Por detrás da porta devia portanto repousar uma personagem ilustre. E quando ele, numa agitação febril, abriu na porta um buraco do tamanho indispensável para nele introduzir uma lâmpada eléctrica, avistou um corredor atulhado de pedras – mais uma prova da protecção segura que fora dada ao túmulo.
Oiçamo-lo: Atrás daquele corredor entulhado podia encontrar-se tudo, absolutamente tudo, e precisei de toda a minha abnegação para não arrombar a porta.
Mas o sábio, prestes a alcançar o objectivo perseguido durante seis anos infrutíferos, tomou a resolução de fechar novamente a entrada do túmulo para aguardar a chegada de Lord Carnarvon, seu Mecenas e amigo.
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Na manhã de 6 de Novembro, Carter expediu o seguinte telegrama para o seu associado: Magnífica descoberta no Vale; túmulo grandioso com selos intactos; tudo fechado novamente até à sua chegada. Parabéns!
Recebeu a resposta no dia 8: Vou o mais depressa possível. Espero chegar 20 a Alexandria.
A 23, Lord Carnarvon chegava com a filha (Evelyn, ao lado do pai na imagem acima).
Na tarde de 24, os operários desobstruíram completamente a escada. Carter desceu os dezasseis degraus que iam dar à porta selada. Viu nos selos o nome de Tutankhamon:
Quando a luz do dia iluminou a porta, verificámos uma coisa que até então nos escapara: por duas vezes a porta fora aberta e tornada a fechar. O túmulo não estava intacto, como supuséramos. Os ladrões tinham lá entrado. Mas, a julgar pelas cabanas construídas por cima, a pilhagem não podia datar de época posterior ao reinado de Ramsés IV, e o facto de o túmulo ter sido outra vez selado era indício de que não estava vazio”.
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Ao fim de alguns dias toparam com outra porta, a cerca de dez metros da entrada do corredor.
Essa porta ostentava também os selos de Tutankhamon e da necrópole real. A comoção de Carnarvon e de Carter crescia à medida que iam retirando o entulho da frente da segunda porta.
Escreve Carter: Tinha chegado o momento decisivo. Com mãos trémulas fizemos uma pequena abertura no canto de cima à esquerda…
Carter pegou então numa barra de ferro e enfiou-a pela abertura; não encontrando a menor resistência, introduziu por várias vezes uma chama, e como nenhum gás manifestasse a sua presença, alargou o buraco.
Nesse momento toda a assistência se aproximou – Lord Carnarvon, sua filha Evelyn e o egiptólogo Callender, que se oferecera para colaborar logo que tivera notícia da descoberta.
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Com um movimento nervoso, Carter riscou um fósforo, acendeu uma vela e chegou-a ao buraco. A mão tremia-lhe. Quando aproximou a cabeça da abertura, para fazer finalmente ideia do que havia do outro lado, o ar quente que vinha do interior fez vacilar a chama.
No primeiro instante Carter não pôde distinguir nada, mas quando os seus olhos se habituaram à luz indecisa, não soltou qualquer exclamação de entusiasmo: ficou mudo!
Incapaz de suportar mais a incerteza, Carnarvon acabou por perguntar: Vê alguma coisa?
Howard virou-se devagar e respondeu com voz profundamente comovida: Sim, coisas admiráveis.
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Aquela resposta foi confirmada quando abriram a segunda porta e a luz mais forte de outra lâmpada eléctrica fez cintilar os esquifes de ouro e o trono de ouro, tirando reflexos mates das duas grandes estátuas negras, dos vasos de alabastro, das urnas estranhas.
Nunca, em toda a história das escavações, se tinham realmente visto coisas tão maravilhosas como as que então nos desvendou essa lâmpada eléctrica!
Cabeças de animais exóticos projectavam nas paredes sombras disformes. De uma das urnas saía uma serpente de ouro com a língua de fora.
Como sentinelas, as duas estátuas postadas frente a frente, com avental e sandálias de ouro, seguravam o bastão e a clava, brilhando-lhes na fronte a serpente sagrada.
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Passado longo tempo de contemplação daquela pompa fúnebre, Carnarvon e Carter repararam, consternados, que entre tantos tesouros não havia sarcófago nem múmia.
Descobriram então que entre as duas sentinelas reais existia uma terceira porta selada. Que poderia esconder aquela segunda câmara ou segundo corredor?
Pouco depois, fizeram outro achado importante. Um deles, espreitando por baixo de um dos três grandes esquifes, notou um pequeno buraco. Com o auxílio da lâmpada viram então uma pequena câmara lateral, mais pequena do que a antecâmara, mas cheia, atravancada mesmo, de utensílios e preciosidades de toda a espécie.
Depois de se aperceberem do recheio desta câmara e na expectativa do que poderia ainda ocultar a terceira porta selada, compreenderam quanto trabalho lhes seria necessário para levarem até ao fim a tarefa que se lhes apresentava.
Decidiram então fechar de novo o túmulo para voltarem mais tarde.
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Em 16 de Dezembro, o túmulo foi reaberto. E, em meados de Fevereiro, a antecâmara estava desimpedida. Só aqui referenciaram-se seiscentas e setenta peças.
No dia 17, às duas da tarde, Carter removeu com infinitas precauções a primeira camada de pedras da porta selada que haviam descoberto entre as duas sentinelas reais.
Ao fim de uns minutos pediu a lâmpada eléctrica e passou-a pela abertura.
Houve um murmúrio na assistência - cerca de vinte pessoas, entre cientistas e entidades oficiais.
O que Carter viu excedeu todas as expectativas. Tinha diante dos olhos aquilo que lhe pareceu um enorme muro reluzente, sem dúvida feito de ouro maciço. Em breve se compreenderia que se tratava da face anterior da urna funerária de Tutankhamon, sem dúvida a mais preciosa do mundo.
Essa urna enorme, como mais tarde verificariam, ocultava os diferentes ataúdes e o sarcófago da múmia.
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Carter pegou na lâmpada e deixou-se cair dentro do compartimento. A urna mortuária era de tais dimensões que ocupava o espaço quase todo.
Já na presença de várias testemunhas, entre as quais Lord Carnarvon, verificou-se que as medidas exactas da urna eram as seguintes: 5,20x3,35x2,75 m.
Era toda recoberta de ouro. Painéis de faiança azul brilhante, embutidos nos lados, ostentavam os signos mágicos destinados a proteger o defunto. Sobre o sarcófago havia um selo intacto, sinal de que eram eles os primeiros a chegar.
Os despojos de Tutankhamon, que reinara por volta de 1350 a. C. (havia portanto cerca de 3300 anos), estavam diante deles. Um faraó falecido muito jovem, por volta dos 18 anos…
No minuto seguinte, nova surpresa. Na outra extremidade da câmara divisaram uma porta baixa que dava para outra câmara pequena. E, depois das maravilhas que tinham contemplado até então, esta frase de Carter é suficientemente expressiva: Uma olhadela bastou-nos para compreender que se encontravam ali os maiores tesouros do túmulo!
Carter e Carnarvon retiraram-se lentamente, passaram diante da urna e voltaram para a antecâmara.
Três horas depois, às cinco da tarde, deixaram o túmulo. Quando saíram afigurou-se-lhes que o vale havia mudado e estava inundado de uma luz estranha.
No meio de tanto esplendor, o que é que mais impressionou Carter?
Ele informa-nos: … foi a coroazinha de flores, último adeus da jovem viúva ao esposo querido. Toda a pompa, toda a magnificência reais, todo o brilho deslumbrante do ouro empalideceram ao pé das pobres flores secas cujas cores não tinham desaparecido completamente. Eram elas que evocavam de maneira mais tocante a rápida passagem dos milénios.
Quando, no Inverno de 1925-26, desceu outra vez ao túmulo para abrir o caixão, Carter observou:
Tornou a impressionar-nos o mistério do túmulo, o temor e o respeito pelo que passou há muito e, não obstante, se conserva poderoso. Mesmo no trabalho puramente mecânico, o arqueólogo nunca perde completamente esse sentimento.
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Adaptado de Deuses Túmulos e Sábios, de C. W. Ceram.
Publicado em Portugal por Editora Livros do Brasil (Lisboa).
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